Correio de Carajás

Os sete dias intermináveis de Clemilda dentro de casa

Pra falar de Clemilda, uma dona de casa pacata, tímida e que nem os vizinhos conheciam direito, é preciso apresentar o marido, Cícero, o extrovertido. Trabalhava no antigo e extinto Comind, que trouxe uma agência para Marabá no período áureo do garimpo de Serra Pelada e deixou a cidade logo depois do fim da febre do ouro por aqui, na década de 1980.

Cícero veio de São Paulo como sub-gerente. Era recém-casado com Clemilda e queriam aventurar-se na Amazônia. Mais do que isso, era a oportunidade de garimpar algumas pepitas de ouro de alguns clientes na agência instalada na Avenida Getúlio Vargas, em frente onde hoje é a feira livre.

Marabá era, sim, uma cidade violenta, mas também com muita circulação de dinheiro. Então, por isso, Cícero gostou do trabalho, do dinheiro, do ouro que ganhava aqui e ali e, mais do que isso, da promoção que recebeu três meses depois de sua chegada, quando o gerente geral da agência foi transferido e ele passou a ocupar a função.

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Mas havia algo que o incomodava. Eram os sete dias de Clemilda a cada mês. A mulher bela, recatada e do lar ligava para o marido uma, duas e até três vezes durante o expediente exigindo sua presença em casa em caráter de urgência. Ele ia porque sabia a necessidade dela e, também, que esse tipo de pedido não se nega e muito menos se terceiriza para um amigo ou conhecido.

Depois que passavam os três dias habituais da menstruação, Clemilda se apanhava num estágio de desejos sexuais inexprimíveis. Nesse período, ela acionava o marido, estivesse em casa assistindo à TV ou no banco, atendendo um garimpeiro qualquer que chegava com a boroca cheia de dinheiro ou com ouro. Ela ligava de casa direto para a linha de telefone fixo que ficava na mesa do marido. “Por favor, venha em casa agora. Tenho algo importante”, dizia a mulher.

Cícero, por mais importante que fosse o compromisso bancário, por mais que tivesse perto da hora da compensação bancária, ele saía discretamente e ia para casa. O amor era intenso, mas rápido. Durava cerca de 20 minutos e só depois dele Clemilda conseguia começar a fazer o almoço em casa. O marido tomava banho, vestia a mesma camisa e voltava para o banco apressado, sabendo das responsabilidades que havia deixado no trabalho.

Mas tinha dias em que ela ligava de novo duas horas depois. Seu desejo sexual tinha voltado, agora com muito mais intensidade. É que a orquestra feminina do prazer estava tocando e precisava de um regente para conduzi-la. “Por favor, Cícero, venha em casa agora. Tenho algo importante. Se apresse o máximo que puder”.

Ah, nos primeiros dois anos de casamento, o gerente do Comind achava aquilo o máximo, mesmo que em duas raras ocasiões ele tenha falhado. Manhã, tarde, noite ou madrugada. Aqueles eram os sete dias mais esperados do mês.

Apenas durante a TPM, Clemilda não demonstrava interesse por sexo, mas os dias posteriores à menstruação, quando estava ovulando, a libido ficava a mil por hora e o maridão se fartava de prazer.

Uma vez, num sábado à noite, estavam numa festa de aniversário da filha de um funcionário do banco que acontecia no Clube de Mães. Quando cantavam os “parabéns pra você”, Clemilda puxou o braço do marido suavemente, e o obrigou a ir para casa urgentemente. Pegaram o carro, chegaram em casa 10 minutos, mas não deu tempo de entrar no quarto. O sofá serviu de cama e os dois compensaram ali o que os corpos estavam pedindo há algumas horas.

Um domingo ante de serem transferidos de Marabá de volta para São Paulo, Clemilda e Cícero se divertiam com amigos no Pirucaba e aproveitavam o banho de cachoeira. Mas ela olhou pra ele e naquele momento a mulher não precisou de palavras. Ele pegou na mão dela e foram atrás de uma moita de sarã para satisfazer o clamor da mulher.

Clemilda voltou para São Paulo e os desejos não cessaram. Difícil era Cícero pegar dois metros e um três para atender as ligações da mulher. Como demoravam os sete dias na capital paulista…

 

* O autor é jornalista há 28 anos e escreve crônica às quintas-feiras

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.