Correio de Carajás

O querencismo para proteger a cidade da gente

Ouvir falar mal de sua cidade é o mesmo que ouvir falar mal da mãe. E como tem gente que parece preferir lhe ferir no que mais lhe atinja. É só abrir a boca para dizer sou de tal ou qual lugar que logo o sujeito vai – ou por ter posto pés em dois milímetros da nossa poeira ou por ter lido duas linhas a nosso respeito – vai logo achar meio de meter dedo em ferida velha e cicatrizada para ver se abre e sangra para depois esgaravatar como coçasse deseducadamente ouvido em público.

Já criei um ardil para desviar a intenção justo primeira desses muitos intriguistas. Perguntam se eu não sou paraense e eu digo: Não. Sou do Sul. O cidadão olha vê que sou branco e alto e pergunta se venho de São Paulo, ou Santa Catarina, ou Rio Grande do Sul. Aí eu respondo Marabá – sul do Pará. Caímos ambos na risada e, na maioridade das vezes, estou salvo de críticas à terra mesopotâmica do sol, como a chama o bom poeta Ademir Braz.

Mesmo assim, tem quem perturbe. Principalmente, por ter notado eu dizer que não era do Pará. A discussão por causa do plebiscito não pode ficar para trás. Eles não reconhecem a nossa vitória. Mais de 90% não é coisa para se ignorar. Foi um instante de idiotice na nossa corte máxima. Quando não é o plebiscito são as críticas mesmo miúdas. Muitas vezes tento de algum modo desarmar o debatedor, embora na maioria das vezes prefira dar ouvidos mocos.

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Em setembro, um taxista ao me ouvir dizer que era de Marabá, falou conhecer a cidade como a palma de sua mão. Ele sempre viajava para lá e teve ocasião de ficar por três meses. Ah, é!? Então você andou pelo Geladinho ou Flexeira, começando por Morada Nova e São Félix? Disse que não. Então tentei os núcleos para cá do Tocantins: Bairro Bela Vista, ou Santa Rosa, ou Avenida Antônio Vilhena? Ele não sabia onde ficava e tentou remendar dizendo só conhecer o centro. Ora, ora, ele só conhece o centro da palma da mão dele.

Numa viagem para Bragança, num desses veículos de lotação, uma jovem de uns 16 anos, acompanhada da tia, disse que não gostou de Marabá, pois não viu onde ter diversão para sua idade. Perguntei onde ficou instalada e ela disse que ficou quase um mês numa das Vilas Militares e que na casa não tinha ninguém de sua faixa etária. Além disso, não saiu da vila nenhuma vez. “Me desculpe, mas você não esteve em Marabá, você esteve numa parte de Marabá que não corresponde nem a 3% da cidade”. Disse a ela da próxima vez entrar em contato com um dos meus sobrinhos, pois eles iriam fazer conhecer Marabá e seus divertimentos diurnos e noturnos. Não é Ezequias?

O último que vou citar foi muito pontual e foi uma das poucas pessoas que ponderou elogios antes de fazer uma crítica. Disse que Marabá tem muitos lugares bonitos, mas tem um muito feio: aquela rodoviária velha. Não me aborreci com este, mas o comentário foi-me violento. A rodoviária velha, e a visão que se tem da cidade a partir dela, faz parte das minhas memórias afetivas de quando menino cheguei a Marabá em 1984. Nunca a achei feia ou bonita. Nunca fiz julgamento de valor estético, arquitetônico. E ainda agora fico impossibilitado de fazer.

Um dos versos do meu poema Noturno (depois canção, por Paulo Cardoso) deve referir-se a imagem que meus olhos de sete anos registraram: “este colar de luzes sobre as águas / brilha e mergulha nos olhos de mim”. Se Olavo Bilac, nosso parnasiano mais ‘romântico’, afirma ser preciso amar para entender e escutar as estrelas, muito há de beleza em Marabá, e nas cidades que moram nos nossos afetos. Cuido nem ser preciso tanto amar para reconhecer. Um olhar de respeito e sem despeito talvez baste. Algum cuidado antes de meter o dedo sujo no afeto alheio também.

Por enquanto vou mantendo o meu ardil e bancando o avesso do seu Saraiva. Porque meter a mãe no meio é motivo de quatro dorsos de dedos, já falar da minha city… nem te conto! (Abilio Pacheco, professor, escritor)