A Ucrânia utilizou nesta terça-feira (19) pela primeira vez os mísseis ATACMS, os artefatos de longo alcance cedidos pelos Estados Unidos, em um ataque ao território russo, de acordo com a imprensa estatal da Rússia.
Moscou considera o uso desses mísseis como uma ingerência direta dos EUA na guerra e prometeu “uma nova fase do conflito”. A Rússia, maior potência nuclear do mundo, flexibilizou nesta terça seus parâmetros para o uso armas nucleares (leia mais abaixo) e prometeu retaliação.
Em um comunicado divulgado pelos sites russos, o Ministério da Defesa russo afirmou que Kiev lançou seis mísseis ATACMS em direção a Bryansk, região no sudoeste da Rússia e perto da fronteira com a Ucrânia, durante a madrugada.
Leia mais:Ainda segundo o ministério, cinco mísseis foram interceptados e o sexto, parcialmente destruído. Apenas alguns destroços de um dos artefatos caiu perto de uma área do Exército, causando um incêndio sem danos estruturais.
Também não houve vítimas, completou a pasta.
O governo ucraniano não havia se manifestado sobre o caso até a última atualização desta reportagem, mas é praxe de Kiev não se pronunciar em acusações de ataques em território russo.
Em entrevista coletiva no Rio de Janeiro, onde foi para participar da cúpula do G20, o chanceler russo, Sergei Lavrov, disse que o ataque “é um sinal que o Ocidente busca uma escalada na guerra”.
1.000 dias
Também nesta terça-feira (19), a guerra da Ucrânia completou 1.000 dias sem nenhuma perspectiva de fim — não há negociações de paz em andamento, e a situação no front de guerra está estancada. Atualmente, militares russos controlam cerca de 20% do território ucraniano, mas não conseguem avançar.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, lançou recentemente um plano para expulsar de vez as tropas russas, mas não deixou claro como vai implementá-lo.
Nova doutrina para armas nucleares
Mais cedo, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto flexibilizando o uso de armas nucleares por parte de seu Exército. A medida atualiza a doutrina russa que específica momentos em que seria autorizado o uso de armas nucleares.
Com a atualização, a Rússia agora considerará fazer um ataque nuclear se seu território ou de Belarus, país aliado, enfrentem uma agressão “com o uso de armas convencionais que crie uma ameaça crítica à sua soberania e (ou) à sua integridade territorial”, segundo o texto.
A doutrina anterior, estabelecida em um decreto de 2020, dizia que a Rússia poderia usar armas nucleares no caso de um ataque nuclear por um inimigo ou um ataque convencional que ameaçasse a existência do Estado.
Segundo um Kremlin, foi uma “resposta necessária” diante de novas ameaças do Ocidente.
No domingo (17), o presidente dos EUA, Joe Biden, autorizou a Ucrânia a utilizar mísseis de longo alcance ATACMS, fornecidos pelos americanos, para atacar o território da Rússia, revelou no jornal americano “The New York Times” no domingo (17).
A liberação do uso dos mísseis americanos pela Ucrânia ocorre como reação ao envio de tropas norte-coreanas para lutarem na guerra na Ucrânia ao lado dos russos, e marca uma mudança de posição de Biden sobre o tema, dois meses antes de que ele deixe a presidência dos EUA — desde o início da guerra, Washington vinha resistindo autorizar o uso de mísseis para evitar escalada no conflito.
▶️ O que são os mísseis ATACMS? A sigla ATACMS significa Army Tactical Missile Systems (em português, Sistemas de Mísseis Táticos do Exército dos EUA).
Os ATACMS são considerados um armamento avançado e permitem ataques com precisão a uma distância de até 300 km.
Por outro lado, a Rússia tem o mais vasto arsenal de mísseis do mundo — segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) —, como o 9k720 Iskander, que se assemelha às capacidades do ATACMS.
Veja a comparação entre os dois mísseis no infográfico abaixo:
Apesar do ATACMS ser considerado um míssil de longo alcance pelo governo dos EUA e pelo fabricante, Lockheed Martin, outros parâmetros, como o da enciclopédia Britannica e do CSIS o considerarem de curto alcance (até 480 km de distância).
De acordo com levantamento do CSIS, a Rússia tem ao menos tipos de 24 mísseis em seu arsenal, que variam entre mísseis de curto alcance, como o Iskander, até mísseis de cruzeiro e intercontinentais (alcance maior que 5.300 km).
Escalada do conflito
Até agora, a Ucrânia estava vetada de utilizar mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA. O disparo de mísseis de longo alcance fornecidos pelos EUA contra a Rússia era um tabu, porque o presidente russo, Vladimir Putin, considera que isso muda o caráter do conflito e havia prometido represálias. Entre as ameaças que fez ao Ocidente, Putin disse que realizaria testes nucleares.
Biden mudou de posição a menos de dois meses de deixar a Casa Branca. Em janeiro, o republicano Donald Trump assume a presidência americana, e não se sabe se ele manterá o apoio à Ucrânia no conflito.
Com essa nova fase da guerra, os EUA começaram a levantar algumas restrições, deixando apenas a dos mísseis de longo alcance. Já países da Europa reforçaram os pacotes de ajuda financeira e o presidente da França, Emmanual Macron, chegou até a considerar enviar tropas francesas para a Ucrânia, e foi ameaçado por Putin.
▶️ Por que isso é importante? Os russos afirmam que uma linha vermelha seria ultrapassada se mísseis ocidentais fossem usados em seu território.
Os Estados Unidos e outros membros da OTAN –enquanto apoiam a Ucrânia com armas, treinamento e ajuda financeira– estão tentando evitar um confronto direto com a Rússia.
Por isso, a decisão de retirar a proibição do uso dos mísseis americanos de longo alcance é uma grande mudança na postura de Biden, que se manteve cauteloso sobre esse assunto durante seu governo. A permissão ocorre também após a vitória de Trump nas eleições dos EUA.
A agência de notícias Tass noticiou que parlamentares russos consideram a permissão para que a Ucrânia ataque dentro da Rússia com mísseis dos EUA um passo sem precedentes, que pode levar a uma terceira guerra mundial. A nota afirma, ainda, que a resposta será imediata.
A Rússia e a Coreia do Norte estreitaram relações –diplomáticas e militares–, o que levou ao posicionamento de tropas norte-coreanas para lutarem na Ucrânia ao lado das russas. Diante disso, o Pentágono já havia dito que não haveria restrição de armas que a Ucrânia poderia utilizar.
Segundo as autoridades americanas ouvidas pelo “The New York Times”, o temor de que Putin suba ainda mais o tom por conta da autorização do uso de mísseis americanos pela Ucrânia ainda existe, mas foi superado pela urgência do atual cenário da guerra.
Ucrânia e Rússia estão em guerra desde fevereiro de 2022, após uma invasão de tropas russas em território ucraniano. O avanço russo continua: na última semana de outubro, tropas de Putin fizeram o avanço mais rápido desde o início do conflito. Na Ucrânia, o presidente Zelensky apresentou um “plano da vitória” na guerra contra a Rússia aos EUA e ao Parlamento ucraniano em outubro.
Tropas da Coreia do Norte na guerra da Ucrânia
Em meados de outubro, a agência de inteligência da Coreia do Sul disse ter descoberto o envio de 1.500 tropas norte-coreanas à Rússia. O número foi atualizado e a estimativa dos governos sul-coreano e ucraniano é que entre 10 e 12 mil soldados norte-coreanos sejam enviados até dezembro.
Segundo a Coreia do Sul, cerca de 12 mil soldados norte-coreanos já foram enviados à Rússia em segredo e estão recebendo treinamento em bases militares russas. A inteligência ucraniana disse ainda que cerca de 12 mil soldados da Coreia do Norte já estão na Rússia, e o treinamento das tropas está ocorrendo em cinco bases militares.
Os EUA estimam que o emprego das tropas norte-coreanas na guerra foi concretizado no final de outubro.
O envolvimento da Coreia do Norte na guerra entre Rússia e Ucrânia aumentou o nível de alerta e as tensões com a Coreia do Sul e países do Ocidente membros da Otan. Os EUA, a Holanda e a própria Otan afirmaram terem provas do envio das tropas à Rússia, e consideram uma escalada “muito séria” no conflito. Autoridades de Seul afirmaram que o país avalia fornecer armas à Ucrânia como resposta.
O presidente russo Vladimir Putin disse nesta sexta que “é da nossa conta” se o país utiliza tropas norte-coreanas e pode fazer o que quiser para garantir a segurança da Rússia.
(Fonte:G1)