A diarista Maria Diná da Silva, de 58 anos, costuma sair do Bairro Nova Vitória e caminhar até 10 quilômetros para comprar verduras na Palmares I. “Vou no sol quente, a pé, andando daqui pra lá porque não tem transporte. Tenho só os pés que Deus me deu”, desabafa.
A falta de transporte e de mercados próximos de casa, entretanto, não são os únicos problemas da mulher que vive com o neto de 18 anos no bairro mais desassistido de uma cidade que já arrecadou R$ 856.101.665,67 desde o dia 1º de janeiro deste ano até agora.
Com população estimada em 213.576 habitantes, pelo IBGE, em 2021, o município que completa 32 anos nesta segunda-feira (10) prevê arrecadar R$ 1.863.850.000,00 no ano de 2021, mas o valor pode ser maior caso o município repita a façanha do ano anterior, quando arrecadou mais de R$ 2 bilhões, graças aos royalties da mineração.
Leia mais:Para se ter uma ideia da riqueza de Parauapebas, basta compará-la à Marabá, cidade de porte semelhante e também situada na região de Carajás, cuja receita desde o dia 1º de janeiro é duas vezes menor: R$ 369.403.731,55. A previsão de Marabá para o ano de 2021 é arrecadar pouco mais de R$ 1 bilhão.
O valioso dinheiro que jorra nos cofres públicos da aniversariante, infelizmente, não se converte em benefícios a todos os cidadãos. Na verdade, percorre nem os 10 km que separam o prédio da Prefeitura Municipal do bairro na Zona Norte onde Maria Diná comprou um terreno por R$ 4 mil e vive há oito anos.
“O ruim é porque não tem um colégio, não tem um postinho de saúde, aqui a gente não tem um transporte ou um ponto pra pegar uma van, tem que descer lá embaixo”, reclama, afirmando que houve ao menos uma melhora recente: a rua principal foi revestida de bloquetes, mas só ela.
O bairro está situado em um morro e parte dos moradores convive com o medo de enxurrada e deslizamento. Além disso, emprego não há, assim como projetos sociais que incluam crianças, adultos e idosos. “Eu não sou ninguém, mas penso que o prefeito (Darci Lermen) podia enxergar que nós também somos gente, nós também merecemos ter alguma coisa nesse bairro. Precisamos de um postinho porque vamos daqui pra Palmares, andando, pra se consultar”.
Maria Diná nasceu em Monte Verde, Maranhão. De lá, mudou-se para Santa Inês. Aos 19 anos seguiu para o Pará e desembarcou em Parauapebas, onde começou a trabalhar como diarista na Serra dos Carajás. Viu a cidade nascer e crescer sob os pés.
“Quando cheguei só tinha duas ruas no Rio Verde. Era a Rua do Arame e a Rua do Meio. Hoje a rodoviária nem parece a que eu vi quando cheguei, porque era só uma bandinha de casa”, relembra.
O desenvolvimento da cidade, entretanto, ainda é pouco aos olhos da mulher que criou cinco filhos. “Falta melhorar as condições, as coisas são caras, tudo difícil, ninguém pode mais comprar nada, não tem dinheiro que dê pra nada e não há emprego, não tem salário, não tem nada”, desabafa. A água do bairro é abastecida de três em três dias, o mato cresce descontrolado e posto policial não existe, mesmo que o bairro figure frequentemente no noticiário policial.
De presente de aniversário para Parauapebas, Maria Diná queria melhorias para a comunidade. “Eu queria que surgisse muito emprego pro pessoal trabalhar, que tivesse projeto de trabalho. Também tem muitas crianças aí pela rua, eu vejo as crianças andarem pra cima e pra baixo, às vezes por falta de projeto da prefeitura”, avalia.
ALTO BONITO
Também na Zona Norte, tendo sido construído para oferecer 2,4 mil unidades habitacionais e transformar-se exemplo de empreendimento verticalizado para moradia do sul e sudeste do Pará, o Residencial Alto Bonito completa quatro anos no próximo mês, mas os moradores têm pouco a comemorar. Em pouco tempo há prédios esvaziados por problemas estruturais, lixo espalhado, falta de assistência às famílias que já chegaram em situação de vulnerabilidade social e criminalidade.
O aposentado Luiz Pereira da Silva, de 77 anos, mora com a esposa Maria da Conceição Silva, de 72 anos, no Bloco 14, tendo recebido o apartamento na entrega da primeira fase do projeto. O que era um sonho, já virou pesadelo e se converteu no desejo de voltar para a cidade natal, no Piauí. “A permissão é de Deus, mas minha vontade é ir embora pra Pimenteiro, minha cidade, viver o resto da minha vida sossegado. Aqui nem dormir um sono eu posso direito”.
Segundo ele, a promessa era de se viver no cartão postal da cidade, mas a realidade é um bairro abandonado.
“Aqui não temos segurança e ninguém olha pra cá. Os políticos só vêm aqui pra pedir voto. Quem manda neste lugar somos nós, não é o poder público”, afirma.
A primeira vez que o idoso viveu em Parauapebas foi em 1989, ao deixar Serra Pelada. Após quatro anos saiu da cidade, sem transferir o título de eleitor, retornando em 2002. Luiz reclama, entre outras coisas, da falta de espaço de lazer para crianças – que brincam nas ruas de manhã à noite – e para exercícios físicos. A escola ainda não está funcionando, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) prometido nunca saiu do papel e as paredes estão pichadas com siglas de facções.
“Tem gente que acha que aqui só tem bandido e até tem, mas há cidadão também. Eu sou cidadão. Ando pelo Pará há 47 anos e nas obras mais importantes desse estado eu trabalhei. No quartel do 52º BIS de Marabá, na Vila Militar e na Barragem de Tucuruí. De São Paulo pra cá conheço tudo e nunca tinha morado em um lugar desconfortável igual a esse”.
Para ele, o Alto Bonito honra o nome que tem, mas superficialmente. “Essa obra ficou muito bonita. Ficou igual ao ser humano que está bem vestido, cheiroso, bem calçado, mas você não sabe como está o organismo dele, se não está com câncer, com problema no coração… é o que acontece aqui”.
No aniversário da cidade, diz que o maior presente seria ver o Alto Bonito funcionando.
“Eu queria que todo mundo estivesse alegre pra cantar parabéns para a cidade, mas o povo daqui não tem alegria. Tem gente abandonando tudo e indo embora”, diz Luiz Pereira, acrescentando que pretende fazer o mesmo.
CADÊ O BAIRRO QUE TAVA AQUI?
Do Alto Bonito, a Reportagem seguiu para a Zona Sul, onde está situado o Complexo VS-10. Até o ano passado eram contabilizados 32 bairros na região, porém, o Plano Diretor do Município de Parauapebas (PDMP), instituído em 2020, definiu seis bairros que agora formam o complexo: Parque das Nações, São Lucas, Brasília, Morada Nova, Jardim Planalto e Jardim América. Nessa aglutinação, o Loteamento Panorama, onde vive o mecânico João Bosco, de 54 anos, “sumiu do mapa”.
Do ponto de vista dele, a expressão não é apenas figurada, isso porque a área parece ter sido esquecida pelos gestores. João saiu de Rondon do Pará com a família e veio morar nos arredores de Parauapebas há 12 anos. Mais de uma década depois, a única mudança implementada no loteamento foi a pavimentação da rua principal. “Hoje tem um asfaltinho muito ruim, mas tem nessa rua aqui”, contempla.
O mecânico destaca que a própria VS-10, utilizada para o acesso ao bairro, está quase intrafegável em alguns pontos, devido ao excesso dos buracos.
“Não tem acesso. Quando eu quero rodar a cidade eu vou lá pro presídio por causa daquele buraco que tá com mais de doze meses e ninguém resolve nada”, diz, referindo-se ao caminho mais longo para chegar ao centro da cidade.
O maior problema, entretanto, é o mato que toma todos os espaços não habitados do loteamento. “É só sujeira, só seboseira, a gente não vê a cara do vizinho”, diz, contando que no último mês a casa da vizinha foi assaltada meio-dia, mas ninguém viu porque a residência está escondida pelo matagal.
Pai de quatro filhos, cuida da neta de 12 anos. Ele diz que as crianças precisam caminhar pela VS-10 até a Escola Mario Lagos. A via, entretanto, não tem acostamento e é considerada perigosa, havendo diversos registros de acidentes fatais. Mesmo problema encaram as pessoas que querem se exercitar e só tem este espaço para caminhar ou correr. Para ele, uma área de lazer e uma academia ao ar livre já ajudariam o bairro. “O pessoal anda nessa rua aí, que não tem acostamento. Quando o carro vem a pessoa corre pra dentro do mato”, constata.
Dentre tantas demandas, João Bosco escolhe uma para pedir de presente de aniversário. “Era mandar fazer pelo menos uma limpeza nesse matagal, que é lugar de esconder roubo. O pessoal rouba e esconde nesse mato pra buscar de noite. Mandar roçar e limpar isso porque tá muito seboso, muito sujo”, diz, acrescentando que conviver com animais desagradáveis também é resultado da sujeira. “Tem problema de caramujo, lesma, essa semana tinha uma cobra de quase três metros querendo entrar dentro de casa”.
NOVA CARAJÁS
No Residencial Nova Carajás IX, construído por meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), pelo Governo Federal, os problemas estruturais afetam parte dos moradores regularizados e uma certa quantidade das residências não entregues oficialmente e que estão em estado de ocupação.
O estudante Wendel Araújo Santos, de 30 anos, conta que recebeu uma unidade após viver em situação de ocupação de um terreno próximo, do Loteamento Nova Carajás. Conforme ele, várias pessoas compraram terrenos e construíram casas de madeira, mas sem regularidade e acabaram despejadas.
Estas pessoas foram cadastradas e colocadas em aluguel social enquanto as unidades eram erguidas e entregues. Nem todos foram contemplados, contudo. “Eu acho merecido. Agora, quem tiver aí poder ganhar porque já sofreu demais. Essas famílias não têm casa”, defende.
De acordo com ele, a comunidade sente-se isolada pela distância do centro e falta de atenção do poder público. Morando há cinco anos no local, viu o transporte público chegar há apenas quatro meses.
“As pessoas que moram aqui às vezes não querem ficar, querem logo vender e morar lá na cidade, porque é muito longe. E estamos abandonados, na roça já”, constata.
Ele reclama que mesmo se tratando de um residencial novo, já há problemas estruturais. “Os bueiros estão todos estourados, há mau cheiro, toda casa tem uma caixa em frente que estoura e fica fedendo, a água preta escorre na rua”, aponta.
Além disso, Wendel Araújo afirma que não há posto de saúde ou escola próximos. “Eu vejo as mães levando os moleques a pé mesmo. Uma leva uns dez meninos de uma vez, embaixo de sol ou da chuva, do jeito que tiver”.
Ainda no quesito educação, ele reclama não haver uma creche para as famílias que trabalham deixarem as crianças pequenas e elege esse como o presente a ser pedido à administração neste aniversário. Nascido em Açailândia, no Maranhão, Wendel está há sete anos em Parauapebas. (Luciana Marschall)