Correio de Carajás

NATAIS POR FRANCISCO: Onde houver ódio, que eu leve amor

Lições de doação: A história de uma família acolhedora de Marabá que conjuga o verbo amar no presente e no futuro

Emocionada, Edvânia conta sua história de amor por Renata, a filha de coração/Foto: Reprodução

Neste dezembro, oferecemos ao leitor histórias que sintetizam o que há de mais humano em nós – amor, alegria, fé, luz e esperança – reportagens inspiradas em São Francisco de Assis, que revolucionou a Igreja no século XIII e, posteriormente, ganhou uma oração, que se transformou em uma das preces mais populares no Ocidente. As palavras acima, que estão em negrito, foram retiradas da Oração de São Francisco para mostrar que em Marabá há pessoas que vivem os ideais dessa prece ajudando o próximo.

Em um aconchegante apartamento localizado no coração do bairro Belo Horizonte (núcleo Cidade Nova, em Marabá), Edvânia Alves, 46 anos, coach e terapeuta ocupacional, transborda amor pelas duas filhas, Maria Eduarda (18 anos) e Renata (14). Como ela mesma diz, uma é de sangue e uma de coração.

Natural de Bonito, interior do Pernambuco, há 27 anos ela mora em Marabá e nos últimos três viu sua configuração familiar ser completamente transformada com a chegada de Renata, a criança que ela abraçou através do Projeto Família Acolhedora.

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Ao CORREIO DE CARAJÁS, a terapeuta deixou a equipe de reportagem emocionada ao compartilhar sua história de amor e doação.

Falar sobre a vida ao lado de Renata leva lágrimas aos olhos de Edvânia: “Quando a gente chegou lá (no abrigo) e vimos ela, foi amor à primeira vista. “Eu tive que me reinventar para poder cuidar dela de acordo com as necessidades que tinha. Não consigo me conter porque a amo muito”, diz, enquanto tenta enxugar uma das diversas lágrimas, cheias de amor, que marcaram seu rosto na entrevista.

Entre as mudanças que a mais nova trouxe para a vida de Edvânia e Maria, a coach menciona que se tornou uma pessoa mais paciente. Para ela, a experiência com a filha mais velha foi totalmente diferente, pois estavam juntas desde sempre. Maria foi criada, cuidada e amada pela mãe desde a sua concepção, uma realidade diferente da de Renata.

Quando viu Renata pela primeira vez, Edvânia conta que foi amor à primeira vista/Foto: Reprodução

“Eu criei a Maria dentro daquilo que eu imaginava que era o melhor para ela. Com a Renata foi diferente porque ela veio com muitos traumas e problemas. Eu tinha de amenizar de alguma forma tudo aquilo. Não é fácil, não é um conto de fadas. Ela veio para me ensinar coisas que com a Maria eu ainda não sabia”.

Acolher Renata vai muito além de dar a ela a oportunidade de ter um lugar para morar. Entre idas e vindas, estima-se que a menina ficou no abrigo entre as idades de 3 e 11 anos e chegou até a terapeuta com traumas e dificuldades. Uma vivência dolorosa, que só o amor é capaz de amenizar.

ACOLHIMENTO: SINÔNIMO DE AMOR

Em uma das paredes da sala de Edvânia, uma frase chamou a atenção da Reportagem: “Amor Fati – aquele que não quer que nada seja diferente, nem para trás, nem em toda a eternidade. Não apenas suportar o que é necessário, menos ainda esconder, mas amar o acontecido”, do filósofo Friedrich Nietzsche. E ao responder se a chegada da jovem transformou sua concepção de amor, ela não titubeia e diz que a menina veio para lhe completar.

“Sempre amei muito a Maria Eduarda e sempre amei muito as pessoas e a Renata veio me mostrar o quanto o meu coração é capaz de amar. A Maria já tinha me mostrado porque eu não vivo sem ela e a Renata veio fortalecer isso. Não posso ajudar todas as crianças que eu queria, mas se eu ajudar a Renata e ela tiver uma vida diferente daquela lá, para mim vai ser algo maravilhoso”.

Edvânia confidencia que muitas famílias têm medo de participar do programa por medo de se apegar à criança e, em seguida, precisar se separar delas e sofrerem. “Mesmo eu amando a Renata, se surgir uma família que vá amá-la na proporção que ela precisa, vou ficar com meu coração tranquilo. Mas a minha vontade é ficar com ela para sempre”. A terapeuta confessa que deseja ter a guarda definitiva da filha de coração e que as três possam ficar velhinhas juntas.

“Eu não posso deixar de amar alguém, de cuidar, de transformar a vida dessa pessoa, por medo dela ir para outro lar”.

CHEGADA DE RENATA

A terapeuta relembra que estava em uma Unidade Básica de Saúde, na Folha 23 (Nova Marabá), quando viu um cartaz divulgando o projeto. Logo ela realizou o cadastro e antes do que imaginava, recebeu a visita da equipe que na época estava à frente do Famílias Acolhedoras.

Na sequência, ela foi convidada a ir até o abrigo para conhecer a criança que no futuro seria um dos seus grandes amores. A princípio, sua intenção era acolher um garotinho. Foi Maria Eduarda quem questionou a mãe, argumentando que por serem apenas as duas em casa, uma menina com idade próxima à sua, ficaria mais confortável com elas. Na época, Renata tinha 11 anos e Maria, 15.

Foto: Evangelista Rocha

Aos poucos, Renata foi passando mais tempo com a família de Edvânia. Mas a menina também teve experiência com outra família durante seis meses, mas a adaptação não aconteceu e ela voltou para os braços ansiosos de Edvânia, que sofreu muito durante o tempo que ficou longe da filha amada.

“O amor não é uma coisa que você consegue controlar, você consegue administrar. Então, não perca a oportunidade de transformar a vida de alguém por medo do apego, porque ele faz parte do processo”, finaliza. (Luciana Araújo)