Correio de Carajás

O vozão que pilota dois drones na Nova Marabá

Quando o conheci, no início da década de 1980, ele havia acabado de chegar em Marabá, vindo da Paraíba. Tinha 1,90 metro de altura, trabalhava como motorista de caminhão e seu bigode imenso denunciava o nordestino pai de três filhos, que logo se tornaram meus amigos. Na adolescência, a gente se entregava às amizades como se aqueles fossem irmãos de sangue.

Na Nova Marabá, quando algum menino fazia o que não prestava, de pronto procurava-se saber o nome do pai ou da mãe do malino. É fulano, “fi da Neide costureira”. “É sicrano, fi do Alberto açougueiro”. Geralmente, era menino. E, provável, vinha mais peia do que prosa.

Era assim com Carlos Alberto, que alugou uma casa na Folha 22, onde meteu a mulher, os três filhos e passou a viajar para o Maranhão transportando cerveja num ir e vir sem fim tendo o arrebite como companheiro de estrada.

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Não era de falar muito, sorria pouco, mas proseava quando era provocado pelos vizinhos. Quem o via diz que Carlos Alberto era tranquilo no trânsito e dirigia sem se envolver em acidentes porque respeitava as leis. E era.

Mas o que parentes e amigos não sabiam é que o Bigodão tinha outra família. Carlinha surgiu na vida dele na beira da estrada. Pediu carona, um dia, e foi para Imperatriz com aquele homenzarrão que lhe dava comida, dinheiro para o dentista e até pagava as despesas do filho que ela já tinha e que ficava com a avó durante as viagens e trabalhos escusos.

E olha que as viagens passaram a ser mais longas desde que Carlos Alberto conheceu Carlinha. Com ela na boleia, parava em quase toda vila, acelerava mais devagar e deixar o tempo passar com o novo amor.

Amor que foi descoberto pela titular, mãe dos três filhos e que lavava e passava as roupas do marido para que ele não andasse amassado. Ela encontrou um bilhete amassado com o número do telefone de Carlinha no bolso de uma bermuda do infeliz motorista.

Calada, foi juntando os fatos e chegou até o endereço onde piriguete morava, na casa de sua mãe, no Km 7. Resignou-se e não disse nada ao marido. Mas a revolta da traição lhe subiu à cabeça e ela programou a vingança e calculou como faria, o que usaria e para onde fugiria.

Depois que Carlos Alberto chegou da viagem seguinte, ela preparou o almoço com o prazer de outras ocasiões para toda a família numa manhã de domingo e colocou chumbinho para pôr fim à vida do desgraçado e dos filhos juntos.

Tinha lido numa revista que o chumbinho é uma substância que não tem cheiro, nem sabor e, por isso, era frequentemente usado como veneno para matar ratos, mas que tinha grandes possibilidades de envenenar pessoas.

Eu estava lá naquela manhã, porque havia saído com Freitas, o filho mais velho do casal, para passarinhar na área que hoje está construído o Ginásio da Folha 16.

Comida posta, mandou os filhos lavar as mãos e chamou o marido, que assistia a uma corrida de Fórmula 1. Ele veio, sentou-se à mesa e quando todos já estavam se servindo, dona Lourdes deu um grito avassalador e pediu para todos nós pararmos.

Falou da traição do marido, do veneno na comida e os planos que tinha para viver depois. A fome passou para todos. A tarde foi de silêncio para a família. Dias depois, o ambiente parecia normal, mas nunca mais tomei um gole de água naquela casa.

Dona Lourdes morreu de câncer em 2015. Carlos Alberto aposentou-se no início da pandemia e os três filhos se afastaram dele e até hoje o visitam friamente.

Atualmente, ele faz a própria comida, conversa consigo mesmo e, sem poder dirigir os caminhões, comprou dois drones pelo Mercado Livre e agora vive de voar e ver a cidade por outro ângulo. Ele continua morando na mesma casa de sempre. Dia desses, eu o vi sentado na praça da Folha 16. Estava sozinha e tinha dois controles de drone nas mãos. Ele olhava para cima e para as imagens nas duas telas.

Estava encantado com a cidade. Queria redescobri-la do alto. Não tinha computador para transferir as imagens e seu sonho, me disse, era comprar mais três aparelhos daquele para apontar em direções diferentes ao mesmo tempo, à altura de 300 metros e ficar contemplando os carros passando.

– Se a vida não faz sentido aqui embaixo para mim, quero ver como ela se passa lá de cima – justificou.

 

* O autor é jornalista há 27 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.