Correio de Carajás

Pesquisa em Marabá associa dificuldades de aprendizagem às más condições de saneamento básico

Crianças infectadas por parasitas apresentaram menor compreensão verbal, memória de trabalho e velocidade de processamento que as não infectadas

Marabá tem diversos pontos onde o esgoto corre a céu aberto - Foto: Evangelista Rocha/Arquivo do Correio de Carajás

Dificuldades de aprendizagem em crianças que estudam em Marabá podem estar associadas às más condições de saneamento básico do município, segundo aponta um estudo conduzido por pesquisadores locais e publicado pela plataforma de pesquisa da Associação Americana de Psicologia.

O levantamento identificou que helmintíases transmitidas pelo solo, ou seja, doenças parasitárias intestinais, podem estar afetando negativamente o desenvolvimento cognitivo das pessoas que foram infectadas. Os dados foram coletados junto a 52 estudantes de uma unidade educacional de Morada Nova. Dentre eles, 10 estavam contaminados. Os participantes tinham idades entre 6 anos e 16 anos e 11 meses e a escola está ligeiramente abaixo dos índices de desempenho mediano das escolas brasileiras.

Conforme uma das autoras do artigo, Eveline Bezerra Sousa, professora assistente da Universidade do Estado do Pará (UEPA) na área de Microbiologia e Parasitologia e  coordenadora de estágio do curso de Biomedicina, foi observada uma frequência relativamente alta de geo-helmintos em crianças atendidas no posto de saúde localizado próximo à escola. Sabendo da existência de estudos que relacionavam déficits cognitivos e dificuldade de aprendizagem com geo-helmintíases, ela e os colegas entenderam ser importante realizar esse estudo naquela unidade.

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Para isso, os estudantes passaram por triagem e o desenvolvimento cognitivo deles foi avaliado por meio da Escala Wechsler de Inteligência para Crianças  (WISC IV). De acordo com outro autor, Caio Maximino, professor adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), onde atua no curso de Psicologia, essa escala é um instrumento da psicologia que avalia capacidades cognitivas de crianças e é utilizado para diagnosticar dificuldades no desenvolvimento cognitivo, avaliando funções como compreensão verbal, memória e velocidade de pensamento. Assim, descobriu-se que as crianças infectadas tinham menor compreensão verbal, memória de trabalho e velocidade de processamento que aquelas não infectadas, e um QI total mais baixo. 

O pesquisador explica que para crianças em desenvolvimento, a linguagem é extremamente importante porque forma a base para todo o desenvolvimento cognitivo posterior. “Os processos mentais, como a capacidade de lembrar fatos e informações, de prestar atenção a informações, e a capacidade geral de aprender, dependem fortemente da compreensão verbal, sendo primeiro socializadas e depois internalizadas. Quando a compreensão verbal está impactada, todas as outras funções podem apresentar algum atraso de desenvolvimento”, detalha. 

Da mesma forma, acrescenta, a memória de trabalho e a velocidade de processamento têm a ver com a nossa capacidade de “pensar rápido”, compreender informações e conceitos, e usar esses conceitos para raciocinar. “Assim, os impactos dessas geo-helmintíases podem se estender por todo o desenvolvimento cognitivo das crianças, dificultando sua aprendizagem e diminuindo o desempenho escolar”, explica o pesquisador.

Que caminhos a pesquisa aponta?

Os resultados sublinham a necessidade de rastreio de geo-helmintos entre as crianças, especialmente em locais com pior saneamento básico. Maximino lembra que uma pesquisa do Instituto Trata Brasil divulgada em 2023 ranqueia Marabá entre os 10 piores municípios do Brasil em termos de saneamento básico. “As infecções por helmintos estão fortemente associadas a condições sanitárias ruins. Ainda que nosso estudo não tenha procurado estimar a prevalência de geo-helmintíases, a quantidade de crianças que participaram do estudo e apresentavam pelo menos uma amostra positiva foi mais do que o dobro da proporção brasileira, conforme estimado pelo último Inquérito de Prevalência da Esquistossomose e das Geo-helmintoses”.

Eveline Bezerra destaca que os resultados desse estudo podem refletir uma amostra de outros locais no município, principalmente aqueles onde as condições socioeconômicas e sanitárias são mais precárias e onde geralmente é encontrado um maior número de infecções por geo-helmintos. 

Para Maximino, essa pesquisa mostra a importância do poder público, em especial das equipes de saúde e de educação, de fazer esse rastreamento de tempos em tempos e, em regiões com alta prevalência, fazer a profilaxia nas escolas, tratando todas as crianças com medicamentos apropriados. “Sobretudo, a pesquisa mostra as possíveis consequências de longo prazo de não investir em saneamento básico. Mesmo se a mortalidade infantil, por exemplo, estiver controlada, a alta taxa de geo-helmintíases pode levar a impactos de longo prazo na aprendizagem e no sucesso escolar”.

Situação pode ser controlada

O pesquisador destaca a existência de estudos que mostram que o tratamento com medicamentos anti-helmínticos (“vermífugos”) podem reverter os impactos cognitivos. “Quanto mais tempo se demora a fazer o tratamento, entretanto, mais impacto esses déficits terão no longo prazo. Daí a importância não somente de investir na melhora urgente do saneamento básico, mas também de fazer tratamento profilático nas escolas, administrando esses medicamentos a todas as crianças das escolas das regiões mais carentes do município”, diz.

Eveline Bezerra Sousa ressalta que estudos mundo afora demonstram que as infecções parasitárias estão fortemente associadas a restrições de desenvolvimento cognitivo e desempenho educacional, mas que são necessários estudos com maior número de participantes para elucidar a real associação dessas infecções com o prejuízo educacional, levando em consideração, por exemplo, o aspecto nutricional, que pode estar associado com os déficits cognitivos.

De qualquer modo, observa, o estudo demonstrou diferenças estatísticas significativas nos índices das crianças afetadas com relação às não afetadas pelos geo-helmintos.

Participaram da execução do estudo, ainda, os pesquisadores Vanessa Feitosa Silva, Amanda Beatriz Adriano da Silva, Letícia Sousa Vieira, Matheus Ferreira Matos, Bárbara Heloísa de Souza Saraiva, Monica Lima-Maximino e Antonio Pereira Jr. (Da Redação)