Correio de Carajás

VIOLÊNCIA E MAUS-TRATOS IV

O reconhecimento das situações de violência é, muitas vezes, difícil e requer atenção multiprofissional. A notificação de casos suspeitos de violência é direito da criança ou adolescente e dever do profissional de saúde.

Questões policiais e judiciais devem ser abordadas após o atendimento das necessidades médicas da vítima, tipo exame físico, procedimentos indicados para o caso e respectiva conduta.

A recusa infundada do atendimento médico caracteriza ética e legalmente imperícia e omissão de socorro, com todas as suas consequências. Nesse caso, de acordo com o Código Penal, o médico pode ser responsabilizado civil e criminalmente pelos danos físicos e mentais, ou eventual morte do paciente.

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Durante a consulta, o profissional deve anotar tudo o que for dito, deixando claro quando a fala for da criança, do adolescente, de sua família ou de outra pessoa. É importante que a anotação dos dados seja a mais fiel possível, relatando exatamente a fala do entrevistado, evitando traduzir tecnicamente ou sintetizar o que foi dito.

A história e o exame físico devem ser descritos com cuidado e registrados no prontuário, que precisa ter informações claras, estar assinado e carimbado. O prontuário completo é importante para proteção profissional e também fornece subsídios para elaborar laudo indireto de exame de corpo de delito.

É muito importante a institucionalização do atendimento, que ajuda a esclarecer situações contraditórias e protege o profissional. A complexidade das situações de violência demanda atenção multiprofissional.

Além disso, a dinâmica das famílias abusivas tende a contaminar o atendimento, sendo frequentes a confusão de papéis e as tentativas de manter a situação em segredo, que repercutem, especialmente, em profissionais que atuam de forma isolada. Dessa forma, sempre que possível, o médico deve envolver outros profissionais da equipe de saúde, decidindo, em conjunto, a melhor forma de intervenção e encaminhamento, sem preconceitos.

A violência deve ser vista como problema familiar e social, e não apenas relacionado à vítima e ao agressor. Os casos agudos de violência sexual, quando acompanhados de violência física ou lacerações genitais, devem ser atendidos com a urgência requerida nas situações de traumas graves, com atenção especial para as condições hemodinâmicas. Além disso, o atendimento de urgência inclui a prevenção de DSTs e, no caso de mulheres, a contracepção de urgência.

Doenças como gonorreia, sífilis, clamidíase e tricomoníase, entre outras, podem ser evitadas com medicamentos de reconhecida eficácia, se administrados nas primeiras 72 horas da agressão. Pacientes que não foram vacinados contra a hepatite B ou têm situação vacinal desconhecida devem receber imunoglobulina específica (imunização passiva), além da imunização ativa.

Infelizmente, para doenças virais, como hepatite C, HPV e herpes genital, não há, atualmente, agentes profiláticos eficazes. A prevenção da infecção pelo HIV/Aids, apesar de necessitar de novos estudos, tem sido realizada com antirretrovirais, à semelhança do atendimento ao acidente ocupacional para trabalhadores de saúde.

Quando indicada (casos de penetração anal ou vaginal e levando em conta o status sorológico do agressor, quando conhecido), deve ser iniciada, no máximo, 72 horas após a exposição e mantida por período de 28 dias. A contracepção de emergência é um direito da vítima e está normatizada pelo Ministério da Saúde.

Todos os casos, agudos ou crônicos, devem ser submetidos a rastreamento sorológico periódico por pelo menos seis meses. Pacientes com gestações decorrentes do abuso devem ter garantido o acesso a serviços que ofereçam o aborto legal.

Os acompanhamentos psicoterapêutico, psiquiátrico e de serviço social, destinados à vítima, ao agressor e à família também são fundamentais. O atendimento deve ser multidisciplinar e com respaldo institucional, para proteger os membros da equipe e atuar em rede com outras instituições.

* O autor é médico especialista em cirurgia geral e saúde digestiva.     

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.