Feriadão com quatro dias aí pela frente. A gente fica imaginando que dá pra fazer muitas coisas. Tentei ir para Araguaína visitar minha filha, mas o prefeito de lá decretou lockdown esta semana e ninguém entra.
Aí comecei a imaginar o que tenho de pendências para resolver por aqui. A lista ficou enorme.
Hoje, pra mim, menos pendência seria um achado. Tenho tantas que não acredito como se amontoam nos dias que vão indo. Vou resolvendo o que se torna urgente. E todo domingo prometo que a segunda-feira será outra história.
Leia mais:Algumas demandas até tenho feito o dever de ofício, mas outras deixo ir com o vento. Em casa, descobri, não sou exemplo de senhor das soluções.
Não creio que todos os homens têm a obrigação de trocar lâmpadas. Gosto mais de aguar a cebolinha, o coentro que está nascendo, a alface que está vingando bem, a couve que as lesmas teimam em castigar na madrugada e até mesmo meus pés de quiabo que estão carregados. O de uva, plantado no início da pandemia, está ganhando boa parte do quintal.
Por sinal, estão faltando flores e jarros lá na varanda. Encho-me de atalhos para justificar não ter feito ainda um jardim. A falta de tempo do dia a dia, um jardineiro e a grana curta… Tão fácil receber mudas ou ganhá-las de quem gosta de presentear sementes.
São as pendengas. Fiz uma lista de pequenas coisas que deveria ter dado vencimento e ainda não realizei. Imagina as grandes, como terminar de escrever um livro que tem prazo para entregar à editora e revisar outros dois que chegaram às minhas mãos?
Mas neste feriadão eu vou ficar com as pequenas. A porta da sala para pintar… Um lustre que ainda não comprei (o salário se desmancha)… Dois berimbelos do banheiro que tenho de repor… Uma presilha da cortina do quarto que ressecou e quebrou… Umas cadeiras… Os quadros que ganhei de um artista local e ainda não expus… E é porque sou caseiro, curto o espaço.
Adoro viver em casa. Para mim, o melhor lugar da cidade e onde desejo me aninhar à noite ou reencontrar quando uma viagem já esticou a baladeira da saudade.
Além disso, o papa Francisco (que ainda bem não faz ‘empem’ de ser canonizado) disse um discurso que me alegrou e também veio feito faca.
Daria um Nobel para os pais que têm tempo para os filhos. Caramba! Tão básico, mas de um ano pra cá vivo de arremedos e obrigações.
Também ofereceria um prêmio para quem tivesse um período, no meio das 24 horas apressadas, para os pais. Para minha mãe. Dias atrás, passamos duas manhãs, juntos, no médico. E ela desenhou sinais de precisão.
O envelhecer chegou incômodo e dei conta de que ainda a percebia com 30 e não com 76 anos. Está esquecida de algo que fez há pouco. Quer contar uma história sem ponto ao médico. E irrita-se quando digo que as coisas podem ser de outro jeito.
É uma questão o meu tempo com ela e terei de espantar as solidões. Feito minha irmã Miriam, sempre mais perto dela do que eu.
Tenho ainda ajustes afetivos. Amor para celebrar comigo e com quem bem me quer.
Recomeçar pelas palavras, pelo humor, os compromissos, os silêncios, os projetos, os almoços que temos de voltar…
* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira