Correio de Carajás

Procurador chama audiência do Ibama/Vale de “peça de surrealismo de mau gosto”

Audiência pública virtual de apresentação do projeto da mina N3 entre a Vale e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), gerou questionamentos por ter sido realizada de maneira virtual. Mas também houve discussão sobre os impactos como a nova mina às aldeias indígenas e produtores da região, como os de jaborandi, em Carajás.

Com duração de seis horas e dez minutos, na noite de quinta-feira (8), a audiência faz parte do processo para obtenção da licença ambiental do novo investimento, que tem o objetivo de manter a capacidade produtiva, de arrecadação e de empregos gerada pelas minas de N4 e N5. 

A previsão é de que o projeto tenha vida útil de sete anos, e 12 meses de construção, a partir da emissão da Licença de Instalação (LI).

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O procurador da República em Marabá, Igor Lima Goettenauer de Oliveira, participou de forma online da audiência e falou da dificuldade em participar de forma remota. “Acho que essa frustrante experiência de tentativa de participação de audiência apenas confirmou a impressão, na verdade a impressão não, a certeza que o Ministério Público Federal já possuía sobre a completa inadequação desse meio escolhido para a realização dessa audiência pública”.

Procurador Igor Goettenauer ingressou com ação pedindo nulidade da audiência pública

O procurador classificou a audiência como uma “peça de surrealismo de mau gosto”, destacando ainda que, no platô onde será instalado o N3, há ao menos 30 espécies de flora endêmicas raras ou ameaçadas de extinção, sendo que 11 delas só existem na região de Carajás, e três que só existem em Carajás.

Igor ponderou ainda que o debate se trata de uma unidade de conservação federal, com pessoas que dependem do ecossistema. “O Ministério Público imputa como absolutamente nulo esse espaço, tanto que ajuizamos hoje uma ação questionando a validade dessa audiência pública, pedindo a sua suspensão ou a sua nulidade”.

Ele também questionou qual seria o interesse relativo à preservação do meio ambiente que está sendo atendido com a realização de uma audiência pública de maneira virtual, em pleno contexto de pandemia sanitária, e se o Ibama estaria cumprindo com as funções institucionais, ao marcar uma audiência pública avisando o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE) com três dias de antecedência, mas, sem avisar o Ministério Público do Trabalho. Por último, indagou sobre o rebaixamento do lençol freático como impacto do projeto.

O representante da consultoria ambiental, Cláudio Zilig, em resposta ao procurador Igor Lima, disse que o estudo ambiental realizado considerou os níveis de rebaixamento do lençol freático, por conta da implantação e operação do projeto, mas que essa é uma prática adotada por mineradores, com reposição de água de igarapés. 

Já o diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Jônatas Souza da Trindade, que atuou na audiência como presidente da mesa, disse que a audiência pública foi divulgada de acordo com o plano de comunicação aprovado, sendo divulgação de um edital no dia 25 de setembro comunicando a realização do evento, indicando os locais que estavam disponibilizados. 

Tendo em vista a pandemia, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) passou a aceitar a audiência pública virtual.

O diretor do Ibama ressaltou, ainda, que a audiência pública, no momento da fala do procurador, registrou a presença virtual de 443 pessoas e outras 88 nos espaços disponibilizados pela Vale.

Além disso, ressalvou, o regulamento prevê um prazo de até 20 dias para a participação das pessoas para contribuir com a audiência pública. À meia noite e 18 minutos, o diretor declarou a audiência pública válida para fins de instrução do processo de licenciamento ambiental do Projeto N3.

Xikrin

Líderes indígenas dos Xikrin do Cateté também participaram da audiência fazendo questionamentos e alegaram que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não os consultou sobre o novo projeto, e que não haviam sidos procurados pelo Ibama e Vale, para falar sobre o novo empreendimento.

Pediram, ainda, para visitarem o local do novo projeto e indagaram de que forma a comunidade indígena será contemplada. Representantes da Vale se prontificaram a marcar a visita solicitada pelas lideranças.

Em resposta, o Ibama esclareceu que a legislação fala que a obrigação de consulta à Funai acontece quando o projeto está no raio de 10 quilômetros, e que o empreendimento está distante 43 quilômetros do local em que será instalado.   

A partir deste mapeamento e reconhecimento do território, não foram identificados impactos específicos, ou estudos específicos para a comunidade indígena.

Extrativistas

A engenheira florestal Jaine Nóbrega representou a Cooperativa dos Extrativistas da Flona de Carajás (Coex Carajás), questionando de que forma serão contemplados, já que a área do novo projeto impactará diretamente a extração de jaborandi. Ela avaliou que a audiência de forma online impossibilitou os membros da cooperativa de acompanharem as discussões por não terem acesso à Internet. 

Leonardo Neves, representante da Vale, disse que será necessário desenvolver, durante o período de aprovação e implementação da N3, a compensação à cooperativa, ressaltando que o projeto irá ocupar a área total prevista durante os sete anos, mas que a área de maior ocorrência de jaborandi será mantida, além, de já estarem construindo acesso às áreas mais difíceis ao jaborandi.

Projeto 

O Projeto N3 consiste na implantação de uma nova frente de lavra a oeste da cava N4WN, que alimentará as estruturas já existentes com cerca de 10 milhões de toneladas de minério/ano, onde serão investidos R$ 85 milhões para fase de implantação.

Metade do projeto ocupará área já utilizada em Carajás e os outros 255 hectares serão áreas novas. A Mina N3 será integrada ao Complexo de Carajás, que juntamente com os demais projetos da Vale localizados dentro da Floresta Nacional de Carajás ocupam cerca de 3% do total de 786 mil hectares que compõem as seis unidades de conservação da Floresta Amazônica protegida na região.

A realização da audiência pública é uma medida exigida pelo licenciamento ambiental federal conduzido pelo IBAMA. O objetivo é assegurar uma maneira de dialogar e permitir que a sociedade compreenda melhor e tire suas dúvidas sobre novos projetos.

A audiência foi transmitida simultaneamente pelo Youtube e em página na internet sobre a audiência. Também foram instalados seis pontos fixos, para quem não tem acesso à internet, em Parauapebas: na Vila Sanção, Paulo Fonteles e APA do Gelado e três no centro da cidade: Escola Nelson Mandela, Câmara de Vereadores e Associação Comercial.

Também foi instalado ponto fixo para a comunidade indígena Xikrin, em Ourilândia. Ainda foram disponibilizados canais como 0800, e-mail e WhatsApp para participação popular. Após a audiência, as dúvidas também poderão ser enviadas em até 20 dias pelos mesmos canais.

Assista a audiência pública virtual: https://digital.arcadis.com.br/portal/AudienciaPublicaMinaN3/

 (Theíza Cristhine)