Todos que acompanham meu trabalho conhecem minha filiação ideológica e política. Sabem das críticas que tenho feito ao atual governo federal, sobretudo quando o assunto é o comportamento em relação a pandemia. Mas esqueçamos que existe um governo, seja ele federal, estadual ou municipal. Precisamos falar sobre nós! Sobre nossas atitudes no enfrentamento ao coronavírus.
Para que o assunto não se espraie demais e acabe se perdendo em meio a amplitude das relações sociais, proponho o seguinte recorte: as aglomerações na orla fluvial de Marabá.
A orla lotada de gente tem algo a nos dizer.
Leia mais:As imagens que temos visto são impressionantes. Arrisco-me a dizer que, aos finais de semana, milhares de pessoas têm se aglomerado num dos principais cartões postais da cidade, sem nenhum zelo com a própria vida, que dirá com a vida do semelhante!
Como forma de tirar de si a responsabilidade que só a si pertence, alguém poderia dizer que o discurso do presidente incentiva as pessoas a se aglomerarem. Mas nesse texto aqui eu não entro nesse mérito. Precisamos falar sobre nós (ponto)
Vamos falar sobre um fenômeno preocupante que experimentamos em nossos tempos: o negacionismo. Talvez ele explique a orla cheia, a descrença na vacina. Mas de onde vem todo esse negacionismo? De qual buraco ele retornou para nos visitar?
Eu tenho uma pista.
Há um ditado turco que diz: “a ignorância é vizinha da maldade”. É sobre esses dois termos de que trata esse dito que quero fixar minha análise. No caso do brasileiro (precisamos falar sobre nós), as crendices – quase todas infundadas – nortearam durante décadas nossos comportamentos. Não que eu esteja desprezando o saber popular. É de outra coisa que eu trato. Meu objeto está em outro ângulo dessa problemática. Dir-lhe-eis!
Expressões como “médico não sabe de nada”, “se comer manga com ovo morre”, “toda chuva para meio-dia” etc. compõem uma narrativa anticiência. Não que eu esteja colocando a ciência na condição de perfeita, toda-poderosa. Mas veja: a ignorância ancorada numa certeza profunda em um objeto vazio produz uma corrupção moral, filosófica e política. Por isso ela é vizinha da maldade.
Aliado a isso, é necessário inserir nesse debate outro dispositivo, o individualismo, componente histórico-estrutural do caráter do brasileiro. Somos individualistas e precisamos falar sobre nós.
É possível que o modo de vida capitalista nos tenha tornado assim, a ponto de imaginar que, desamparados pelo Estado, temos que correr atrás daquilo que é melhor para nós e dane-se o resto. O contrário também ocorre, posto que uma minoria amparada pelo Estado também quer que o resto se dane.
Onde eu quero chegar?
Esse individualismo, alicerçado na ignorância, é mobilizado em praticamente todas as áreas de atuação do ser humano. Por isso, os jovens não se incomodam de promover aglomerações regadas a buzinaços, muita bebida e confrontos de sons (que alguns chamam de música), na orla da Marabá Pioneira, inclusive transformando a manhã seguinte num cenário pós guerra, dado ao lixão exposto num dos maiores cartões postais.
Máscara? nem pensar!
Essa atitude deveria ser reprovada em um cenário dito normal, quanto mais em tempos de pandemia. Mas a ignorância e o individualismo são os dispositivos que mobilizam as ações de muita gente, deixando de lado as chamadas virtudes teologais, quais sejam: a fé, a esperança e amor.
Não há, hoje, espaço para essas virtudes. Assim como não há, hoje, espaço para pacientes de coronavírus nos leitos de UTI.
Por isso, mais do que nunca, precisamos falar sobre nós.