Correio de Carajás

Pra construir 2ª ponte em Marabá, Vale tenta se apropriar de área no “tapetão”

À direita, parte da área da família de Lezinho, que a ocupa há mais de 25 anos, inclusive com documentação registrada em cartório. Só agora a Vale apresentou-se como “dona do pedaço”

É tapetão, que chama, né, quando uma pessoa ou empresa entra na Justiça para ganhar de qualquer jeito? E foi exatamente isso que aconteceu no final do ano passado, quando a Vale resolveu ingressar com uma ação na justiça de Marabá, alegando que parte da área de 84 hectares pertencentes a uma família tradicional da cidade, em verdade, seria dela, mineradora.

O terreno em questão é estratégico para os planos da Vale de construir uma nova ponte sobre o Rio Tocantins, no valor de R$ 1,8 bilhão, conforme ela confirmou ano passado, quando ganhou a licença do Ibama, e como alega na própria ação.

Em verdade, a construção da nova ponte faz parte do pacotão da Vale de duplicação de toda a extensão da Estrada de Ferro Carajás.

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A empresa chegou a informar que algumas famílias seriam indenizadas para que a ponte e seus acessos fossem construídos, mas parece estar tomando medidas contraditórias nesse sentido.

Esta semana, no Diário Eletrônico do Tribunal de Justiça do Pará, foi publicada uma decisão judicial freando, inicialmente, os planos da toda poderosa mineradora de anular o título que uma família tem, alegando que os documentos que ela, Vale tem, são anteriores e, portanto, devem prevalecer.

A área agora em litígio fica localizada próxima à cabeceira da ponte rodoferroviária sobre o Rio Tocantins, entre a estação de captação e tratamento de água da Cosanpa e a Estrada de Ferro Carajás.

A Vale denunciou a empresa Flor do Encanto Imobiliária, pedindo nulidade de registro de matrícula do imóvel. Dando um “Google”, é possível descobrir que a imobiliária está em nome do casal Aureliano Alves de Ataides e Telma Aleixo da Silva, bastante conhecido em Marabá e que vive na área há mais de 25 anos, tendo construído quatro imóveis, além de criar gado.

Conhecido carinhosamente na cidade como “Lezinho”, Aureliano faleceu no final de 2019 e a esposa e filho são herdeiros do patrimônio.

A ação da Vale contra o espólio de Lezinho tramita desde novembro do ano passado na 1ª Vara Cível de Marabá, que tem a juíza Elaine Neves de Oliveira respondendo interinamente. A Vale alega que possui registro da área desde 1985, mas a família de Lezinho apresentou matrícula de registro de imóvel, que dataria de 1996.

A Vale queria urgência na sentença judicial para nulidade do registro e cancelamento da matrícula do espólio de Lezinho, alegando que pretende construir a segunda ponte sobre o Rio Tocantins.

Em sua decisão desta semana, a juíza Elaine Neves observou que há três pressupostos de admissibilidade de tal ação: a titularidade do domínio, pelo autor, da área reivindicanda, a individualização da coisa e a posse injusta do réu.

A magistrada disse o seguinte ao marcar audiência entre as partes: “em que pese, juridicamente, a propriedade do imóvel pertencer à autora, entendo que o requisito da posse injusta não foi demonstrada de pronto, carecendo essa condição de análise mais aprofundada. “E assente na doutrina e jurisprudência que não basta ao acolhimento da pretensão reivindicatória a demonstração da propriedade do imóvel pela parte autora, sendo necessária, ainda, a inexistência de justificativa plausível para a posse da parte demandada no imóvel. E é precisamente dessa ausência de justificativa que deve decorrer a injustiça da posse”.

Em outro trecho importante de sua decisão, a juíza colocou um freio no trem descarrilhado da Vale e dá sinais de que a situação não será resolvida tão facilmente: “no caso, pelo que extrai até o momento, não está maculada de injustiça a posse do demandado, considerando o fato do mesmo possuir registro de imóvel obtido após o devido procedimento perante a SDU da cidade, fazendo jus, em tese, a posse exercida.

Tenho, assim, que, em que pese estar demonstrada a aquisição da propriedade registral pela autora/ora agravada, há também justificativa plausível apresentada pelo réu para a sua posse no imóvel, o que faz dela, a priori, justa, de sorte que não se mostra verossímil a presença dos pressupostos autorizadores da medida em sua integralidade.

Destarte, não restando comprovada a presença de todos os requisitos necessários ao deferimento da liminar na ação reivindicatória, entendo por bem por indeferi-la, a fim de possibilitar melhor discussão sobre a matéria na busca de se chegar a uma decisão final mais justa e equânime às partes”.

Por fim, a juíza pediu ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para agendamento de audiência de conciliação e mediação.

Procurada pela Reportagem do CORREIO DE CARAJÁS, a família de Lezinho não quis se manifestar, neste momento. Por sua vez, a Vale enviou nota à Redação com o seguinte teor: “A Vale informa que o projeto de construção da nova ponte sobre o Rio Tocantins, segue na fase de análise interna dos estudos econômicos e financeiros. Informa, ainda, que uma vez intimada da decisão liminar, irá recorrer”. (Da Redação)