Correio de Carajás

Prefeitura de Piçarra “decreta férias” na Saúde

Quem chega em Piçarra, município localizado a 200 quilômetros de Marabá, e se depara com um pórtico de boas-vindas, fixado na entrada da cidade, não imagina que os dias são turbulentos no Município. É que o prefeito Wagne Machado exonerou cerca de 300 servidores públicos no final de junho, em uma só canetada. Muitos deles contratados no início deste ano. As demissões desfalcaram a maioria das secretarias da administração municipal.

No mesmo tino, o gestor fechou durante o mês de julho cinco postos de saúde no município, alguns deles contemplados com recursos do Programa Saúde da Família (PSF). O ato administrativo está previsto no Decreto Municipal PMPI/GAB Nº 1013/2019, sobre recesso na Administração, publicado dia 28 de junho, no quadro de publicação da prefeitura do município.

Na área urbana estão fechados os postos de saúde do Bairro Brasil Novo e o do centro da cidade. Nos dois locais, onde a reportagem esteve no dia 4 de julho, não havia qualquer tipo de informativo sobre o fechamento. Na zona rural, a população das Vilas Oziel Pereira, Anajá e Boa Vista também estão sem atendimento nos postos de saúde, segundo apuramos.

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A reportagem do CORREIO, acionada por populares, foi até o município nesta quinta-feira, dia 4 de julho, e ouviu moradores e autoridades políticas sobre as demissões e o fechamento dos postos. A equipe peregrinou nos órgãos e departamentos responsáveis em busca de informações, mas sem sucesso. Todos fechados.

POPULARES RECLAMAM

Em frente ao posto de saúde do centro urbano de Piçarra, Irisnete da Silva, 45 anos, estava irritada ao se deparar com o local fechado. Ela disse que pediu folga no trabalho para levar o neto de 3 anos ao posto de saúde para vacinar.

“Semana passada eu vim vacinar meu neto de três anos, mas não deu certo. Então remarcaram pra hoje. Quando chego aqui encontro o posto fechado e sem nenhum aviso. O pessoal devia colocar aviso na porta pra informar as pessoas que não tem expediente. Isso é falta de respeito com a gente que vem de longe”, protestou.

Outro ouvido pela Reportagem foi Sebastião Rocha da Silva, de 61 anos. Revoltado, ele relatou que também procurou o posto de saúde do centro da cidade, na última segunda-feira, dia 1º de julho, mas, assim como o posto de saúde do bairro onde mora, o local estava fechado e sem nenhum aviso para comunidade. Sebastião contou ainda que é hipertenso.

“Cheguei lá [posto de saúde] e encontrei tudo fechado. Não tinha ninguém pra dá informação. Isso é uma grande covardia com a população da cidade que precisa de atendimento naquele posto de saúde”, lamentou Sebastião, acrescentando que quando fica sem medicamento sente tonturas. Ele disse que está preocupado com as crises, pois não tem dinheiro para comprar o medicamento que precisa.

José Francisco diz que não consegue farmácia básica e lamenta situação

FARMÁCIA BÁSICA

A reportagem também ouviu José Francisco Nascimento, de 66 anos. Ele disse que, esta semana, levou o filho de 36 anos para consulta médica no hospital do município. O homem foi atendido, mas não conseguiu receber remédio receitado na farmácia básica municipal.

“Minha filha foi na farmácia buscar o remédio que o médico receitou, mas não achou com quem tratar por que estava fechada. Ela voltou pra casa de mãos abanando. Meu filho continua doente e sem tomar remédio. Não sei o que vou fazer agora”, reclamou desesperado, acrescentando que o dinheiro do benefício social que recebe é a conta de pagar as despesas mensais da família.

EXONERAÇÕES

Sobre as demissões, a Reportagem ouviu Gilvan Vieira da Silva, de 28 anos. Ele confirmou que houve várias exonerações na prefeitura na última semana de junho. Gilvan disse que teve o contrato renovado no início deste ano com expectativa de permanecer trabalhando até dezembro próximo, entretanto foi surpreendido com a exoneração. Ele é operador de trator agrícola e estava lotado na Secretaria de Agricultura.

“Me senti desvalorizado ao receber a notícia de minha demissão pelo celular. Não acreditei, fui atrás do meu chefe para saber o que estava acontecendo. Ele confirmou a triste notícia justificando que tentou impedir a decisão do prefeito, mas não teve jeito. Acho que deveriam ter mais sensibilidade com as pessoas e, pelo menos, avisar com antecedência os servidores sobre as demissões. Agora estou demitido, com uma mulher e dois filhos para sustentar”, lamentou.

SEM RESPOSTAS

A equipe de reportagem procurou a Secretaria de Saúde, mas o local também estava fechado para atendimento ao público. Uma servidora, que trabalhava em expediente interno, informou que a secretária da pasta, Ana Lúcia Ferreira Miranda, não se encontrava no prédio.

Por telefone Ana Lúcia atendeu a Reportagem, mas perguntada sobre o fechamento temporário dos postos de saúde e os problemas da farmácia básica, ela disse que estava de viagem para tratamento médico e sugeriu que a equipe procurasse diretamente com o prefeito Wagne na Prefeitura.

Na Prefeitura Municipal, ao contrário do que se imaginaria para o centro de decisões de um município, o clima era de vazio, como se estivesse em ritmo de férias. Nenhum servidor com cargo de chefia foi encontrado, muito menos o prefeito em pleno dia de semana. O vigilante de plantão informou que o prefeito não estava, momento em que pediu para a equipe de Reportagem aguardar a servidora Valdirene, chefe de gabinete. O Jornal aguardou ali por 25 minutos, até que ficou claro que era um chá de cadeira e ela não apareceria.

No hospital do Município a reportagem não obteve informação sobre o fluxo de atendimento ao público nesta primeira semana de julho, uma vez que muito certamente, sem os postos, a demanda ali deve ter aumentado.

Síntese

Perguntado sobre as exonerações do quadro temporário da prefeitura, o vereador lamentou pelo ocorrido e classificou o ato de ingerência. “Muitas pessoas fizeram compromissos confiados que tinham trabalho até dezembro deste ano. Essas demissões aconteceram de forma desrespeitosa com os pais de famílias, uma vez que os recursos continuam os mesmos de antes. Isso leva a crer que faltou gestão com a coisa pública”, criticou.

Secretaria de Saúde ignora pedido dos vereadores

O CORREIO também ficou sabendo que um dos vereadores, Ricardo Barros, havia se posicionado contra o fechamento dos postos e o procurou. Ele disse que em parceria com o colega Edson Lopes, protocolou no dia 2 deste mês, ofício na Secretaria de Saúde de Piçarra solicitando informações sobre o funcionamento das unidades de saúde.

Conforme cópia do documento fornecido à Reportagem, o órgão tem prazo de 72 horas para se manifestar, mas, segundo Ricardo, até o horário da entrevista não havia nenhum posicionamento da Secretaria de Saúde.

“Solicitei informações imediatas sobre o funcionamento dos postos de saúde por que em Piçarra minha bandeira de luta é a saúde. Não posso permitir fechamento de postos de saúde enquanto a população sofre sem atendimento”, explicou Ricardo.

O vereador critica o fechamento das casas de saúde justificando que o governo federal envia recurso suficiente para manter os postos de saúde em pleno funcionamento. “As pacientes da zona rural que fazem pré-natal na cidade estão voltando para suas casas sem atendimento. Isso é inadmissível”, protestou, adiantando que vai levar o caso ao conhecimento do Ministério Público próxima semana.

Ricardo Barros também informou que o município está sem atendimentos laboratoriais, odontológico e de fisioterapia, durante este mês de julho. “Os dois fisioterapeutas contratados também foram demitidos”, denuncia.

(Nilson Amaral)