Há um ano, a cidade de Barcarena, no nordeste do Pará, enfrentava mais um acidente ambiental. O despejo de rejeitos tóxicos da refinaria Hydro Alunorte, da norueguesa Norsk Hydro, atingiu comunidades e rios. O caso veio à tona no dia 17 de fevereiro de 2018 e ganhou repercussão internacional. O episódio culminou no depósito de R$150 milhões pago pela Hydro Alunorte. A refinaria, que também concordou em investir R$ 250 milhões em Barcarena, além de pagar R$33 milhões em multas, continua negando envolvimento com os altos índices de poluição da área.
A Hydro já admitiu que fez “liberação controlada” de efluentes no Rio Pará, inclusive no dia 17 de fevereiro e disse que havia avisado o Governo do Estado. O presidente e CEO da Hydro, Svein Richard Brandtzæg, assumiu o descarte de água não tratada.
Por nota, a empresa defende que “não houve contaminação ou dano ambiental causado pelo descarte de água da chuva realizado pela Alunorte e que as áreas de depósito de resíduos sólidos possuem sistemas de gestão de efluentes”. As pessoas expostas a metais pesados dizem que sequer sabem a dimensão da contaminação e que convivem com a falta de respostas.
Leia mais:Cerca de 315 amostras de sangue e cabelo foram coletadas nas comunidades de Jardim Cabano, Burajuba, Vila do Conde, Vila Nova, Itupanema, Bom Futuro e Murucupi, em Barcarena, de acordo com a Secretaria de Saúde Pública do Estado (Sespa). Até então, não há previsão de entrega dos resultados aos pacientes.
Os exames, feitos pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen), poderiam comprovar se houve contaminação dentro do organismo das vítimas e foram entregues à prefeitura de Barcarena.
A Secretaria Municipal de Saúde de Barcarena informou que começou a receber as análises de sangue e cabelo em novembro e que elas estão passando por processo de tabulação e análise pela equipe da Vigilância Epidemiológica Municipal. A secretaria disse ainda que está buscando médico toxicologista para entrega dos resultados.
Na comunidade do Burajuba, uma das afetadas, a dona de casa Ludmila Machado disse que fez os exames de sangue e cabelo junto com os quatro filhos, que têm de nove a dezesseis anos. “A gente sabe que é irreversível, mas queremos saber quanto tempo temos de vida, se ainda tem tratamento, até quando meu cabelo vai continuar caindo”, afirmou.
Além dos indícios de contaminação, os moradores dizem que a atividade pesqueira foi prejudicada e as famílias enfrentam problemas com as atividades agroextrativistas, uma das principais fontes de renda na região, já que a água está imprópria para uso e consumo, além da falta de saneamento básico e atendimento médico. “Estamos todos doentes, sem médico, sem remédios, as crianças estão com uma anemia forte. Ainda por cima não tem emprego. Parece que quanto mais o tempo passa, mais um empurra essa bomba para a mão do outro e nada se resolve”, contou.
Na casa de Sandra Amorim, da comunidade São João, nove pessoas incluindo crianças, jovens e adultos, também deram amostras de sangue. “Estamos com medo porque não recebemos nada desses exames há mais de seis meses. Queremos justiça porque esse é o nosso direito”, afirmou.
Mesmo diante deste cenário de incertezas e carências da população, a Hydro está prestes a voltar a operar a pleno vapor. No último mês de janeiro, o Governo do Estado afirmou que a refinaria está apta a retomar 100% das operações no Pará. Atualmente, ela opera com 50% da capacidade tanto na refinaria em Barcarena quanto na mineradora em Paragominas, por uma determinação da Justiça ainda em fevereiro de 2018.
Multas
Um ano após os despejos, a Hydro já pagou um total de R$ 33.370.498,00 em multas, ao assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e um Termo de Compromisso (TC), junto ao Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público (MPPA) e o Governo do Estado. O TAC pede garantia financeira de R$ 250 milhões para assegurar o cumprimento dos termos.
De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), os R$33 milhões correspondem a onze multas, sendo nove delas autuações pelo incidente de fevereiro. A quantia, segundo a Semas, deve ser utilizada de acordo com o que for definido por um colegiado, como prevê o TAC.
O dinheiro foi destinado ao Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fema), que financia um cronograma de ações de reparação previsto pelo TAC a fim de atender as famílias afetadas. Entre as ações da empresa estão a entrega de garrafões de água mineral e um ticket para compra de alimentação no valor de R$ 670. Durante audiência pública na última sexta (15), foi anunciado que mais famílias devem ser incluídas no programa de reparação.
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também aplicou multas de R$ 20 milhões, sendo R$ 10 milhões por “realizar atividade potencialmente poluidora sem licença válida da autoridade ambiental competente” e R$ 10 milhões por “operar tubulação de drenagem também sem licença”.
A multa aplicada pelo Ibama não foi paga até o momento, segundo o órgão.
A Hydro diz que “várias investigações e inspeções foram realizadas confirmando que não ocorreram vazamentos ou transbordamento”, isto incluindo avaliações do Ibama.
Já o Ibama informou que vistorias realizadas nos dias 27 e 28 de fevereiro em conjunto com pesquisadores do Instituto Evandro Chagas (IEC) mostraram “indícios de transbordamentos e lançamentos de efluentes não tratados” na região apontando alterações nas águas superficiais e impactaram diretamente na comunidade Bom Futuro. Ainda de acordo com o documento, “as águas apresentaram níveis elevados de alumínio e outras variáveis associadas aos efluentes gerados pela Hydro Alunorte”.
A empresa informou que monitora e analisa continuamente os efluentes tratados, para garantir qualidade e a conformidade com os parâmetros legais.
Relatórios técnicos apontam riscos; estudos apresentados pela Hydro mostram o contrário
Os estudos técnicos divulgados pelo IEC e pelo Laboratório de Química Analítica e Ambiental (Laquanam), da Universidade Federal do Pará (UFPA), indicam que há uma alta exposição do meio ambiente e das pessoas nos entornos do Complexo Industrial de Barcarena, onde a refinaria da Hydro está inserida.
Já a refinaria apresentou parecer feito pela empresa de consultoriaSGW Services, contratada pelo valor de R$195 mil, que apontou que não foram detectados metais tóxicos nas águas de Barcarena. Os estudos foram comparados durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), formada na Assembleia Legislativa do Estado (Alepa). A acareação foi realizada em junho de 2018.
Atualmente, a Hydro alega que “despejou água da chuva parcialmente tratada da refinaria no rio Pará, como medida excepcional em uma emergência”. A empresa informou, em nota, que um estudo feito por professores da Universidade Federal de Campina Grande mostra que não houve transbordamento das áreas de depósito, atestando que a liberação do excesso de água da chuva para o rio Pará por meio do “Canal Velho” foi a decisão mais apropriada diante das circunstâncias de chuvas extremas de fevereiro de 2018.
No entanto, os estudos do Laquanam divulgados em abril de 2018 identificaram a presença de elementos cancerígenos, como chumbo, cromo e níquel, em fios de cabelos analisados de 100 pessoas. Ou seja, o resultado indica que o material tóxico está sendo expelido pelo corpo, de acordo com a professora Simone Pereira, responsável pelo relatório.
As pesquisas, segundo Pereira, mostram que os metais já estão no ecossistema, chegando às pessoas e fechando um ciclo de contaminação. “O que foi feito desde 2007 é um trabalho árduo. Um projeto leva de três a quatro meses só para elaboração, sem contar as idas a campo, tempo de análise, tudo isso toma de dois a três anos. A universidade não pode aceitar que esse trabalho não sirva para nada e não possa mudar a realidade daquelas pessoas”, comentou.
Sobre as diferenças entre os resultados encontrados pela Hydro, a professora explicou que as empresas são obrigadas a apresentar relatórios ao Governo do Estado e também que embora digam que os efluentes são tratados, só é feita a correção de pH e redução de turbidez, que é a retirada de impurezas. “Essas consultorias pagas mostram os metais todos abaixo do limite, pelo menos nos relatórios que tive acesso. A Semas não tem como saber qual é o valor da concentração do chumbo no efluente, por exemplo, ninguém sabe”, afirmou.
No entanto, a Alunorte informou que realiza o monitoramento de metais pesados conforme a resolução do CONAMA 430, que estabelece limites de descarga. Segundo a empresa, todos os resultados, estão abaixo dos limites legais e todos dados são reportados à Semas.
Já nos rios e igarapés de Barcarena, a degradação foi comprovada por estudos do IEC, coordenado pelo pesquisador Marcelo Lima, demonstrando que operações irregulares da refinaria causando alastramento de resíduos nas águas de Barcarena, que atinge igarapés e fluxos do Rio Pará. O professor é processado pela Hydro por calúnia e difamação, por declarações à imprensa, quando da divulgação dos laudos. O MPF recomendou a Justiça a não acatar a denúncia. Segundo o IEC, o pesquisador agiu de acordo com suas atribuições enquanto servidor.
Um outro laudo, também emitido pelo IEC e divulgado em primeira mão pelo G1, aponta que elementos encontrados em Barcarena têm origem da mineradora da Hydro em Paragominas, onde a companhia extrai bauxita. As cidades ficam a 280 quilômetros de distância, interligadas por um mineroduto de 244 km. O documento recomenda o controle constante dos metais, liberados com a extração de bauxita, já que ambas as licenças, “tanto em Paragominas quanto Barcarena, não constam necessidade de monitoramento”, de acordo com o dr. Marcelo Lima, responsável pelo Setor de Meio Ambiente do IEC.
Para o pesquisador, o instituto cumpriu o papel de emitir um alerta que pode contribuir para melhorar processos industriais no estado. “Mostramos os impactos que já estavam começando a ocorrer no meio ambiente. Descobrimos vários despejos de efluentes não tratados e isso serviu muito para mostrar todo o risco em torno daquilo tudo”, afirmou.
Segundo Marcelo, o IEC já tem atuação com estudos em Barcarena desde 2001, desenvolvendo pesquisas, algumas delas até de forma independente, para investigar os impactos de lançamentos de efluentes em rios e igarapés. Ele adianta que um novo estudo está sendo preparado para mostrar impactos da indústria no rio Tauá. “Temos todo um estudo na região, acompanhando diversos casos e os seus impactos, mas ainda ninguém fala sobre recuperar o ambiente”, explica. Para ele, é preciso que o Estado e órgãos ambientais possam ter mais acesso às informações de dentro das indústrias, para que possa fiscalizar com mais eficiência.
Tanto a professora Simone Pereira quanto o pesquisador Marcelo Lima dizem ainda não se sabe como a contaminação atinge e entra no organismo das pessoas; nem a rota de exposição, que é o percurso dos metais despejados pelas indústrias.
Os pesquisadores foram convocados pelo juiz Raimundo Santana, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Belém, para uma audiência de justificação prévia, marcada para o próximo dia 21. A audiência será um meio para o juiz analisar uma nova ação que pede a suspensão das licenças concedidas pela Semas às três empresas da Norsk Hydro, em Paragominas e Barcarena – a Mineração Paragominas, Alunorte e Albrás. Além das três empresas, o Estado, representado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semas), são alvos da ação da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama). A ação pede:
- Suspensão cautelar das licenças, assim como renovação e prorrogações, e licenciamentos; concedidos à Mineração Paragominas, à Albrás Alumínio Brasileiro SA; e à Alunorte Alumina do Norte do Brasil SA;
- Estabelecer como condição para atividades de exploração da mina em Paragominas;
- Financiamento de pesquisas científicas e a destinação adequada dos resíduos da mineração;
- Suspensão das certificações concedidas às empresas da Hydro;
- Condenação de certificadora por danos morais coletivos.
Em nota, a Hydro disse que todos os relatórios têm caráter independente e que nunca teve qualquer influência sobre o resultado dos relatórios finais. “Estes relatórios estão em linha inclusive com o que também foi verificado por órgãos municipais, estaduais e federais”, disse. A empresa afirmou ainda que as entidades e especialistas que as desenvolveram são reconhecidos pela expertise no mercado e os contratos seguiram rigorosas regras.
Sobre a nova ação na Justiça, a nota informou que representantes da Hydro, Alunorte, Albras e Mineração Paragominas devem comparecer na audiência. As empresas disseram que a ação é “idêntica à ajuizada pela associação na Vara Federal de Paragominas e, diante disso, o processo deve ser extinto pela existência de litispendência, dentre outros argumentos que serão apresentados na defesa”.
Sobre questionamentos a respeito dos licenciamentos ambientais, a Semas disse que exige das empresas que seja apresentado o relatório de monitoramento e que o laboratório seja acreditado, conforme estabelece as resoluções que tratam do assunto. A secretaria afirmou que atua na prevenção e no controle de contaminação, analisando relatórios de automonitoramento apresentados pelas empresas e que, em relação aos parâmetros analisados e apresentados para análises, considera que as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) não estabelecem limites máximos para determinados parâmetros.
(Fonte:G1)