Há exatos dez anos, em algum fim de tarde abafado de 2015, eu sentei diante do computador para escrever o que seria apenas mais um texto sobre o cotidiano: e acabei abrindo uma janela para o mundo. A coluna Ouriço Cheio nasceu assim, quase sem pretensão, mas com o desejo sincero de observar a vida com olhos de cronista: atentos, curiosos, às vezes irônicos, outras tantas emocionados.
Desde então, já revisitei minha infância inúmeras vezes. Falei das travessuras de menino na Marabá Pioneira, das peladas em terrenos baldios, do cheiro de chuva na Folha 17, das histórias contadas no quintal e das tardes de domingo em que o tempo parecia não passar. Descobri que, ao escrever sobre o modo de viver do marabaense, muita gente se via nas palavras, era como se cada leitor encontrasse um pedaço de si entre as minhas lembranças.
Mas nem só de nostalgia vive o cronista. Também falei de amores contrariados, daqueles que doem e inspiram, e de amores felizes, que dão leveza à alma. Já divaguei sobre o trânsito, sobre a pressa da cidade, sobre os absurdos e as belezas que nos cercam. Escrever é o meu modo de respirar.
Leia mais:E o curioso é que o impulso pode vir a qualquer hora. Às vezes, surge num fim de semana tranquilo; outras, no meio do expediente, entre uma pauta e outra. Já aconteceu de eu rascunhar uma crônica durante uma viagem, observando o movimento das janelas de um ônibus, avião, ou sentado num banco de praça, vendo o rio correr. O ato de parar para escrever é sempre um instante de prazer, uma pausa necessária para entender o mundo e a mim mesmo.
Muitas vezes, os temas não nascem de mim, mas dos outros. Leitores me abordam na rua, no supermercado, na feira, e até na igreja. “Ulisses, escreve sobre isso!”, dizem. E eu anoto, sempre. Quando um fato acontece diante dos meus olhos ou alguém me conta uma história marcante, o título aparece na cabeça como um relâmpago. Nessas horas, puxo o celular e digito rapidamente, antes que a inspiração fuja. Já aprendi que as boas ideias têm asas curtas.
De lá para cá, já foram mais de 400 crônicas publicadas – quatro centenas de pedaços de mim espalhados em papel e pixels. E em breve, algumas dessas histórias vão ganhar uma nova casa: um livro, reunindo as que considero mais representativas dessa jornada. Um livro que, de certa forma, é o retrato coletivo de quem vive e ama esta cidade.
O ofício de cronista me levou a lugares que eu nunca imaginaria. Já ministrei oficinas sobre produção de crônicas em dezenas de escolas – para professores e alunos -, e até a OAB me chamou para falar sobre o assunto em um evento de aniversário. Mas o momento mais recompensador é sempre o mesmo: quando alguém manda mensagem dizendo que gostou do texto daquela manhã.
Outro dia, um agente do DMTU, residente em Morada Nova, me contou que todas as quintas-feiras precisa levar para casa o jornal impresso, porque a filha, agora adolescente, exige ler a crônica da semana. E esse detalhe – a exigência dela – foi o que mais me comoveu.
Hoje, quinta-feira, 6 de novembro, espero uma visita especial aqui na redação do Portal Correio. A pequena Heloísa vem acompanhada da mãe, Canaã. Ela pediu para conhecer um cronista. Talvez nem saiba o quanto esse gesto vale para quem escreve – é o tipo de coisa que reabastece o coração e dá sentido a cada palavra publicada.
E assim sigo, com o Ouriço Cheio, tentando costurar histórias que façam o leitor sorrir, pensar, lembrar ou simplesmente se reconhecer. Porque no fundo, é isso o que a crônica faz: aproxima pessoas.
Aos que me leem – no impresso, no digital, no café da manhã ou antes de dormir -, deixo meu sincero agradecimento. Somos parte de uma mesma corrente, unidos pela palavra e pela curiosidade de entender a vida.
Como diria García Márquez, “a vida não é a que a gente viveu, mas a que a gente recorda, e como recorda para contá-la”. Eu apenas continuo tentando contá-la, do meu jeito, em parágrafos que nascem do cotidiano e encontram abrigo no coração de quem lê.
* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica às quintas-feiras
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.
