Os níveis extremos de poluição registrados na Índia nos últimos dias colocaram de volta os holofotes sobre a qualidade do ar na Ásia e no resto do mundo.
Pequim tem uma fama histórica por causa de suas nuvens de poluição, mas estatísticas mostram que cidades da Índia, do Paquistão e Bangladesh estão em condições bem piores.
Mas por que o Sul da Ásia é muito mais poluído que o resto do mundo?
Leia mais:Das 30 cidades mais poluídas, 22 estão na Índia, segundo pesquisa do IQ AirVisual, um grupo baseado na Suíça que coleta dados sobre a qualidade do ar ao redor do mundo, e da ONG Greenpeace.
As outras oito cidades da lista ficam no Paquistão, em Bangladesh e na China, segundo a média de dados de 2018.
A comparação entre capitais globais também coloca megacidades asiáticas no topo do ranking. A capital brasileira que aparece primeiro nesse ranking é São Paulo, na 74ª posição.
Se forem considerados países em vez de cidades, Bangladesh aparece com o pior ar, seguido de Paquistão e Índia. O Brasil aparece na 44ª posição.
Todos esses rankings levam em consideração a qualidade média do ar ao longo de um ano.
Além disso, como os países têm diferentes densidades de estações de monitoramento, metodologias e transparência dos dados, as comparações estatísticas precisam ser vistas com cuidado. Mas, de todo modo, indicam tendências gerais.
Por que a poluição na Índia está pior do que na China?
A poluição em áreas urbanas é um misto de uma sorte de fatores, a exemplo do tráfego de veículos, a queima de combustíveis fósseis no setor energético e atividade industrial.
O que diferencia a China da Índia é que no fim ainda há muitas queimadas no setor agrícola indiano quando fazendeiros buscam limpar terrenos. Esses incêndios ocorrem, em geral, no outono.
“Isso foi uma coisa que a China conseguiu. Todas as queimadas na agricultura foram banidas, todas pararam”, afirmou Thomas Smith, professor-assistente da London School of Economics, em entrevista à BBC.
Segundo ele, o monitoramento feito pela Nasa ao redor do planeta indica que a região nordeste de Nova Déli tem uma concentração incomum desse tipo de queimada.
“Não dá para subestimar a importância das queimadas na agricultura, principalmente porque muitas pessoas acham que somente carros e indústrias são as causas da poluição”, disse Smith.
No recente auge dos níveis de poluição na Índia, a Suprema Corte do país determinou o fim das queimadas agrícolas em Estados próximos a Nova Déli.
A situação da cidade se agrava em razão do vento frio do inverno, que é mais estagnado e acaba por “aprisionar” os poluentes na região.
Smith também aponta que “enquanto a Índia é amplamente reativa, a China tende a ser mais proativa e preventiva para cessar os problemas mesmo antes de ocorrerem”.
Queimadas no Brasil
Segundo dados do IQ AirVisual, o Brasil surge entre os 50 países mais poluídos do mundo, na categoria poluição “moderada”.
As comparações entre cidades mais poluídas levam em consideração a média anual, mas se forem levados em conta dados recentes, 5 das 10 cidades com pior nível de poluição hoje estão em Mato Grosso do Sul: Ladário, Miranda, Corumbá, Anastácio e Aquidauana.
A metade superior do ranking está em regiões ligadas a queimadas agrícolas recentes, a exemplo da líder, Ladário, município de 23 mil habitantes.
Atividade humana
Os incêndios são comuns durante o período da seca e podem ocorrer naturalmente.
No entanto, especialistas afirmam que a maioria dos incêndios no Brasil neste ano foi causada pela atividade humana — ou seja, agricultores e madeireiros limpando terras para plantio ou pastagem —, já que 2019 não está tão seco em comparação com outros anos.
O número de incêndios entre janeiro e agosto de 2019 é o dobro do mesmo período do ano passado, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Embora este seja o número mais alto de incêndios em quase uma década (considerando os dados de 2019 até 27 de agosto), ele é menor do que na maioria dos anos no período que vai de 2002 a 2010.
Se forem levadas em conta as médias anuais de poluição, as três cidades brasileiras “mais bem colocadas” nesse ranking mundial são Osasco (610ª), Guarulhos (630ª) e São Caetano do Sul (774ª), ambas localizadas na Grande São Paulo.
Essas três cidades ficam localizadas em regiões com forte atividade industrial e tráfego de veículos.
Qual é o impacto da poluição em uma pessoa?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que nove entre dez pessoas frequentemente respirem níveis considerados perigosos de ar poluído. A poluição do ar mata cerca de sete milhões de pessoas por ano.
Os níveis de poluição são classificados a partir da medição dos níveis dessas partículas no ar. “O efeito da poluição varia para cada pessoa”, explica Christine Cowie, da Universidade de Nova Gales do Sul, no Reino Unido.
“Algumas pessoas reclamam de irritação nos olhos, na garganta, coriza e sintomas de asma. Tosse é sintoma bastante comum, mesmo entre aqueles que não têm asma.”
Os mais vulneráveis, segundo ela, são idosos, jovens e pessoas com problemas respiratórios ou cardíacos.
Cowie explica que mesmo uma breve exposição a níveis de poluição mais elevados podem disparar uma crise de asma e elevar o risco de infarto. “Maior a exposição, maior o risco.”
As maneiras de se proteger, no entanto, são limitadas.
Recomenda-se priorizar ambientes fechados, reduzir exercícios físicos e usar máscara, mas essas medidas são inviáveis em diversas regiões pobres do mundo.
“É um ar tóxico. Parece que você tem dificuldade para respirar. É como se você, enquanto anda normalmente, estivesse fazendo exercício físico pesado. Em alguns lugares, é possível até mesmo sentir o cheiro (da poluição)”, ilustra David Taylor, professor da Universidade Nacional de Singapura.
Pesquisas recentes sobre os efeitos da poluição nos seres humanos mostraram também que, além de problemas de saúde mental, de piora da capacidade de julgamento e do desempenho escolar, ela também pode estar ligada a um aumento dos níveis de criminalidade.
Como estão os níveis de poluição na Europa e nos EUA?
Hoje, os níveis de poluição na Europa, na Austrália e nos Estados Unidos são significamente menores do que os níveis extremos registrados na Índia nos últimos dias.
Mas nem sempre foi assim. Londres, por exemplo, era famosa por sua poluição em grande parte do século 19 e na primeira metade do 20.
Em 1952, o famoso Grande Nevoeiro (Great Smog, em inglês) cobriu Londres com uma camada tóxica de poluição que transformou os dias em noites e foi associada a diversas mortes. Uma situação não é muito distante da enfrentada em Nova Déli atualmente.
Os principais poluidores em Londres à época eram as usinas de energia ao longo do rio Tâmisa e a queima de carvão e madeira feita nas lareiras de residências como forma de aquecimento no inverno. E, de certa forma, muito do que se sabe hoje sobre o impacto da poluição no ar na saúde data da experiência londrina com o nevoeiro naquela época. (Fonte: BBC)