Correio de Carajás

Seja bem-vindo, querido Davi Miguel “Castanheira’

Almocei um peixe assado no último domingo, tomei um açaí – claro, estou sendo esnobando pelo preço que o ouro negro está no momento. E depois, como muita gente, resolvi tirar uma soneca. Demorou pouco mais de 1h30, até que fui acordado pelo diálogo entre mulheres, que chegaram em motocicletas aos poucos,

Eu tinha deixado a porta que dá acesso à sacada do meu quarto completamente aberta, e a conversa chegava aos meus ouvidos muito baixinha, em função da distância de cerca de 50 metros. Elas estavam embaixo de uma castanheira enorme e não entendi os objetos que carregavam. Entre eles eu vislumbrei um urso de pelúcia gigante.

Contei 13 pessoas, que chegaram em motos, entre adultos e crianças. Ainda deitado, comecei a tentar entender o que estava acontecendo ou para acontecer. Enquanto isso, resolvi dividir a atenção com a transmissão da final do Sul-Americano de Vôlei feminino. Como o jogo foi para o quinto set, houve alguns momentos que eu perdia um lance importante porque precisava prestar atenção na vida alheia.

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Só fui entender o que estava acontecendo do outro lado da rua, no Residencial Castanheira, quando um casal se postou à frente da árvore (de costas para mim) e outro mais atrás. E disse comigo mesmo: por que não decifrei o código antes, é um chá revelação.

E era.

Havia ali, também, uma caixa de som que a família e amigos usaram para fazer a contagem regressiva.

Enquanto eu queria saber o sexo do bebê, minha esposa estava preocupada com a possibilidade de um ouriço pesado cair na cabeça de alguma daquelas pessoas. Se fosse da grávida, então…

Preocupações a parte, a contagem regressiva chegou e vibrei com o casal e amigos, mesmo sem conhecer ninguém ali presente. Filmei, fiz foto e até assobiei quando a fumaça azul subiu atrás dos pais do bebê que ainda está na barriga da mamãe.

Ao fundo, ouvi o coro dos expectadores daquela singela festa gritando em uníssono: “seja bem-vindo, Davi Miguel!!”. Nem sei se o nome do garoto vai ser grafado assim, Davi, sem o “D” no final. Coloquei aqui a versão que mais me agrada visualmente.

Também não sei quantos meses faltam para o bebê nascer, mas, em geral, o chá revelação ocorre até o quinto mês de gravidez.

E posso vislumbrar Davi Miguel nascendo e crescendo em tempos de grandes desafios no meio ambiente. Já que seu sexo foi anunciado embaixo de uma castanheira, árvore símbolo da Amazônia e que está no Brasão o município de Marabá, eu o convoco para o time dos defensores da floresta, mas também dela mesma, dona castanheira.

Eu gostaria de ser apresentado, um dia, para esse garoto. Gostaria de mostrar as fotos e vídeos que fiz e explicar pra ele como nossa geração está dizimando os castanhais e a responsabilidade que a geração dele tem de frear esse avanço e cuidar das (poucas) árvores dessa espécie ainda existentes.

Davi Miguel, meu amiguinho, quando você tiver um ano de idade, teremos a COP 30 sendo realizada em Belém, a capital do nosso estado. Mas eu tenho pra mim que não adiantará de muita coisa, que vão pegar muito dinheiro para “investimento”, e os problemas ambientais vão continuar os mesmos.

O desmatamento vai seguir seu rumo, o número de ONGs de defensores vai aumentar, e o trabalhão que eu e você teremos será ainda maior.

Ah, Davi Miguel, espero que você não desista, assim como eu e outros amiguinhos que damos as mãos para salvar as castanheiras, a testemunha silenciosa de seu chá revelação.

 

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.