Na quinta-feira da última semana, fiz uma narrativa bem mais perto do que definem ser uma crônica. Despi-me das encruzilhadas do jornalismo e fui revisitar memórias do meio da rua. Tive vontade de escrever sobre instintos, foi o que veio.
A crônica, primeiro, faz bem para quem escreve. Talvez. Depois, sai pulando muro de quintais e pode até afetar alguém. Nem sempre abraça a leitora ou o leitor. Muitas vezes, as besteiras de um cronista estão muito no umbigo dele, no que foi derramado na sala de terapia, nas conversas com amigos nas esquinas da cidade.
E é nessa esquina, onde o texto é concebido, que algum leitor poderá cruzar a vida dele com a vidinha do cronista. Quanto mais íntimo o mergulho de quem está inventando um texto, tenho a impressão, mais quem está lendo poderá se inscrever também, se sentir parte dele.
Leia mais:Crônicas, minhas amigas e amigos, não é jornalismo. Mesmo que digam ser porque é publicada nas páginas de um periódico de papel ou digital. E acertar escrever uma crônica, que entre no corpo da gente, não será sempre. Nem sempre o tema agrada a maioria dos leitores.
Hoje, queria escrever, ao mesmo tempo, sobre três assuntos, mas é pulverizar demais e arriscar falar sobre nada. Os três, porém, me atazanaram a semana pré-carnaval.
Ter textos aperreando o juízo é horrível e ótimo. Até dá um tesão o abodego, o farnesim, mas não é humano.
E ainda bem que não é humano. Quanto mais puder me afastar dessa condição arrogante sobre o que existe na Terra, melhor. Não me interessa mais ser um humano assim feito esse povo inexplicável que se incendeia em praça pública por causa de Bolsonaro ou de Lula.
Não dá, não há compreensão, ter ainda “ser humano” achando que as notícias sobre o flagelo yanomami são mentirosas e partem da articulação da “imprensa vagabunda”.
E nem são relatos novos, não. Permanecem cruéis há séculos. Os europeus invasores – portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, holandeses – fizeram isso durante o achaque das grandes navegações criminosas.
Estupraram, saquearam, escravizaram, garimparam, desmataram, incendiaram e dizimaram a maior parte dos povos indígenas e as terras. Fizeram pior, conseguiram perpetuar uma mentalidade que ainda persiste.
Não é compreensível tamanha ruindade e ainda ter “ser humano” bolsonarista ou bolsonarista pela metade. Lembro, por exemplo, quando Bernadete ten Caten entrava pela Redação do CORREIO DO TOCANTINS a defender pautas “humanistas”. Ainda não era deputada. Tinha sido secretária de Educação e vereadora por Marabá.
Até achava interessantes algumas bandeiras levantadas por ela. Uma rica preocupada não somente com o próprio umbigo e com os lucros de empresas privadas. Depois, virou deputada estadual e os laços com o poder (leia-se PT) fragilizaram muitas lutas e bandeiras sociais. O filho, a quem muito admiro pela inteligência e discurso humanista, agora também vai experimentar, pela primeira vez, o sabor de estar ao lado do poder. Digo, o poder do governo federal, que tem muitos cargos em órgãos da União em Marabá. Vamos ver no que vai dar.
Perdi o fio da meada. Talvez porque entrei na ruindade humana e me labirinto.
Vou terminar a crônica com ínfimos do discurso de posse de um amigo que considero probo, que acabou assumindo a direção de um órgão governamental recentemente. Falou contra o corporativismo, a leniência e o patrimonialismo no serviço público.
Completou com o imperativo por uma justiça como instrumento social e confessou, como advogado, “ter vergonha da matança de mulheres em Marabá”.
Pois que lute e faça os “machos” experimentarem sobreviver feito uma garota. Desejo perseverança.
* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.