Amar parece universal, mas só quando um homem se apaixona por uma mulher ou vice-versa. E isso independe do que um sente pelo outro, do tempo que ficaram juntos e dos filhos que nasceram. Mas, e quando o amor parece torto, pelo menos para a maioria de nós?
Não é verdade que uma mãe não saiba que um filho morra de amores por outro menino. Por mais ingênua, por mais avoada, por mais culpada, por mais tudo, pelo tempo. Pai e mãe. E insistem, porque querem, em indelicadezas, silêncios e invisíveis.
Duas histórias:
Leia mais:1. As portas e as janelas
O filho de uma mãe do Belo Horizonte namorava o filho de outra lá do final da Boa Esperança. Beijos, barbas, juras, suspiros e chocolates. Tudo às claras da porta da casa pra rua. Um com mais de 30 e o outro com menos de 25. O relacionamento parecia que iria ser para sempre.
Depois de idas e vindas, insistências para morarem juntos, bateram-se feio. Muros, chutes, roxos e pragas de nunca mais se encostarem. O mais velho não deixaria a casa da mãe. Ponto. Desculpas, morangos mofados e muita birra por trás da justificativa. O moço não desejava mais ser apresentado à família do namorado como o amigo de todas as horas e olhares de soslaios. Encheu-se. E pronto!
Ainda apaixonado, revoltado com o fim, embebedado, o maduro foi à vila de kitnets onde dormia o então. E não lhe trouxe pipocas como de costume. Esmurrou a porta, esfaqueou as janelas, rebentou as dobradiças, derrubou possibilidades. Um papelão feio para dois barbudos.
Foi-se embora e, ainda tonto, choramingou vergonhas e arrependimentos à mãe. Fiz isso e fiz aquilo. E mais, quando me ia indo de lá, arranquei todas as roseiras que plantamos. Vermelhas, brancas, alaranjadas. Espetei as mãos e depois joguei tudo no lixo.
A mãe escutou calada. Silente como sempre. Deixou amanhecer e cedo, ao lado de um carpinteiro, foi à casa do melhor amigo do filho. Trocou a porta destruída e abriu outras janelas. Pediu desculpas pelo desatino da cria e desejou que fossem felizes do jeito que tinham vindo. Mas, para saudades dela, não se reencontraram mais. E assim foi o destino dos amores contrariados.
2. As borboletas
A espontaneidade da menina corou a mãe. Não esperava pela repentina felicidade da miúda quando avistou a amiguinha descer do transporte escolar. Berrou para todo o pátio ouvir que era apaixonada por ela e ia lhe pedir em casamento. Casamento?
A mãe, mesmo desconcertada, achou aquilo puro. Sim, havia sentimento sincero. Mas não soube se entender e tonteou. Em casa, a menina insistiu na felicidade. Queria se casar com a fulana, ter filhos e nunca se separar dela.
Tinham sete anos, seria a inocência.
Não era bem assim. Respondeu aos argumentos cambaleantes da mãe jurando que amava a amiga. A senhora não me contou que se casou com meu pai por isso? O que é que tem eu gostar dela? A pergunta foi levantada e só houve silêncio e engolida seca de pomo de adão.
Nos aniversários, o primeiro pedaço de bolo era pra amiga. Se passasse uma semana sem vê-la, uma gripe com tontura, pedia à mãe fossem deixar biscoitos recheados e suco de maracujá. A menina gostava da outra menina e só via borboletas. As duas moravam na Nova Marabá.
Pai e mãe conversaram entre pausas e dias. Foi difícil começar, arranjar palavras, desacostumá-las. Por fim, ele escreveu na porta da geladeira: “Minha filha se casa com quem ela desejar e for correspondida. Feliz com quem ela gostar. As borboletas são dela”. (Ulisses Pompeu)
* O autor é jornalista há 24 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira