O atendimento ao paciente que procura um serviço de pronto-socorro com história de ingestão de corpo estranho, evento aparentemente banal para aqueles que estão na posição de atendentes, deve ser encarado como urgência. Ou até mesmo, em alguns casos, emergência, não apenas quando o paciente está dispneico ou com disfagia total.
Os corpos estranhos do trato digestivo alto são uma ocorrência relativamente frequente, tanto nos serviços de emergência como em atendimento ambulatorial. Os primeiros relatos e descrições de retiradas de corpos estranhos remontam ao século XIV. Fabricius Hildanus (1560 a 1624) foi o primeiro médico a proceder com sucesso, a essas retiradas, utilizando um tubo de prata em cuja ponta havia uma esponja com a qual fazia a remoção de pequenos ossos.
São bastante variáveis a natureza do corpo estranho e a maneira como são ingeridos pelos pacientes. Essa ingestão pode ocorrer de forma acidental ou intencional. Quantos aos pacientes mais afeitos a essa ocorrência, destacam-se as crianças na fase maternal e na faixa etária infantil. Há ainda os idosos, devido a alterações nas arcadas dentárias ou por falta dos dentes, o que compromete a mastigação.
Leia mais:Nos pacientes portadores de doenças neurológicas, essa ingestão pode ocorrer em qualquer faixa etária, principalmente quando a doença de que é portador cursa na sintomatologia com crise convulsiva. Podemos citar ainda os doentes psiquiátricos (esquizofrenia); portadores de afecções esofágicas com presença de tumores, estenoses e acalasias; profissionais que se exibem com finalidade lucrativa para sobreviver; etilistas no período de embriaguez; alguns tipos de infratores da lei, a exemplos de prisioneiros e traficantes de droga (cocaína).
A predominância do tipo de paciente é variável de serviço para serviço. Em estudos realizados por Blair, e Neustaber, os acidentes com corpo estranho no aparelho digestivo alto apresentam predominância em crianças, em um percentual entre 60 a 80 % dos casos. Entretanto, quanto a sua natureza, os objetos metálicos e plásticos predominam em crianças; ossos e pedaços de carne em adultos.
A moeda é o corpo estranho mais comum encontrado em crianças. Quando maiores de 02 cm tendem a impactar no esôfago cervical, cujo diagnóstico é fácil pelos seguintes motivos. Pela historia referida pela criança ou por seus familiares; por ser radiopaca, o que a torna facilmente identificada pelo raio x simples. Quando de menor diâmetro, geralmente progride em todo o transito digestivo, sendo eliminada por via anal.
Com a evolução dos equipamentos eletrônicos e sua miniaturização, incluindo os de uso auditivo, as baterias ressurgem não só como causa de corpo estranho em adultos como também em crianças. Isto pela facilidade do manuseio constante de brinquedos e ela diminuição do seu tamanho. Assim, a incidência de ingestão desse tipo de objeto passa a ser maior nas crianças.
Quando se registra sua presença no esôfago, trata-se de uma emergência pela gravidade que seus componentes podem provocar (dióxido de manganês, óxido de mercúrio, óxido de prata, oxido de lítio e zinco), causando corrosão direta, queimadura elétrica e necrose dos tecidos, seja pela liberação dessas substancias ou por pressão sobre o órgão. As baterias usadas em aparelhos auditivos e em alguns componentes eletrônicos, por serem arredondadas e achatadas, com diâmetros menores, aderem à mucosa, dificultando sua remoção.
A cocaína é a droga mais referida, geralmente embalada em pacotes plásticos ou em preservativos. Caso ocorre de impactar no esôfago, independentemente do tempo em que foi ingerida, não é aconselhável nenhum método de remoção por via endoscópica, pois as manobras efetuadas com os acessórios podem levar a ruptura da embalagem e causar a overdose. A retirada nesses casos tem de ser via cirúrgica.
A endoscopia digestiva alta com aparelho flexível ou com tubo rígido são as formas mais adequadas de retirada da maioria destes tipos de corpo estranho. Cada caso deverá ser avaliado em particular analisando-se as peculiaridades do corpo estranho, a clínica apresentada pelo paciente, o tempo de jejum e as condições de assistência devidas.
* O autor é especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.