Correio de Carajás

O vereador, os namorados e muitas histórias na praça

Há muitos anos eu deveria ter contado essa história. Ela se passou na década de 1970. Foi assim: antes de se tornar vereador e presidente da Câmara, um dos protagonistas era gerente de uma loja de confecções na Rua 5 de abril. Não que ele tivesse desprezo por mulheres, mas era chegado em um menino (novo, pra ser redundante).

Era de família tradicional dos galegos e outros parentes haviam sido comerciantes renomados em Marabá e em outras partes do Brasil. Recatado, gostava de ir à caça na Praça Duque de Caxias, onde encontrava adolescentes e lhes fazia propostas para ganhar calção com a logomarca do time preferido.

Claro, o gerente precisava manter a discrição dos relacionamentos não convencionais. Por isso, acertava com os rapazes que entrassem por um corredor que dava direto em seu escritório, nos fundos da loja. Caso alguém perguntasse, diriam que iriam trocar uma lâmpada que o gerente pediu. E assim, cada dia um deles chegava para pegar o presente e fazer o serviço combinado.

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No Granito, no Poeirinha ou em um campo pequeno de futebol de várzea que havia perto do Chiqueiro dos Porcos, no Cabelo Seco, a galera sabia que, quando um moleque chegava de calção novo do time preferido, havia um coro preparado e repetido: “você já foi trocar a lâmpada na casa do gerente, né…”

Mas em verdade eram às vezes injustos, porque havia aqueles que engraxavam sapatos, vendiam peixe para seu Michel Athiê ou corriam a cidade inteira com um isopor cheio de chopp para fazer dinheiro e comprar o que quisesse, inclusive short do time do coração nas Pernambucanas ou no Paraíba.

E as histórias se contavam na Praça Duque de Caxias. Era lá que a garotada se reunia, que as fofocas se espalhavam e também era lá que a meninada era abordada para os pequenos negócios inconfessáveis. Dali também saíam para uma disputa de quebrar bubuia no cais do Tocantins.

O gerente sempre pedia bastante shorts para seu estoque pessoal. Camisetas eram mais caras e exigiam serviço completo e mais demorado. Às vezes, se pagava com duas trocas de lâmpada, em dias diferentes da mesma semana.

Mas havia um rapazinho magro, moreno, morador do Cabelo Seco, que ganhava mais presentes que os demais. E não eram apenas camisetas de time. Rolavam também outros agrados, como dinheiro em espécie para ir ao matinê no domingo à tarde no Cine Marrocos. Aí, senhores, rolava sentimento, um grude, um puxa-e-encolhe, uma xumbregação, um embeleco que transformava o gerente em um refém do rapazote de lábios carnudos.

O amor entre os dois durou até a década de 1980, quando o gerente já era vereador emplumado no Palacete Augusto Dias, falava firme ao microfone e era respeitado por todos. Apresentou muitos projetos e presidiu a Câmara Municipal por vários anos. Nos bastidores, contudo, sabia das gracinhas de colegas parlamentares e não dava a mínima pra elas.

Já o rapaz já tinha barba, bigode e se tornara vendedor em uma loja de materiais elétricos na Avenida Antônio Maia. Num queria ficar dependente mais de ninguém. Mesmo que gostasse do amante, preferia custear suas despesas com seu próprio dinheiro.

Depois que abandonou o mandato eletivo, o vereador recolheu-se em sua bela casa no Bairro Novo Horizonte, num terreno que ganhara da própria Prefeitura. O rapaz que amou por longos anos já não estava mais presente em sua vida de reclusão.

Teve de contentar-se com outros relacionamentos fugazes que vieram a troco de alguns trocados nos anos seguintes. E dizia, como Gabo em dois momentos distintos, que “o sexo é o consolo que a gente tem, quando o amor não nos alcança”, e que “o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso pacto com a solidão”.

* O autor é jornalista há 26 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.