Correio de Carajás

O turismo Espacial e a desigualdade nossa de cada dia

Desde o princípio da humanidade o ser humano quer se aproximar do espaço sideral e ao longo dos séculos foram desenvolvidas técnicas e instrumentos para visualizá-lo, entendê-lo e até mesmo para sair da Terra e vê-lo de perto. As motivações para aprimorar tecnologias que possibilitem os avanços em relação ao estudo do espaço, podem ser científicas, políticas, econômicas ou simplesmente por curiosidade. Mas já imaginou fazer uma viagem ao espaço simplesmente por lazer? Pois é, com o advento do turismo espacial você pode comprar uma viagem de alguns minutos ao espaço como se fosse um brinquedo de um parque de diversão, claro com a diferença de que este singelo passeio custa milhões de dólares.

No último dia 20 foi noticiado que o bilionário Jeff Bezos, (considerado o homem mais rico do mundo) fundador da Amazon e da empresa especializada em viagens espaciais Blue Origin fez um passeio de foguete sem piloto (considerando que todo o equipamento era automatizado) e com tripulação civil. Alguns dias antes (11 de julho), Richard Branson, outro bilionário com investimentos no ramo, também realizou uma viagem espacial de foguete. Uma viagem deste nível tem lá sua graça. Eu imagino que muitas pessoas gostariam de ter a oportunidade de fazê-la e, de fato, o turismo espacial representa um grande avanço tecnológico. É incrível que um foguete seja veloz e potente a ponto de sair da órbita da Terra e circular pelo espaço durante 11 minutos, sem piloto com apenas pessoas “normais” (bem, levando em conta o valor dessa voltinha, talvez não sejam tão ‘gente como a gente’). De qualquer forma essas viagens têm seus méritos, não podemos deslegitimar ou desmerecer tal conquista.

Mas a questão dessas viagens é que elas mostram o quão desigual é a nossa sociedade. Apesar do grande avanço tecnológico que torna o turismo espacial uma realidade, quem vai ter acesso a ele? Pessoas cuja fortuna é imensurável, que gastam absurdamente e sem pudor com quaisquer excentricidades, é claro. Você que está lendo agora, pense na sua vida, no seu dia-a-dia, no seu trabalho, nos seus gastos e se pergunte se haveria possibilidade de você estar naquele foguete. Eu acredito que não, acho até que esteja bem fora da realidade da maioria dos leitores. Fora que, eu suponho que você que está me lendo ainda esteja relativamente melhor em comparação com pessoas que estão passando fome, ou que estejam sem renda, ou entubadas em uma UTI lutando contra a covid-19.

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E é aqui que chegamos no segundo ponto desta conversa. Desde que o mundo é mundo existem diversos tipos de desigualdades. Problemas que afetam todas as classes sociais, mas obviamente as mais prejudicadas são sempre as classes socioeconômicas menos favorecidas. Fome, doenças, tragédias naturais, guerra, situação política instável, dentre outras coisas que acontecem no mundo todos os dias. Adicionando uma pandemia global que matou milhões de pessoas no mundo, causando crise econômica e colapso no sistema de saúde em vários países (inclusive no nosso). Após juntar todas essas mazelas percebemos que o mundo está um caos, e em meio a uma situação tão difícil temos bilionários gastando rios de dinheiro para realizar um mero capricho. Enquanto isso, pessoas se aglomeram nas filas dos açougues para pegarem ossos ou compram fragmentos de arroz (que antes eram usados para fabricação de ração animal) para se alimentar. Além disso essas viagens afetam também o meio ambiente. A princípio não é possível mensurar o dano ambiental concreto, mas como toda ação humana sobre a natureza impacta o planeta, no caso do lançamento desses foguetes a emissão de poluentes, o futuro nos mandará a conta.

Em contrapartida pode-se argumentar que realizar ou não realizar essas viagens não vai mudar os problemas da nossa sociedade, afinal é um projeto de anos e tem suas vantagens, pois incentiva pesquisas cientificas e gera empregos. Eu acredito que esses argumentos não estão completamente errados; não estou aqui para condenar o turismo espacial, a minha crítica tem como objetivo apontar que por mais que tenhamos conquistado um grande avanço, a maior parte da população ainda não conseguiu acompanhar, ainda estamos lidando com questões básicas de sobrevivência, ainda há pessoas morrendo de fome, morando nas ruas, com problemas de higiene e saneamento básico, ainda estamos com uma pandemia que mata cerca de mil pessoas por dia. Então eu não acho que o foco deveria estar numa viagem que não tem nenhum proposito cientifico e que no fim das contas é uma grande excentricidade.

Os bilionários que realizaram as viagens naturalmente defendem o turismo espacial e fizeram declarações interessantes. Jeff Bezos curiosamente afirmou que os críticos do turismo espacial estão certos em criticar, e que de fato temos muitos problemas aqui que devem ser consertados. Mas mesmo reconhecendo isso ele ainda argumenta que o turismo espacial é importante para as próximas gerações e que devemos olhar para futuro.  Richard Branson usou justificativas parecidas com a de seu concorrente: no seu twitter ele escreveu frases como “Estamos aqui para tornar o espaço mais acessível a todos” ou “Bem-vindos ao amanhecer de uma nova era espacial’’. Esses argumentos passam uma mensagem de avanços progressivos, que viriam beneficiar a humanidade, mostrando que a Ciência e a tecnologia operam no sentido de melhorar a vida das pessoas. Com isso fica o questionamento; por que investir tantos recursos científicos no turismo e nas viagens espaciais, que até podem trazer uma contribuição remota e a longo prazo, enquanto temos problemas emergenciais (como fome, miséria, doenças, falta de saneamento básico, entre outros) cujos avanços da Ciência poderiam ser essenciais para a sua diminuição?

 

Excepcionalmente o texto de hoje não é de minha autoria. Foi escrito pelo meu filho Guilherme Gonçalves, estudante do 2º Ano do Ensino Médio (Controle Ambiental no IFPA). Preocupado com questões sociais e ambientais, ele decidiu externar suas reflexões.