Correio de Carajás

Rio Araguaia: Ponte começa a receber laje e estacas do vão central

Moradores de São Geraldo (PA) e de Xambioá (TO) vivem expectativa do advento da ponte, mas ainda têm opiniões divididas

Setembro de 2022, ao custo de R$ 157 milhões. Esta é a previsão da inauguração e o valor que o Governo Federal está investindo na nova ponte sobre o Rio Araguaia e que deverá mudar em definitivo a logística de transporte e o fluxo de entrada e saída nesta região do Pará. O CORREIO esteve em São Geraldo do Araguaia (PA), conferindo in loco o andamento da obra – já bastante adiantada, e também em Xambioá (TO), na outra margem. Moradores de ambas as cidades ainda estão divididos sobre o que a ponte significará para o futuro das duas comunidades.

Demanda antiga da população dos dois estados, o empreendimento integra a BR-153 PA/TO e contará com 1.720 metros de comprimento, quase o dobro da outra ponte mais recente, também no Araguaia, em Palestina do Pará, aquela com 900 metros, no contexto da BR-230.

A grande importância desta nova ponte está no fato de que encurta o acesso de toda a população do sudeste do Pará, inclusive Marabá, à Belém-Brasília (BR-010), eixo de ligação do Norte com o Centro-Sul do Brasil. De Xambioá, pela BR-153, até o encontro com a BR-010, em Wanderlândia, são 90 km, ou 120 km até a maior cidade daquela região, Araguaína (TO).

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A avaliação dos motoristas de caminhão ouvidos pelo CORREIO é de que entrar no Estado do Pará se tornará bem mais atraente e economicamente viável por esta nova ponte. Hoje essa viabilidade esbarra no tempo de espera e alto custo da travessia de balsa.

Uma carreta de 9 eixos carregada, por exemplo, paga R$ 225 ou R$ 326, se for à noite, para atravessar, sendo que ainda pode enfrentar fila, visto que cada viagem da balsa leva no máximo dois veículos de grande porte, junto com outros caminhões menores e carros de passeio.

“Isso é muito esperado, sim. Hoje escolhi vir por aqui, mas a gente pensa duas vezes. Quase sempre entro no Pará por Palestina (Araguatins, do lado tocantinense) mesmo. Mas isso aqui é um sonho pra todo mundo que trabalha com carga”, respondeu o caminhoneiro Edvar Menezes, que trazia carga de materiais de construção do Centro-Oeste.

A OBRA

O canteiro de obras do Consórcio Xambioá, grupo de empresas responsável pela construção, fica do lado tocantinense. No dia da passagem da reportagem por lá, em 18 de dezembro, o gerente de contrato, engenheiro Fernando Martins, chefe do cotidiano, não estava. Por telefone e por meio de uma colega sua, disse que não pode dar entrevistas sem autorização da superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Palmas. O CORREIO também não conseguiu falar naquele órgão nos telefones disponíveis na internet.

Mas tal ocorrência não foi empecilho, uma vez que a visita do jornal era independente e visava também entender a convivência da comunidade das duas cidades com a obra.

Para estes mesmos moradores, a obra já esteve mais célere e estaria com ritmo bem mais lento nos últimos dois meses. Turnos da noite e feriados, que eram constantes, já não existem. Mas na chegada da Reportagem lá, na manhã de sábado, os operários estavam cuidando na perfuração do leito do rio para a fundação no trecho navegável, onde ficarão os últimos 4 apoios.

São, no total, 702 estacas, 88 blocos e 44 pilares. Os primeiros metros de laje em concreto também já existem, a partir da margem direita do rio, ou seja, em Xambioá

O contrato para a obra estava assinado desde 2017, mas era alvo de disputa judicial. Foi retomado no atual governo federal, em abril de 2020 com nova Ordem de Serviço.

Perfuradora trabalha nas últimas estacas para sustentação do apoio central

ENTENDA

A estrutura da ponte foi dividida em três segmentos: dois viadutos para os trechos extremos, e o trecho central e principal para a transposição do canal de navegação (246,0 m). A solução estrutural para a superestrutura dos dois viadutos de acesso é constituída por tabuleiros formados por cinco vigas longarinas pré-moldadas de concreto protendido.

Para o trecho central, foram previstas superestruturas em seção caixão celular de concreto armado e protendido, a serem moldadas no local, formando um segmento contínuo, sobre os apoios centrais (balanços sucessivos ou moldagem segmentada em aduelas ditas progressivas). (Patrick Roberto)

Obra divide opiniões e futuro é incerto

Embora para todo o amplo leque de potenciais usuários da ponte sobre o Rio Araguaia ela seja uma certeza de progresso e desenvolvimento, a postura dos moradores de São Geraldo e de Xambioá é bem menos eufórica e as opiniões são divididas. Há quem trabalhe na logística da balsa ou fature em torno dessa travessia e que, obviamente, teme pela perda do seu ganha-pão. Mas comerciantes estabelecidos, de outro lado, se mostram mais otimistas.

O município na margem paraense tem 24.566 habitantes, segundo estimativa do IBGE em 2020, contra pouco mais de 11.700 habitantes do lado tocantinense. Ambos, portanto, são municípios pequenos e que se acostumaram com a posição de entreposto.

“Olha, eu não sei, não. Primeiro que nem sei se essa ponte vai ficar pronta mesmo, e vejo muita gente dizendo que pode causar desemprego, então não sei se melhora”, respondeu Maria de Fátima, moradora de São Geraldo há 20 anos.

Em Xambioá, a preocupação é dos 50 trabalhadores que operam mototaxi. A associação que os representa tem pleiteado junto ao Dnit uma indenização pelos impactos que a categoria imagina sofrer. Elias Doca, que explora a atividade há 20 anos, cobra R$ 8 na corrida da margem do rio para qualquer ponto da cidade. Na visão dele, a sua categoria perde. “Essa ponte não serve para nós, apenas para grandes empresas de fora que vão passar com seus caminhões por aqui”, opina, inflexível mesmo diante de ponderações do repórter.

Mototaxista Elias Doca se diz contra o advento da ponte

Do lado paraense, o Dnit já notificou 56 imóveis, a maioria construções em madeira, que ocupam a faixa de domínio da rodovia e que, portanto, serão retiradas para dar lugar ao aterro da cabeceira da ponte. Ouvidos, os moradores e comerciantes que ali vivem estão resignados, mas dizem não saber ainda de quanto será a indenização prometida, mas sonham que sejam num montante suficiente para reconstruírem suas vidas.

Maranhense de origem, Eugênio Lima Rodrigues e a esposa Rosa Helena Porto operam um bar/restaurante na orla e também vendem castanha do Pará a motoristas que param na orla para aguardar a balsa. “A ponte é desenvolvimento, mas para nós vai tirar o nosso sustento um pouco. Vamos aguardar o que vai dar isso aí”, respondeu.

Eugênio Lima e a esposa Rosa, céticos sobre a conclusão da ponte e resignado sobre a perda do local do seu bar

A idosa Maria do Perpétuo Socorro, marabaense, tem 42 anos em São Geraldo. Está há 15 anos num barraco na beira do rio. Ela está preocupada com a incerteza sobre o diz em que vai ter de deixar o local em definitivo. “Eles (enviados do Dnit) nunca falam, apenas que é em breve. Também não falam quanto vamos receber, só que vai ter indenização”, comenta.

Dona Maria, prestes a ser desapropriada, diz conviver com incertezas

ACISGA

Kleber Bodas, presidente da Associação Comercial e Industrial de São Geraldo do Araguaia (Acisga) disse ao CORREIO que seus colegas ainda estão céticos e avaliam os benefícios da ponte para o comércio local. Mas na opinião pessoal dele, a ponte significa desenvolvimento, sim. Ele é engenheiro e tem uma loja de material elétrico.

Os mais reticentes, diz Kleber, temem que a facilidade criada pela ponte leve os moradores da região a privilegiarem as compras na cidade grande mais próxima: Araguaína (TO), 120 km adiante.

São Geraldo, no entanto, tem um comércio local considerado pujante, onde existe uma boa variedade de ramos. No viés industrial existe um grande frigorífico, cerâmicas, laticínios, matadouros, fábrica de calcário. (Patrick Roberto)