A arte é capaz de transformar vidas e mudar completamente o futuro de crianças e jovens. E, apesar de tão transformador, deveria ser essencial despertar a sensibilidade e o instinto criativo desse público, seja através da dança, do teatro, da música, do desenho ou do esporte.
E foi pensando nisso, que a Praça da Juventude – administrada pela Fundação Casa da Cultura de Marabá – nasceu em abril de 2019. Com o objetivo de atender a comunidade dos três bairros impactados pela Estrada de Ferro Carajás (Nossa Senhora Aparecida, Araguaia e KM 7), o local disponibiliza aulas de música, teatro, informática, dança, skate, futsal, balé e muito mais.
Atualmente, a Praça da Juventude atende mais de 800 alunos matriculados nas mais diversas modalidades esportivas e culturais, permitindo diferentes possibilidades para o futuro.
Leia mais:Nesta segunda-feira, 19 de setembro, é comemorado o Dia Nacional do Teatro. E é por causa dessas diferentes possibilidades que são ofertadas pela sétima arte, que o Correio de Carajás acompanhou uma aula do Curso de Teatro, disponibilizado gratuitamente para 35 crianças que vivem em bairros de alta vulnerabilidade social de Marabá, para entender a dinâmica da aula.
Técnico em teatro, o professor Raphael Varão já vai logo explicando que teatro não é apenas decorar um texto e apresentar uma peça. “Eles cumprem módulos. E, logo no primeiro, estudamos o início do teatro, como jogos teatrais e técnicas vocais, por exemplo. O teatro é uma autorreflexão, autoconhecimento e auto percepção para a estética artística do ator e da atriz. E, aqui na Praça, nós formamos atores e atrizes, talvez não com essa finalidade, mas para que sejam pessoas críticas no viés político-social”, enfatiza o professor.
Raphael conta que a maioria dos alunos de teatro da instituição está indo para o terceiro ano consecutivo. Contudo, no início foi preciso quebrar alguns paradigmas, já que muitos tinham medo de falar, dificuldade de se expressar e de serem quem realmente são.
“Quando falavam algo, sempre reiteravam ‘ah, mas isso não é importante’ ou então ‘isso é besteira’. Fui quebrando isso. Apresentei o teatro e disse que aqui não existe certo e errado. O conhecimento é construído por todos. Eles ainda têm essa dificuldade de se auto perceberem. Por isso, deixo eles muito confortáveis, para que possam dar vasão às suas personalidades. Aqui, quero que se sintam confortáveis para serem quem são”, diz Raphael.
Atualmente, a turma está no oitavo módulo e estudando técnicas mais avançadas, como o psicodrama, que é capaz de dar condições para que eles façam uma dramaturgia, por exemplo.
O professor ressalta que a turma não é um grupo de teatro, mas sim, alunos de um curso de teatro. “Ao saírem daqui eles serão capazes de pegar um tema recorrente da nossa sociedade, por exemplo, e montar uma peça. Meu objetivo é habilitá-los ao teatro, de modo que possam fazer uma peça teatral ou uma performance. Por isso eles estudam em módulos”, justifica.
Ao Correio, o professor teatral se emocionou ao falar dos alunos. Para ele, fazer parte desse incentivo cultural, totalmente gratuito, é extremamente prazeroso. “Fico felicíssimo. Eles têm uma receptividade muito boa. São sensíveis e reflexivos em torno das atividades que são propostas aqui”, resume Raphael.
“O teatro me ajudou muito”
Morador do KM 7, o estudante do primeiro ano do ensino médio da Escola Oneide de Souza Tavares, Enzo Brito, de 15 anos, afirma que o teatro contribuiu para que ele pudesse perder a vergonha de falar em público.
“O teatro mudou várias coisas na minha vida, mas principalmente a vergonha. Eu era muito envergonhado e agora reconheço que o teatro pode mudar vidas”, confessa Enzo.
Encantado com essa arte desde pequeno, o aluno acreditava que durante as aulas aprenderia somente o necessário para apresentar uma peça. “Mas o certo é que teatro rompe fronteiras. Trabalha sobre política, gênero e mostra propostas de como quebrar essa barreira, porque o teatro move montanhas, ajuda os alunos a romperem a timidez e me inspira cada vez mais”, finaliza.
“Quero ser atriz”
Aos 13 anos, Letícia Santos parece já ter se decidido sobre o futuro profissional. A estudante do oitavo ano da Escola Inácio de Sousa Moita é enfática ao dizer que quer ser atriz. “O teatro me trouxe para esse mundo. Quero ser atriz e levar essa profissão pra minha vida”, posiciona-se.
A moradora do KM 7 já cursa teatro desde 2021, e afirma que desde então passa por um processo de mudança por conta das aulas. “Fiquei sabendo das aulas pela minha mãe. Ela me incentivou porque eu era muito tímida. Ano passado, nesse mesmo dia, não ia conseguir falar aqui. Era muito tímida. Já fazia o curso de teatro, mas não falava nada aqui na sala”, relembra.
Letícia ressalta que muitas pessoas ainda pensam que teatro é apenas uma brincadeira. Contudo, com as técnicas e as aulas ela tem conseguido se superar. “O teatro está em todos os lugares que você possa imaginar. O professor Raphael me incentiva muito. Me inspira. Nas aulas eu consigo chorar, consigo tirar toda aquela energia de mim e colocar no personagem”, finaliza.
Dia Nacional do Teatro
O dia 19 de setembro é destinado a homenagear uma das manifestações artísticas mais antigas da humanidade. A primeira forma de teatro surgiu no Oriente e era relacionada com rituais religiosos. Contudo, o teatro como forma de arte surgiu na Grécia Antiga e era realizado ao ar livre. A manifestação foi evoluindo ao longo da história, passando a ser apresentada também em locais fechados, o que acabou por elitizar seu público, devido aos altos preços dos ingressos, dificultando o acesso das parcelas mais pobres da sociedade.
A data foi escolhida em função da sanção da Lei 13.442/2017, que institui a data como o Dia Nacional do Teatro Acessível: Arte, Prazer e Direitos, tendo por finalidade comemorar e divulgar a cultura por meio de atividades cênicas que utilizem práticas de acessibilidade física e na comunicação. Ou seja, também é um dia propício à reflexão acerca da importância da inclusão de todos aos direitos culturais, afinal a arte possui um valor inexprimível e todos possuem o direito de experimentá-la. (Ana Mangas)