Correio de Carajás

Rumo ao velório tosco por um abraço, talvez

Não quero morrer sendo um falecido de morte violenta. Ninguém deseja. Ninguém deseja. Nenhum dos milhares de assassinados, que estão na conta da ausência do Governo do Pará e da Prefeitura de Marabá, queria ter sido arrancado dos seus.

Imagino a dor de um amigo. Não, não consigo imaginar. Ter perdido a irmã num latrocínio, num bairro periférico nos fundos do São Félix. Tive de ir lá semana passada, apenas para dar um abraço nele, para tentar ouvir sua dor.

Não é razoável e não se pode acreditar na bobagem de alguns religiosos de que já “está escrito” ou na fantasia do “carma”. Não existe um “plano de Deus” num assassinato.

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Encadeamentos de causas? Pode até ser. Ruas inseguras, bairros periféricos tomados pela escrotidão das facções, políticas públicas de voo de galinha, políticos ineptos e uma elite marabaense velhaca que faz da avareza individual o assassinato de quem não espera ser morto por uma pistola, um fuzil…

E não venham os sórdidos defender que o “cidadão de bem deveria se armar” para se defender. Não. O que poderia inexistir era o bairro, a comunidade, a favela, a ocupação onde tudo é menos e a Cidade é outra na mesma Cidade. Não preciso detalhar.

Fico pensando no rombo dado por Sérgio Machado, aquele ex-presidente da Transpetro, num cofre coletivo. De uma brutalidade o ato. Qual a diferença para a violência produzida por um faccionado?

Imaginem, o punga-confesso concordou “devolver” R$ 70 milhões de uma parte milionária do que ele havia tungado. Ele e outros.

Imaginem o quanto deixou de ir para uma periferia onde a fossa estourada é uma constante no quintal; onde a escola não é atraente; onde o estupro traumatiza e mata crianças; onde o ônibus é um sufoco e quase não aparece; onde o bolsa família é a única permanência de uma esmola oficial.

Claro, irão ter mais faccionados e mais cidadãos passivos criados pelo medo e o desejo impossível de se mudar para a Folha 32, o Mirante do Vale, o Ypiranga Ecoville, a Vila Militar…

A metáfora dos condomínios fechados é a falácia da meritocracia de que todos podem chegar lá. Uma mentira forjada pelo capitalismo e pela modéstia da concentração de renda que pare idiotas.

Camila é empregada doméstica e, provavelmente, 99 de 100 diaristas não conseguirão entrar numa universidade pública ou numa particular para cursar medicina.

Ah, mas medicina? Aí, também, é petulância e até exagero na escrita delirante de uma crônica panfletária. É? É porque a mentalidade violenta dos 388 anos de escravização de negros, negras e indígenas permanece sedimentando o senso comum das pessoas que nos cercam que não toleram perder privilégios.

Foram quase 400 anos de sequestro, tortura e assassinatos, uma falsa abolição e um pós-senzala cínicos – a cara de uma República sustentada por um golpe atrás do outro e até hoje. Claro que a violência e o subjugar ainda não se desfizeram.

Marabá será mais violenta, o Pará nunca será terra pacífica. Por isso os super condomínios verticais e horizontais de luxo num modelo mais segregador ainda. Coitado do Ypiranga e do futuro e majestoso River Beach.

É besteira pensar que a violência não pula os muros. Pode até ser, mas um dia você sai com o cachorro pra o bicho fazer coco na calçada dos outros; ou vai para uma roda de samba, ou aleatório mesmo, e alguém te atocaia. Ou arapuca quem você quer bem…

A violência vai recrudescer? Não vejo sinais. Vejo facções dominando, chegando cada vez mais perto da minha família, dos meus amigos. Os assassinatos não irão estancar!

Não sei qual é a dor do meu amigo e a falta que o abraço na sua irmã faz. Nem o doído de quem teve alguém exterminado na periferia de Marabá numa chacina, num tiro, num suposto excludente de ilicitude…

Sinto muito. Não falo mais nada porque não sei bem o que dizer para confortá-los. Os que perderam os seus para os homicídios e os latrocínios na minha cidade, aquela que outrora era pacata, bucólica.

Por aqui, pela redação onde centralizamos notícias, estamos cansados de divulgar a criança de seis anos com o rim partido por uma bala e que ficará tetraplégica. E mais quatro pessoas eliminadas por chacineiros…

* O autor é jornalista há 28 anos e escreve crônica às quintas-feiras

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.