Correio de Carajás

Rios viram ruas e canoas se transformam em carros na Velha Marabá

Em meio ao drama e flagelo, moradores da Marabá Pioneira parecem acostumados ao período de enchente e criam suas adaptações

Após uma manhã chuvosa em Marabá, o final da tarde de quarta-feira (12) demonstrava certa tranquilidade pelas ruas da Marabá Pioneira. Mesmo com a água tomando conta e inundando o bairro, cobrindo portas e janelas, as pessoas parecem estar acostumadas com esse sobe e desde dos rios todos os anos. Ao longo do tempo se adaptaram, como é o caso de quem construiu segundo piso na residência e nesta época se muda para a “parte de cima”, resistindo a sair do seu imóvel.

Na Orla Sebastião Miranda, representantes da parcela da comunidade que não mora nessas áreas baixas e não passa pelo drama da cheia, acaba “curtindo” essa época do ano de outra forma: fotografando o rio.

A canoa é o transporte oficial dessa época do ano

Em Marabá, a seca e a cheia, fenômenos naturais que ocorrem todos os anos em diversas áreas da Amazônia, parecem não interferir diretamente na vida de quem mora nas proximidades do Rio Tocantins e Itacaiúnas. Seja no alto das casas ou sentados nas portas dos abrigos, as pessoas parecem não se importar com algo tão natural (para elas).

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Para entender como os moradores dessas áreas lidam com essa variação da água em seu cotidiano, o Correio de Carajás foi até o abrigo localizado na entrada da Marabá Pioneira e na Avenida Magalhães Barata, no mesmo bairro.

Moradora da Rua São Pedro, dona Ana de Fátima, de 71 anos, está há cinco dias no abrigo. Ela conta que a água subiu rapidamente e que dessa forma, só havia presenciado isso em 80. “A enchente de 80 foi assim, em janeiro já estava cheio desse jeito o rio. Esse ano me surpreendeu. Eu não sei se vai subir mais”, fala, pensativa.

Questionada sobre as condições do abrigo municipal, Ana de Fátima afirma que está bom, se comparado com anos anteriores. “Pessoal da prefeitura está sempre por aqui, já deram duas vezes cesta básica. Só que no começo o Jairo (Jairo Milhomem, coordenador da Defesa Civil de Marabá) nos ignorou, ele esculhambava a gente. Por isso fizemos greve e fechamos aqui a entrada na Velha Marabá. Aí as coisas melhoraram”, conta, citando a interdição que foi feita com o intuito de chamar a atenção do Poder Público para a situação dos desabrigados.

Muitos curiosos na orla ontem, conferindo o rio

De acordo com a moradora, todos os anos no período da enchente ela vai para o abrigo, e está acostumada. “Não tem outro lugar, eu venho pra cá mesmo”, finaliza.

Mais adiante, na Avenida Magalhães Barata, a água sobe e vai encobertando as ruas e alagando casas e comércios. João, de apenas 11 anos, aventureiro e solícito, ajudou a equipe de reportagem a percorrer alguns trechos da localidade.

Ademar Cândico, 78 anos, estava na porta de casa. Com a água batendo na altura no meio da perna e dois cachorros deitados em uma cadeira suspensa, o idoso observava a movimentação das canoas passando pela rua.

Com um fogareiro em cima de uma mesa, móveis suspensos e dormindo numa rede, ele afirma que não quer sair de casa. Morando sozinho, ele disse que já passou por umas 30 enchentes e, de um tempo pra cá, enfrenta a cheia do rio dentro de casa.

“Eu não gosto de ficar nos abrigos. Eu levanto os móveis e fico dentro de casa. Só saio quando não dá mais pra dormir na rede”, conta, sorrindo.

Populares resistem a sair de casa e mudam para o andar de cima

Questionado sobre os prejuízos pós enchente, ele é categórico. “É um prejuízo medonho. Mas sair da Velha Marabá, eu não saio”, afirma, enquanto aguardava o cuscuz, que estava no fogo, aprontar.

Durante o caminho, a reportagem avistou algumas famílias fazendo ajustes nas casas, transportando móveis em canoas, e nos lugares mais altos, caminhões de mudança estacionados.

Na esquina da Magalhães com a Rua 7 de Junho, Joicilene Silva chegava em casa em uma canoa com o marido e a filha mais nova. No meio do caminho, ela contou que o marido, nascido e crescido na Velha Marabá está acostumado com o sobe e desce das águas. “Eu quando casei e vim morar aqui estranhei muito. Mas com o passar dos anos a gente acaba se acostumando mesmo. Eu acho muito triste, porque tem gente que não tem pra onde ir, que perde tudo”, lamenta.

Com uma casa de dois andares, ela e o marido, que trabalha como mecânico autônomo, se organizam todos os anos para o período da cheia.

“Quando percebemos que o rio está subindo, eu já faço compras do supermercado e subo as coisas de casa pra o andar de cima para não perder nada”, conta ela, que é mãe de três filhos e utiliza a canoa para sair e chegar em casa.

O Rio Tocantins e Itacaiunas parecem fazer o seu percurso natural. Tão natural que não assusta quem está pelo meio do caminho. Se adaptando, se moldando, as pessoas continuam a morar perto deles e admira-los, agora, de dentro de casa.

Nos abrigos ontem, fila para receber cestas básicas

Rio Tocantins

A equipe do Correio de Carajás tem acompanhado diariamente o nível do Rio Tocantins. No início da manhã de quarta-feira (12), marcava 12,13 metros. Às 18 horas, do mesmo dia, o rio já apontava 12,28 metros. 15 centímetros de diferença ao longo do dia.

De acordo com o Boletim Informativo de Vazões e Níveis do Rio Tocantins, emitido pela Eletronorte nesta quarta-feira (12), a previsão é que o nível do rio chega aos 12,70 metros no próximo sábado (15). (Ana Mangas)