Correio de Carajás

Vídeo de Bia Kicis sobre retenção de passaporte de Lula é de 2018

Enganoso
Compartilhamento de vídeo gravado em 2018 pela deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), em que ela celebra a autorização da Justiça para que o passaporte do ex-presidente Lula seja apreendido, está fora de contexto. Atualmente, o político petista não está impedido de realizar viagens internacionais.
  • Conteúdo verificado: Vídeo gravado por Bia Kicis em 2018, relacionado à apreensão do passaporte de Lula naquele ano, é compartilhado fora de contexto.

É enganoso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteja impedido de realizar viagens internacionais atualmente. Circula no Facebook vídeo em que a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) comemora a retenção do passaporte do petista, o que, de fato, ocorreu. Contudo, a decisão judicial que o impediu de ir à Etiópia é antiga, de 25 de janeiro de 2018, assim como o vídeo publicado por Kicis.

A determinação que desfavoreceu o líder petista foi do juiz federal Ricardo Leite, da 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília. A decisão foi amplamente noticiada pela imprensa à época. Lula embarcaria na madrugada do dia 26.

Apesar de o vídeo de Kicis ser antigo, um perfil o compartilhou recentemente, dando a entender se tratar de uma decisão atual. O comentário é em tom de comemoração: “Só tenho uma maneira de me manifestar: Iiiiiiihuuuuuuu…!!!”

Leia mais:

O Comprova considerou este conteúdo como enganoso por ter sido retirado do seu contexto original. Procurado pelo Comprova, o autor da publicação não respondeu.

Como verificamos?

Inicialmente, pesquisamos no Google as seguintes palavras-chave sobre o assunto: Bia Kicis, Lula e passaporte. Apareceram entre os principais resultados três checagens sobre o assunto, da Agência Lupa, do Boatos.org e do UOL Confere.

Todas as matérias verificam que o vídeo de Kicis foi publicado em 25 de janeiro de 2018. É algo que o Comprova também conseguiu confirmar. A partir das mesmas palavras pesquisadas, a reportagem chegou ao vídeo original, publicado no Facebook de Kicis.

A reportagem localizou ainda o pedido do Ministério Público Federal para que a Justiça determinasse a retenção do passaporte, a decisão do juiz Ricardo Leite, acatando parcialmente o pedido, e a determinação para que o passaporte fosse devolvido, uma semana depois, por decisão de outro juiz, Bruno Apolinário.

O Comprova entrou em contato com o perfil responsável pela publicação do vídeo antigo no Facebook, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

O vídeo também foi compartilhado pelo perfil Selma Gonçalves no grupo Bolsonaro 2022 no Facebook, em 8 de novembro. No mesmo dia, a postagem atingiu 1,2 mil curtidas e 468 compartilhamentos. No dia 10 de novembro, a reportagem verificou que o post não estava mais disponível. Nestes casos, o Facebook informa que o responsável compartilhou o conteúdo com um pequeno grupo de pessoas, alterou quem pode vê-lo ou foi excluído. O Comprova tentou contato com o perfil Selma Gonçalves, mas também não houve retorno.

Verificação

A viagem à Etiópia

A decisão que impediu Lula de viajar ocorreu em 25 de janeiro de 2018, motivando o vídeo de Bia Kicis. Um dia antes, o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) havia condenado Lula a 12 anos e um mês de prisão, em segunda instância, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso envolvendo um triplex no Guarujá, litoral de São Paulo.

Naquela ocasião, o advogado do político, Cristiano Zanin Martins, emitiu nota na qual defendeu que o cliente tinha assegurado pela Constituição o direito de ir e vir. No dia seguinte, a defesa de Lula entregou o passaporte dele à Polícia Federal.

No país africano, Lula participaria de reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com foco na discussão sobre meios para a erradicação da fome no continente até 2025.

O desfecho da ação

O pedido do Ministério Público Federal para que o passaporte fosse retido foi feito no dia 25 de janeiro de 2018 pelos procuradores Anselmo Henrique Cordeiro Lopes e Hebert Reis Mesquita. O pedido, sinalizado como urgente, foi feito no âmbito do processo 0076573-40.2016.4.01.3400, em que o ex-presidente e outras três pessoas eram acusadas da prática de crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e constituição de organização criminosa.

Para os dois procuradores, era necessário reter o passaporte de Lula porque, na véspera, ele havia sido condenado em segunda instância pela 8ª Turma do TRF-4, de Curitiba (PR), e no dia seguinte estava agendada uma viagem do ex-presidente à Etiópia. Além disso, estava agendado um interrogatório do réu para o dia 20 de fevereiro daquele ano.

No pedido, os dois procuradores afirmaram que havia passado a existir “risco concreto aos bens jurídicos protegidos no processo e à garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, presentes no art. 312 do Código de Processo Penal, pela possível fuga do país do ex-presidente, notadamente para países sem acordo de extradição com o Brasil ou que lhe poderiam conceder institutos jurídicos internacionais como o asilo político, nos termos diversos diplomas internacionais”.

Além da apreensão do passaporte em 24 horas, o MPF pediu que o ex-presidente fosse proibido de se ausentar do país e proibido de deixar São Bernardo do Campo ou a região metropolitana de São Paulo sem comunicação prévia ao juízo.

No mesmo dia, o juiz substituto da 10ª Vara Federal do Distrito Federal Ricardo Augusto Soares Leite acatou parcialmente os pedidos do MPF, afirmando que era de conhecimento público que aliados do ex-presidente faziam declarações públicas cogitando a solicitação, se necessário, de asilo político em países “simpatizantes”. O juiz afirmou na decisão que, mesmo em países do acordo de extradição, o deslocamento retardaria a execução da pena.

“Neste ponto, entendo que a própria versão de protestos gerados em seu favor, bem como a própria declaração do acusado, que acusa o Poder Judiciário de golpe em seu desfavor, militam no sentido de que não se esquiva de uma tentativa de fixar domicílio em algum outro país. Sua permanência em outro Estado seria, então, somente o exercício de um ‘suposto’ direito de defesa, ante a atuação autoritária dos poderes constituídos. Diante desta postura, entendo necessária uma atuação mais direta e eficaz para coibir este tipo de pretensão”, afirma o juiz.

Ele discordou do pedido do MPF apenas na questão relativa à necessidade de comunicação de viagens nacionais, por entender que, nestes casos, não havia “idoneidade para violar a aplicação da lei penal”. A apreensão do passaporte em 24 horas, então, foi determinada ainda no dia 25 de janeiro, véspera da viagem de Lula à Etiópia.

O advogado do ex-presidente, Cristiano Zanin Martins, disse em nota que o cliente tinha o direito de ir e vir, mas entregou o passaporte de Lula à Polícia Federal no dia 26 de janeiro de 2018. Uma semana depois, em 2 de fevereiro, outro juiz federal do Distrito Federal determinou a devolução do passaporte.

Segundo informações do próprio TRF-1, o juiz Bruno Apolinário mandou restituir o passaporte e remover o nome de Lula do Sistema Nacional de Procurados e Impedidos da Polícia Federal. Ele levou em conta os argumentos da defesa sobre o direito de ir e vir do ex-presidente e afirmou que qualquer outra medida cautelar deveria estar fundada na existência de elementos concretos de riscos à ordem pública.

O magistrado ainda ressaltou, segundo o TRF-1, que “não há como concluir que o paciente pretendesse fugir do país com a finalidade de frustrar a aplicação da nossa lei penal. Ao contrário, percebe-se na sua conduta o cuidado de demonstrar, sobretudo ao Poder Judiciário, que sua saída do país estava justificada por compromisso profissional previamente agendado, no caso, viagem à Etiópia onde participaria de evento promovido pela African Union Comission”.

Lula na Europa

Atualmente, não há restrições a viagens do ex-presidente. Ele inicia neste dia 11 uma agenda de reuniões com líderes políticos de esquerda na Europa, nos países Alemanha, Bélgica, França e Espanha.

Em 16 de novembro, o petista participará, na França, de conferência sobre o Brasil no Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris). A conferência, feita por um dos centros de pesquisas mais respeitados no mundo, é realizada 10 anos depois de Lula ter sido o primeiro líder latino-americano a receber o título de Doutor Honoris Causa do instituto.

Nesse mesmo dia, Lula encontrará a prefeita de Paris, Anne Hidalgo. No dia seguinte, Lula recebe o prêmio Coragem Política 2021, concedido pela Politique Internationale por sua gestão na Presidência da República.

Na Espanha, nos dias 18 e 19 de novembro, o ex-presidente participará também de uma conferência e reunião com políticos do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e do Podemos.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos que tenham viralizado sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições, como este, que teve, até o dia 10 de novembro, ao menos 957 compartilhamentos e 4,6 mil visualizações no Facebook.

Ao divulgar novamente o vídeo sem explicar o contexto em que foi gravado e divulgado em 2018, o perfil Marco Aurélio confunde os internautas que visualizam o conteúdo, levando à interpretação de que atualmente Lula está com o passaporte apreendido.

Embora haja comentários afirmando que a notícia é de 2018, a maioria deles mostra que os internautas acreditam que se trata de uma postagem atual.

Lula é pré-candidato à presidência da República. A propagação de conteúdos enganosos relacionados a nomes que pretendem disputar a eleição prejudica a democracia. Os eleitores são livres para decidir em quem irão votar, mas decisões não devem ser tomadas com base em desinformação.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do seu contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.

Desde 2020 o Correio de Carajás integra o Projeto Comprova, que reúne jornalistas de 33 diferentes veículos de comunicação brasileiros para descobrir e investigar informações enganosas, inventadas e deliberadamente falsas sobre políticas públicas e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.