“Meu filho está desaparecido há muitos dias, ele está em uma cidade desconhecida, sem dinheiro, sem o uso da medicação para o problema psicológico dele. Imploro para que me ajudem a encontrá-lo”, desabafa Antônio Alves da Silva, pai de Vinícius Nery da Silva, 27 anos.
A família de Vinícius afirma que houve negligência da Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará (SUSIPE) ao abrir as portas da Central de Triagem da Cidade Nova (CTCN), em Ananindeua, Região Metropolitana de Belém.
Conforme o pai, os familiares só descobriram que o jovem estava em liberdade quando telefonaram para a Central de Triagem na última segunda-feira (13) e foram informados que o rapaz havia ganhado liberdade no dia 2, 10 dias antes. A partir disso, entraram em desespero.
Leia mais:“Meu filho não é criminoso, ele é doente e precisa de tratamento, situação reconhecida pela Justiça, tanto que a própria Justiça determinou que ele fosse para um hospital psiquiátrico. Onde ficam os direitos humanos? Quem vai se responsabilizar se o pior acontecer com o meu filho?”, questiona o pai. A última informação repassada à família é que Vinicius está com a barba longa, com cabelo curto e usava chinelos.
O pai finaliza dizendo que tanto sofrimento teria sido evitado com uma simples ligação ou mensagem por aplicativo de celular informando o dia em que ele seria solto. “Ainda que não fosse por obrigação, mas por humanidade, um gesto teria mudado toda essa dor, que não vejo como solucionar”, lamenta.
CASO
Vinícius Nery é diagnosticado com esquizofrenia e, segundo a família, quando deixa de ser medicado entra em um surto recorrente de procurar pela ex-companheira, que vive em outro estado. Em fevereiro, ele passou por uma situação dessas e tentou furtar um caminhão de mudanças em Canaã dos Carajás, com a intenção de ir atrás da mulher.
Ele acabou sendo encaminhado para a Delegacia de Polícia Civil da cidade e autuado pelo crime. De lá, foi transferido provisoriamente para o presídio de Parauapebas e a justiça determinou que ele fosse encaminhado para o Hospital das Clínicas, em Belém. Vinícius chegou a ser transferido para perto da capital, mas não chegou ao local onde teria acompanhamento médico.
DECISÃO
Neste dia 29 de junho, em decisão interlocutória, a juíza titular da Vara Criminal da Comarca de Canaã dos Carajás, Kátia Tatiana Amorim de Sousa, determina a soltura de Vinícius, citando que ele estava há mais de quatro meses como interno sem receber o tratamento psiquiátrico adequado. “Visto que a decisão que determinou a transferência do indiciado para o Hospital das Clínicas em Belém sequer foi cumprida, estando o paciente custodiado em local inadequado”.
Ainda no documento, baseia a soltura destacando que não houve prática de violência ou grave ameaça cometida por Vinícius: “verifica-se que ele teve sua punibilidade extinta por ausência de representação. Essa circunstância afasta o risco de reiteração delitiva”.
Outro ponto citado pela juíza ressalta que não houve exame de sanidade mental e este sequer foi agendado pelo centro de perícias, por isso, não seria possível mantê-lo em um local sem a expectativa de realização do exame.
“Frisa-se que a imposição da medida cautelar tem como um dos seus objetivos que o réu receba adequado tratamento médico, de acordo com a sua saúde mental, o que não se observa no presente caso”, observa a magistrada, acrescentando ele está junto a presos comuns, ocasionando um desvio da medida.
POSICIONAMENTO
O Correio de Carajás procurou a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) a qual encaminhou nota informando que durante o período em que Vinícius Nery da Silva esteve custodiado na Central de Triagem da Cidade Nova (CTCN), passou por avaliação de saúde e biopsicossocial, porém não apresentou alterações ou anormalidades senso perceptíveis ou comportamentais.
“De acordo com o parecer da equipe, o interno mostrou-se acessível e colaborador, com funções de memória e atenção preservadas, bem como outros sinais avaliados que não apresentaram anormalidades.
Durante o atendimento médico, o custodiado relatou que fazia tratamento psiquiátrico no Hospital de Clínicas Gaspar Vianna para controle de esquizofrenia e autismo. Todavia, ao ser contatada pela equipe de assistência social da unidade, no dia 10 de junho, a família de Vinícius, residente no município de Parauapebas, informou que estava impossibilitada de se deslocar até a unidade prisional para entregar os documentos e receitas médicas do interno.
Por isso, a equipe não pôde fazer a solicitação do medicamento e, ainda por falta de documentação do custodiado, a equipe também ficou impedida de solicitar avaliação psiquiátrica ao Sistema Único de Saúde (SUS).
A Seap cumpriu decisão judicial de soltura, emitida pela Vara Criminal da Comarca de Canaã dos Carajás e informa que, quando não há sinais ou comprovações de anormalidades biopsicossociais, dispensa-se a necessidade de informar a família sobre a soltura”.
A Seap informou, também que, ao ser liberado, às 7h do dia 2 de julho, a equipe da Unidade tentou contato com os familiares do interno em Canaã dos Carajás, porém sem sucesso. “Em uma dessas tentativas conseguiu-se falar com uma tia do interno, residente do município de Tucuruí. Antes de ser liberado, o custodiado pediu orientações sobre como chegar à rodoviária e seguir viagem para o município”.
DIREITOS
Consultada pelo Correio de Carajás, a presidente dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – Subseção Parauapebas, Ana Gláucia Bentes afirma o primeiro passo aguardado do Estado numa situação dessas é procurar garantidor os direitos fundamentais do cidadão. “O Estado tem o dever de garantir os direitos fundamentais do cidadão desde o nascimento até a morte”, observa.
A advogada destaca que os estabelecimentos prisionais têm, de acordo com a Lei de Execução Penal, o compromisso de ter uma estrutura física que possa oferecer ao apenado um estabelecimento médico prisional dentro dos limites da penalidade, garantindo consultas e medicamentos.
“Se o Estado não possui dentro dos estabelecimentos penais a estrutura física, a Lei de Execução Penal diz que o Estado deve transferir este apenado para um estabelecimento adequado, na ausência do estabelecimento adequado na cidade, fazer a prisão domiciliar com o uso de tornozeleira”, detalha Ana Gláucia.
De acordo com a advogada, o artigo 682 do Código de Processo Penal estipula que todos os presos com doença mental diagnosticada, passando por perícia médica, devem ter garantidas a internação em manicômios judiciário ou estabelecimento adequado, vai ser assegurado que o tratamento seja feito, visando garantir segurança, direito fundamental. “A pessoa quando é presa não perde os direitos fundamentais, eles não são suspensos em virtude de uma sentença condenatória”, decreta.
A especialista defende que o Estado é responsável principalmente no momento que o cidadão está encarcerado. “O Estado tem que garantir para ele todas essas condições, a família percebendo que tais condições não foram oferecidas ao apenado tem o direito de buscar judicialmente essa garantia”.
Ela lembra que a Comissão dos Direitos Humanos da OAB, que atua em cada subseção, tem o dever de fiscalizar e verificar se as garantias dos direitos fundamentais estão sendo cumpridas e que basta a família procurar a OAB e formalizar a denúncia.
“A família tem o direito de buscar na justiça o direito ao ressarcimento dessas violações. Esse indivíduo está submetido à guarda do Estado, então, tem por obrigação garantir a ele esses direitos”, afirma a presidente da Comissão dos Direitos Humanos. (Theíza Cristhine)