Correio de Carajás

Parauapebas: Juíza explica como funciona o processo de adoção

Parauapebas: Juíza explica como funciona o processo de adoção

O caso de uma recém-nascida que foi deixada em um cesto de lixo no último dia 19, em Parauapebas, acendeu em muitas pessoas que acompanharam a notícia a vontade de adotar a criança, manifestada via redes sociais. O bebê, entretanto, não está disponível para adoção. Atualmente, no abrigo do município, há apenas um menor de 18 anos que pode ser adotado e na comarca há 12 processos habilitados – de casais ou pessoas solteiras – a adotarem.

Junto do desejo em dar uma família à bebê, apareceram também diversos questionamentos sobre de que forma poderia se proceder com a adoção, apontando que as informações técnicas sobre o assunto ainda são pouco divulgadas entre quem tem interesse na prática.

A Juíza Priscila Mousinho, titular da 1ª Vara Cível e Empresarial da Comarca de Parauapebas, que possui competência privativa nos feitos de Infância e Juventude, concedeu entrevista ao Correio de Carajás esclarecendo o passo a passo para quem pretende adotar uma criança ou adolescente. Ela lembra que o processo está regulamentado desde 1990 no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tendo sofrido desde então algumas alterações, inclusive uma no ano passado que teve como objetivo tornar o procedimento mais célere.

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“As pessoas que desejam adotar precisam procurar o Fórum, no setor psicossocial, para pegar a lista de documentos necessários para darem entrada ao procedimento chamado habilitação para adoção, um procedimento no qual a gente afere a regularidade dessas pessoas, se são capazes, não têm antecedentes criminais, se estão aptas física e mentalmente para adotarem uma criança”, ressalta, acrescentando que o processo passa por juntada de documentos e entrevista social com uma equipe formada por assistente social, psicólogo e pedagogo.

Em seguida, explica, as pessoas aprovadas participam de um curso preparatório para adoção. “Neste curso a gente esclarece como acontece o processo, o que é necessário para que adotem criança ou adolescente e se forem consideradas aptas o processo vai ao Ministério Público para parecer e depois vem para eu sentenciar”, resume. Neste momento, destaca, os interessados são inscritos no cadastro de adoção, que é nacional.

“Isso possibilita que um casal de Parauapebas ou uma pessoa solteira consiga adotar criança ou adolescente até de fora do estado. Na inscrição ela diz quais as preferências dela e esse é o nosso grande obstáculo porque a maioria das pessoas, 60%, quer criança de 0 a 3 anos, branca e de sexo feminino, só que 60% dos abrigados no país são maiores de 3 anos e pardos ou negros, ou seja, existe uma conta que não fecha”, observa a magistrada, informando que normalmente as pessoas que se habilitam para adoção procuram por adotivos que tenham o perfil físico parecido com o delas.

NEM TODA CRIANÇA ABRIGADA PODE SER ADOTADA

Priscila Mousinho destaca que dentre os 12 candidatos atualmente habilitados em Parauapebas, seis já adotaram menores anteriormente, mas continuam no cadastro porque têm interesse em adotar outros, por isso vão para o final da fila. “Temos 26 crianças no abrigo, mas destas apenas uma está disponível para adoção. Parauapebas tem um abrigo peculiar, diferente de outros municípios, porque a maioria dos abrigados é adolescente, ou seja, maior de 12 anos”, afirma.

De acordo com ela, estes menores não estão necessariamente disponíveis para adoção e são mantidos no abrigo, muitas vezes, porque os pais biológicos estão em tratamento para drogadição, por exemplo, tentando se recuperar. “Às vezes estamos tentando localizar familiares fora do estado, então nem todos estão para adoção e em muitos casos estamos tentando reinserir eles nas próprias famílias”.

Dentre os casos, há um casal e um trio de irmãos que estão passando por processo de destituição familiar para então serem disponibilizados para novas famílias. “Há um caso de um casal de irmãos que estamos com dificuldade de localizar a mãe porque ela precisa ser citada no processo e também estamos com três irmãos em processo de destituição e, se isso se confirmar, teremos mais cinco crianças e adolescentes nesta situação”, diz.

Ela explica que existem casos de maus tratos ou de negligências, mas para o pai perder o direito sobre o filho a negligência tem que ser reiterada. “Às vezes acontece dos pais ou mães agirem com negligência e a gente intervém, faz o acompanhamento através da rede de apoio, pela Secretaria de Assistência Social. A gente consegue fazer a abordagem e consegue recuperar aquele pai ou mãe e aquela negligência não volta a se repetir, então a gente devolve a criança ou adolescente para a família”.

PAIS NÃO INTERESSADOS EM CRIAR FILHO DEVE ENTREGÁ-LO LEGALMENTE

A juíza alerta que há um programa de entrega voluntária de crianças e que toda vez que a equipe social do Hospital Municipal tem contato com uma gestante ou parturiente que deseja doar o filho é feita a intervenção por meio da equipe psicossocial do Fórum, que trabalha em parceria com uma equipe semelhante do MP e a do próprio hospital.

“A equipe do hospital é obrigada a nos comunicar sobre qualquer indício de que a mãe tenha a intenção de entregar aquela criança para evitar a adoção direta – que a gente chama à brasileira – que é quando a mãe entrega o filho para outra pessoa diretamente. Isso não é aceito pela legislação”, alerta, afirmando que todo processo deve passar pela Vara da Infância e Juventude.

“Existe um procedimento para habilitar essas pessoas (adotantes) e as que estão no cadastro passaram pelo nosso estudo e mostraram que estão aptas a receberem a criança, mas essa pessoa para quem ela (mãe) quer entregar? Essa vizinha? Será que ela é apta? A gente não sabe”, ressalta.

A magistrada detalha, ainda, que é comum as genitoras se arrependerem posteriormente da entrega, por isso os casos devem sempre ser acompanhados psicossocialmente. “Quando a mãe deseja entregar a gente faz uma abordagem primeiro para saber se realmente ela quer fazer isso e vamos em busca do pai biológico, se ela declarar quem é, para saber se ele quer a criança porque ele tem direito à criança, mas se ela dizer que quer fazer a entrega sigilosa também existe essa possibilidade”.

Ainda sobre a possibilidade de desistência, ela explica que existe o período de estágio de convivência quando há uma adoção formal, durante o qual a mãe biológica ainda pode voltar atrás da decisão. “A lei permite isso e as pessoas que estão no cadastro estão preparadas para isso porque a gente faz a abordagem com elas, informando que a pessoa que vai entregar o filho à adoção pode desistir em meio ao processo”.

Em relação à entrega sigilosa, a juíza explica que o método existe para que a criança seja protegida, inclusive de interferências por parte de familiares da mãe biológica, como as avós maternas, situação considerada comum.  “Avós e tios não têm direito se os pais não quiserem. Então se a mãe chegar e disser que quer fazer a entrega sigilosa, não quer que a família dela saiba da gravidez, não sabe quem é o pai, neste caso a gente faz. A avó não tem direito de saber. Se a mãe mão não quer entregar a criança para a avó materna é porque existe um conflito familiar e a criança que vai nascer ou já nasceu tem o direito de não ser objeto deste conflito familiar. Não são os avós que têm direito, é a criança”, finalizou.

O processo de adoção é gratuito e a idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e o menor que será adotado. Além do explicado pela juíza, o Conselho Nacional de Justiça disponibiliza em sua página na internet quais os requisitos para adoção de forma detalhada. (Luciana Marschall e Ronaldo Modesto)