Por Francisco Bismarck*
Há alguns meses fui surpreendido com a notícia de que o então Juiz Federal Sérgio Moro iria renunciar sua destacada carreira na magistratura para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, então pensei comigo:
Leia mais:“Até onde a vaidade humana pode nos levar”. Sem querer, me vi julgando-o, a partir da minha própria experiência de mais de 4 triênios como Delegado de Polícia Civil no Estado do Pará.
Talvez por já ter experimentado e observado, inúmeras vezes, o dessabor da ingerência política na atividade policial, a escolha daquele Juiz Federal, igualmente jovem, porém com a experiência conferida pelos seus 22 anos de magistério, me pareceu uma insanidade.
Naquele momento o Juiz Sérgio Moro gozava de grande prestígio popular e da mídia em geral por ter personificado o combate à corrupção de uma forma, quase que indissociável, após ter atuado em inúmeros processos de combate a organizações criminosas, sendo os mais famosos decorrentes da “Operação Lavajato” em suas inúmeras fases.
Há pouco o Brasil acompanhou pelas mídias sociais o ex-juiz, e agora ex-ministro, Sérgio Moro comunicar sua saída abrupta do “poder”, deixando o Ministério da Justiça e Segurança Pública exatos 16 meses após pivotar sua carreira e sua própria vida para assumir a pasta ministerial.
Sob os escombros da bombástica notícia, não pude deixar de atentar para alguns trechos do pronunciamento do Ministro onde, durante 38 minutos, não se furtou em enaltecer a necessidade e importância da independência funcional da polícia judiciária, no caso a Polícia Federal, bem como registrar seu total apoio e respeito as instituições policiais.
Eu que sempre tive algumas reservas acerca do Sérgio Moro – repito, ao julgá-lo aos meus olhos – por achar que ele se deixava envaidecer pela projeção que lhe fora conferida pelo desempenho regular de suas funções, nada mais que isto, agora passei a enxergá-lo com mais empatia.
O que se ouviu naquela ocasião foram mais que as palavras de renúncia de um Ministro de Governo, foi o pronunciamento de um profundo defensor da atividade policial e sua função investigativa de forma independente e autônoma, sem a necessidade de se curvar aos mandos e desmandos de quem quer que seja, ainda que seja do próprio presidente da república.
Por uma questão de justiça e honestidade, devo confessar que senti um certo “orgulho” de vê-lo falar de forma direta e contundente que estava deixando o ministério por não aceitar ingerências políticas no trabalho da polícia. Ingerências no ministério até foram “toleradas”, pelo que deixou antever o ministro, mas na polícia, não seriam.
Enquanto parte dos Delegados da Polícia Federal, tal qual faria, e faz, parte dos Delegados de Polícia dos estados, não pensaria duas vezes em cumprir determinações esdrúxulas apenas para se manter no poder, ou mesmo cobiçar a “cadeira de comando” em substituição aos seus superiores, assistimos um ex-juiz/ministro romper com o “sistema” e desembarcar do “poder” para sair em defesa da nossa tão desejada “independência funcional”.
Das polícias judiciárias lhes foi retirado o direito à greve, à aposentadoria especial e inúmeras prerrogativas funcionais que, somando-se ao que nunca lhes foi dado (independência funcional, autonomia financeira, mandatos eletivos plurianuais, etc) consolida uma política de enfraquecimento das instituições policiais, algo que é muito conveniente para os que estão momentaneamente no poder.
Vi e li atentamente notas de apoio de vários Governadores e Chefes de Polícia ao agora ex-ministro, mas para mim soaram como o barulho da pirotecnia populista, posto que, em seus respectivos gabinetes, o que se vê é a perenização da esterilidade investigativa.
O discurso é bonito e explicar é fácil, difícil mesmo é entender como as instituições policiais brasileiras se sujeitam às inúmeras e inegáveis ingerências políticas, sendo elas responsáveis por funções sociais tão importantes. As respostam são muitas, mas todas passam pela vaidade humana e a necessidade natural de estar, a todo e qualquer custo, no poder. Exemplos não nos faltam e isso (ingerências) ocorre com muito mais frequência do que se pode imaginar, para não dizer que seja a regra.
Encurtando a retórica, pra se fazer a “coisa certa”, há necessidade de resistir ao “sistema”, pois é muito cômodo para quem está no poder, além do foro privilegiado e de saber quem vai julgá-lo, poder escolher também quem vai investigá-lo.
O atual momento histórico me faz lembrar de uma icônica e emblemática foto que vi outro dia, onde era retratado um forte e belo cavalo amarrado à uma cadeira de plástico, adestradamente imóvel, sem se dar conta da força que detém.
*Delegado de Polícia Civil pelo estado do Pará, Graduado e Pós-Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza, Especialista em Sociedade e Gestão de Segurança Pública pela Universidade Federal do Pará, Diretor-Secretário na Associação dos Delegados de Polícia do Pará.