Correio de Carajás

Sargento é indiciado por homicídio culposo e revolta família de vizinho

Durval Teófilo Filho foi morto após ser confundido com ladrão/ Foto: Acervo familiar

A Polícia Civil do Rio de Janeiro indiciou o sargento da Marinha, Aurélio Alvez Bezerra, por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – após o militar disparar três vezes na direção de Durval Teófilo Filho, de 38 anos, alegando que seria assaltado pelo próprio vizinho, que é negro. Familiares e amigos apontaram racismo no ato do sargento e se revoltaram com o indiciamento.

Em depoimento, o sargento disse que chegava em casa de uma viagem e que ao ver Durval se aproximando do carro, achou que seria um ladrão. Nas imagens das câmeras de segurança, é possível ver que a vítima, que chegava em casa do trabalho, faz um movimento como se fosse pegar algo na mochila e o militar já dispara. Dos três tiros, dois acertaram Durval.

“Está no código penal, no código 20. No parágrafo 1º diz que é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Ele achou que estava reagindo a uma agressão injusta, um assalto, com alguém que supostamente iria sacar uma arma contra ele e tem o somatório das circunstâncias do local, o fato dele ser militar, às vezes o medo de ser reconhecido, e acabou praticando essa reação”, disse, em entrevista ao UOL, o delegado Mário Lamblet.

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Quem assumiu as investigações do caso foi o plantonista. O titular da Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo destacou que o entendimento do policial foi de que o militar achou que estava amparado na legítima defesa.

“Não é a questão da intenção de matar, ele tinha a intenção de se defender de uma reação injusta, ele achou que estava amparado pela legítima defesa. Como aconteceu esse erro, chamado ‘erro do elemento de tipo’, ele, se tiver a previsão culposa, ele responde pelo crime culposo. Isso é o entendimento da autoridade policial, que estava ali no calor dos acontecimentos, que foi ao local. Ele foi encaminhado à uma Audiência de Custódia. A tipificação do delegado, na maioria das vezes, nunca é a tipificação final”, finalizou Lamblet.

Procurada pela reportagem a família de Durval Teófilo disse que tomou conhecimento do indiciamento. Um amigo da vítima, que possui contato direto com os parentes, questionou a decisão da polícia.

“Não tem como alegar legítima defesa contra uma chave. Como ele atira três vezes? Se ele vai puxar uma arma, ele ainda tem que destravar, ele teria tempo de ver. Foi um desequilíbrio”, disse Wallan Oliveira.

A decisão final da Polícia Civil entrou em confronto com o conhecimento do advogado criminalista, Patrick Berriel.

“Nada impede que quando esse inquérito chegar ao conhecimento do Ministério Público, o MP possa dar outra capitulação desse caso. Eu entendo que, na realidade, o agente agiu amparado na chamada legítima defesa putativa [imaginária], ou seja, as circunstâncias do momento levaram a crer que ele estaria em uma situação de risco, mas ele efetuou três disparos. Ele poderia responder pelo excesso, eu entendo que deveria ter um indiciamento por homicídio simples e, aí sim, durante a instrução criminal, durante o procedimento no Judiciário se verificar realmente se essa conduta foi amparada pela legítima defesa putativa”.

Pelas redes sociais, Joel Luiz Costa, advogado e coordenador do Instituto de Defesa da População Negra, comentou sobre o caso e questionou se o caso seria conduzido da mesma forma se tivesse sido ao contrário.

“Se o vizinho atirasse no sargento sob o mesmo pretexto (suspeita de assalto/legítima defesa), receberia o mesmo tratamento do sistema de Justiça? Se a resposta, ainda que no campo da suposição, for não! Não estamos falando do direito nem de debate técnico sobre ele! Quando há nitidamente uma resposta estatal a partir de quem são os envolvidos e não do que aconteceu. O direito está desnudado na nossa frente! E aí, não adianta vir com teoria da escola alemã, espanhola. Aqui a questão está em termos cidadãos ‘de primeira’ e ‘segunda classe’!”.

O enterro do corpo de Durval Teófilo foi marcado para a tarde de hoje, às 16h30, no Cemitério São Miguel, em São Gonçalo. A viúva, Luziane Teófilo, muito abalada, disse à reportagem apenas que ela e a família está passando por um momento muito difícil e que sente muita dor por só ter mais algumas horas com o marido. (UOL)