Genivaldo era de Jesus, como tantos brasileiros; era dos Santos, como eu e muita gente. Saiu de casa numa quarta-feira normal, em sua modesta moto pela BR-101, uma BR como muitas outras que cortam as cidades brasileiras.
No bolso, a cartela de comprimidos que acalentavam sua mente conturbada há 20 anos.
Quando se deparou com os homens da lei, jamais imaginou que o “amarelo” da farda teria o mesmo símbolo do amarelo do Apocalipse: a morte.
Leia mais:Travestida de lei, com a força do Estado, a morte o esperava naquele canto da rodovia. Quando recebeu o sinal para parar, ele não imaginava o que estaria por vir. Não imaginava que seria sua última parada.
Talvez tenha beijado o filho antes de sair de casa, mas nem foi tão longe; estava em casa. Tinha até um sobrinho assistindo à intervenção desastrosa dos playboys vestidos de PRF.
Por mais que fosse de Jesus e dos Santos, Genivaldo ficou longe de sereno com a abordagem, sem saber o que acontecia.
“Por Deus, o homem tem uma cartela de comprimidos no bolso”, bradou o sobrinho, para explicar que seu tio era esquizofrênico e que abordagens como aquela poderiam deixá-lo nervoso.
A resposta foi aquela que é sempre dada aos pobres: spray de pimenta na cara.
A viatura paga com o imposto de Genivaldo de Jesus dos Santos foi transformada numa câmara de gás portátil.
A cena grotesca das pernas do homem balançando do lado de fora, enquanto dois brutamontes apertam a tampa do bagageiro e a fumaça ariana escorrega pela atmosfera, jamais se apagará das retinas de quem tem um coração no peito.
Por Deus, o homem tinha uma cartela de comprimidos no bolso! Custava olhar? Custava ler? Custava entender o outro? Custava ouvir?
A escolha foi pela violência e não pelo diálogo.
E a nota de (des)esclarecimento da PRF? É um tapa na nossa cara. É outro capítulo de violência, mais sutil.
O documento não fala em momento algum sobre o espetáculo da barbárie que invadiu os celulares e os computadores do mundo.
É como se aquilo nunca tivesse existido.
É como se Genivaldo nunca tivesse existido.
É como se ele não tivesse uma família.
É como se não tivesse acontecido nada de mais.
É como se fosse um fato isolado… Mais um.
Por Deus, o homem tinha uma cartela de comprimidos no bolso!
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.