A ideia era romper com o passado. E transformar tudo em novidade. Aquele país de 14,9 milhões de habitantes (veja a estimativa do IBGE sobre a população do país ao longo dos anos), rural, de economia cafeeira, tinha deixado, no papel, de ser escravagista em 1888. No ano seguinte, o imperador Pedro II foi deposto e proclamada a República. A nova forma de poder necessitava de uma organização com novos olhares, novas leis, uma constituição.
Com a instalação de uma Assembleia Nacional (em 15 de novembro de 1890, um ano após a Proclamação da República), os constituintes (205 deputados e 63 senadores) passaram a trabalhar e promulgaram em 24 de fevereiro de 1891 a primeira Carta Magna da era republicana, conhecida como a primeira Constituição da República e a segunda desde a independência de Portugal . “Nós, os Representantes do Povo Brazileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regimen livre e democratico, estabelecemos, decretamos e promulgamos (…)” (leia aqui a Constituição).
Segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, o texto de 37 páginas, de viés liberal, trouxe contribuições para o país, como a instituição de um Estado laico com o afastamento do poder público em relação à Igreja e a vigência de direitos legais, como a ampliação do número de pessoas aptas a votar e a validade do habeas corpus. Por outro lado, não abrangeu conquistas sociais coletivas e deixou de abordar a situação de grupos, como os ex-escravizados negros.
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Segundo o historiador Frederico Tomé, a maior novidade daquela nova constituição – que foi produzida em menos de 100 dias – foi a adoção do federalismo, o que garantia maior autonomia aos estados, em contraposição à centralização anterior do Império. “O Brasil vivia uma disparidade muito grande entre o progresso e a tradição e disparidades regionais. A constituição inspirada na carta dos Estados Unidos não foi adaptada completamente à realidade brasileira. Os estados, por exemplo, ficavam com os impostos das exportações, enquanto que a União, com as importações”, afirma. A inspiração no conjunto de lei que rege a sociedade norte-americana era tamanha que a constituição trazia o nome de “Estados Unidos do Brazil”.
Este modelo tributário acabava gerando mais benefícios para São Paulo, por exemplo, que tinha maior potencial de venda do café para outros países. Os estados passaram a ter ainda a possibilidade da organização das municipalidades, o que são hoje as prefeituras. Antes, a atribuição era da União. Ele explica que a figura dos governadores passa a ser potencializada e intermediava as relações das cidades com o poder central.
O advogado (e constituinte de 1988) Aldo Arantes também vê como um mérito que a nova constituição definisse independência de poderes e a separação entre igreja e Estado (pelo texto, o catolicismo perdeu o status de religião oficial). Um dado relevante foi a declaração expressa sobre uma nova forma de condução do Estado.
“[A constituição] Assegura a inviolabilidade dos direitos e não admite privilégios, e também valida o casamento civil. A carta ainda defende a liberdade de imprensa. Foi abolida a pena de morte e passa a existir a garantia do habeas corpus, como direito legal. Acabou o voto censitário. Essa constituição liberal incorporou princípios dos direitos civis. Os direitos sociais foram abordados apenas no século 20”. Não podiam votar analfabetos e mendigos, por exemplo.
Com o fim do Poder Moderador, que era conferido ao imperador e considerado até então “a chave de toda a organização política do Brasil” (para saber quais as prerrogativas do Poder Moderador, leia o artigo 101 da Constituição de 1824), a República passou a ter repartição de poderes. Para o advogado constitucionalista Nabor Bulhões, a carta promulgada em 1891 lançou bases para uma estrutura democrática que garante que um poder não se torne maior do que o outro. “A Constituição acaba levando uma prática governamental mais democrática”. E um avanço, para ele, foi a instituição do sistema de freios e contrapesos, com delimitação do espaço de atuação de cada um dos poderes. Este sistema começou a vigorar desde a época que passou a ser chamada de “Primeira República” do país até os dias de hoje.
Rui Barbosa e a Constituição
Nabor Bulhões entende que a Constituição de 1891 viabilizou-se a partir da capacidade de produção de um constituinte em especial: Rui Barbosa – escritor, advogado e político (1849-1923). “Ele foi um dos grandes responsáveis pelo texto e tinha grande conhecimento sobre a realidade do Brasil e dos Estados Unidos”.
Para Aldo Arantes, Rui Barbosa ajudou a incorporar os direitos de primeira geração que foram muito importantes para a consolidação de garantias individuais. Os especialistas entendem que os avanços de direitos conquistados no final do século 19, mesmo com os silenciamentos diante de necessidades sociais, deixaram marcas e mudaram a história para que, quase um século depois, o Brasil tenha uma constituição focada na cidadania, como é de 1988.
“A base do nosso regime, a sua única base, é a democracia. Na administração dos nossos interesses políticos, a soberania do povo é o alfa e o ômega, o princípio e o fim”, escreveu Rui Barbosa para defender a República e entrar para a história. (Agência Brasil)