Atendendo à Ação Civil Pública ingressada pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), a Juíza Priscila Mamede Mousinho, da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Parauapebas, em decisão interlocutória, anulou a eleição para os cargos de Conselheiro Tutelar no município, pleito que aconteceu no dia 6 de outubro deste ano, por irregularidades detectadas durante a votação e apuração dos votos e convocou novas eleições em 30 dias. Com isso, foi automaticamente suspensa a posse dos candidatos eleitos, que estava marcada para o dia 10 de janeiro de 2020.
O presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Parauapebas (COMDCAP), Aldo Nonato Lindoso Serra, adiantou que a entidade vai recorrer da decisão da juíza dentro do prazo estabelecido. Ele argumenta que não houve fraude no processo, apenas falhas pontuais que, na sua avaliação, não são graves a ponto de anular todo o processo eleitoral.
Aldo admite que teve falhas nos lacres das urnas e em outras questões, como o preenchimento das atas, que não teriam sido feitos corretamente pelos mesários. “São falhas, mas não houve fraude no processo”, ressalta o presidente do COMDCAP.
Leia mais:Na ação civil, o Ministério Público destaca que foi feita a fiscalização das urnas, no entanto, após o pleito, no dia 8 de outubro, os membros da Comissão Eleitoral e o presidente do COMDCAP relataram à promotora de Justiça que houve um erro na planilha que totalizou os votos, o que influenciaria no resultado da eleição, oportunidade em que foi recomendada a realização de uma reunião com todos os candidatos para expor o ocorrido.
Depois disso, no dia 24 de outubro, ocorreu recontagem dos votos com a consequente alteração no quadro de conselheiros tutelares eleitos. Em seguida, entre os dias 10/11/2019 e 13/11/2019, a Promotoria de Justiça recebeu denúncias sobre irregularidades que ocorreram no dia da eleição, bem como acerca da conduta de alguns candidatos que estão sendo objeto de apuração pela Comissão Eleitoral.
Em base a esses fatos, o Ministério Público solicitou à Comissão Eleitoral informações sobre as denúncias, tendo o órgão solicitado prorrogação de prazo, o qual foi deferido até o dia 02/12/2019, tendo sido apresentada resposta através do Ofício n. 08/2019 da Comissão Especial Eleitoral.
Com análise feita, o Ministério Público entendeu que, mesmo com todas as providências tomadas, as irregularidades procedimentais comprometem a segurança jurídica do resultado das urnas e a inviolabilidade do voto, além da simetria do resultado com a vontade da população.
IRREGULARIDADES
De acordo com o apurado, foram várias irregularidades. Entre elas, no dia do pleito, diversos mesários faltaram, o que gerou a convocação de eleitores que estavam na fila para compor a mesa. Todavia, em outras mesas receptoras, o serviço ocorreu com a mesa incompleta, o que causou atraso na conferência dos eleitores e no processo de votação, providência que poderia ter sido sanada, segundo o MPPA, pelo município, caso este tivesse ofertado suporte de pessoal e infraestrutura ao processo.
Ainda segundo a investigação do MPPA, nas sessões da Escola Carlos Henrique, no Bairro da Paz, em contrariedade ao que dispõe o art. 52, § 1º do edital, a urna estava dentro da cabine de votação, não havendo portanto a devida fiscalização por parte dos integrantes da mesa de votação quanto ao depósito ou não de apenas uma cédula de votação.
Além disso, devido ao grande fluxo de eleitores e ao fato de duas ou mais sessões estarem alocadas na mesma sala, os eleitores depositaram votos em urnas diversas da seção na qual fora cadastrado o voto, vindo a ocasionar divergência na apuração, fatos que foram verificados nas Escolas Jean Piaget, Bairro Liberdade I; Dorothy Stang, Bairro Cidade Jardim; e Carlos Henrique, Bairro da Paz.
Aponta também que o quantitativo de eleitores surpreendeu os requeridos, tendo ocorrido a falta de cédulas em algumas unidades de votação, como a Escola Dayse Lorrane, no Bairro Novo Brasil, cuja mesária relatou em ata que devido à falta de cédulas alguns eleitores desistiram de votar.
“Outra irregularidade foi o fato de que, em algumas sessões, os mesários foram orientados pela Comissão, à revelia do que consta no edital, a lançarem suas rubricas nas cédulas, fato que também foi registrado em ata, sendo que tais votos identificados foram, na primeira contagem validados, e na recontagem foram cancelados, o que acabou interferindo no resultado da eleição”, diz a ação do MPPA.
Consta também em uma das atas de seção do Centro Universitário de Parauapebas (CEUP), Bairro Cidade Nova, que uma das urnas, no início do pleito, estava aberta, contudo, não consta na ata se ela foi verificada para demonstrar se estava vazia e como realizaram o fechamento de tal urna, visto que os mesários não deveriam portar qualquer chave para o fechamento da urna, conforme se infere da ata.
“Outro problema que se notou após as denúncias formuladas pelos candidatos é que não houve uma orientação uniforme quanto a situações que poderiam ocorrer como invalidade do título, admissão do eleitor sem os documentos obrigatórios e outras falhas, o que provocou discrepâncias nas decisões das mesas de votação”, diz Ministério Público.
DECISÃO
Na decisão, a juíza observa que ante o relatado pela Representante do Ministério Público e a farta documentação apresentada, o pedido de tutela provisória formulado na inicial encontra amparo nos artigos 294 e 311, IV, do CPC. Segundo a magistrada, a eleição para o conselho tutelar demanda a mesma seriedade exigida nas eleições conduzidas pela Justiça Eleitoral, notadamente no que respeita à observância de princípios elementares da administração pública, em especial legalidade, publicidade e moralidade.
“Em atenção ao princípio da legalidade, o processo eletivo para o conselho tutelar deve observar estritamente as normas estabelecidas para a sua realização que, no caso, é a Resolução/Edital expedido pelo COMDCAP em 05 de abril de 2019 (id. 14340331). Explicando: o Edital é a lei do processo eletivo e deve ser fielmente observado, contudo, não foi o que ocorreu, eis que o § 2º do art. 58 dispunha que após a contagem, as cédulas de votação serão novamente colocadas em uma urna que será lacrada, devendo ser conservada pelo prazo de 30 (trinta) dias sob a responsabilidade do COMDCAP. Ocorre que tais urnas não estavam lacradas no dia da recontagem dos votos, o que é facilmente percebido pelo vídeo juntado aos autos pela Representante do Ministério Público”, especificou a juíza.
Ela frisa ainda que o “COMDCAP pecou ao deixar as providências relativas ao pleito sob o encargo de pessoa despreparada, realizando a substituição dos mesários no dia do pleito, obstando que recebessem o treinamento adequado e suficiente, o que resultou na decisão de coletar assinaturas de eleitores nas próprias cédulas, demonstrando um profundo desconhecimento acerca do sigilo do voto”.
“Neste passo, forçoso reconhecer que a eleição para Conselheiro Tutelar foi permeada de irregularidades técnicas, bem como de várias condutas, a meu ver, vedadas, praticadas pelos candidatos a conselheiro tutelar, quando da realização da propaganda eleitoral e no dia do pleito, conforme várias denúncias acostadas aos autos. Finalmente, temos a confusão decorrente da insuficiência de cédulas, fato que gerou o não exercício do voto pela comunidade, de modo que não foi atendido o principal desiderato para a realização da eleição, que é permitir ampla participação da comunidade no processo de escolha dos conselheiros. Em resumo, ocorreram tantas falhas nas eleições, que a solução mais justa para os candidatos, assim como para os munícipes, é a anulação do pleito e a realização de novas eleições dentro de prazo razoável e suficiente para garantir ampla participação da comunidade”, atestou Priscila Mousinho.
A juíza ainda faz uma série de observações ao declarar a nulidade da eleição e suspensão da nomeação e posse dos conselheiros eleitos. “Determino ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de Parauapebas que realize novas eleições no prazo máximo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, até o valor máximo de R$ 150.000,00, devendo, ainda dar ampla publicidade por todos os meios de divulgação disponíveis sobre a nova data da eleição, locais de votação e demais informações de interesse dos munícipes; oferecer treinamento adequado aos mesários e escrutinadores; providenciar a confecção de cédulas em quantidade suficiente; providenciar a confecção de lacres adequados para as urnas; e dar ciência ao Ministério Público de todas as providências adotadas. Determino ao Município de Parauapebas que forneça o suporte necessário para realização das novas eleições, viabilizando os recursos financeiros, disponibilizando os recursos humanos e aconselhamento técnico e jurídico ao COMDCAP”, determinou a juíza em seu despacho. (Tina Santos)