Os idosos correspondem a quase 15% da população brasileira. Apesar das estatísticas de aumento da longevidade nos últimos tempos, eles ainda sofrem preconceito.
Em meio às limitações no mercado de trabalho e estereótipos que ditam os locais, roupas e estilo de vida que devem ser adotados, essa parcela da população tem se mostrado cada vez mais ativa, revelando como a longevidade pode ser positiva.
“A gente já vivenciou tanta coisa, que muitas delas se tornaram assim: o depois é agora, tem que ser agora. E para a gente decidir isso, realmente temos que ter coragem e segurança, porque os medos e as inseguranças, nós já tivemos. Agora, o nosso pensamento está mais estável e seguro”, contou a modelo Rosa Saito em entrevista à CNN.
Leia mais:Embora seja positiva para Rosa, a velhice pode chegar junto a apontamentos que definem a forma como pessoas com mais de 60 anos devem agir. Conforme descrito no Relatório Mundial sobre Idadismo, da Organização Mundial da Saúde (OMS), o etarismo se refere a “estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionadas às pessoas com base na idade que têm”.
O tema ganhou repercussão no Brasil na última semana após a divulgação de um vídeo em que estudantes do curso de Biomedicina de uma universidade particular de Bauru, no interior de São Paulo, debocham de uma colega de 40 anos.
No vídeo, uma das estudantes ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo na sequência, outra jovem responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira fazendo uma cara de deboche.
Consequências do etarismo
Segundo a médica e presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Ivete Berkenbrock, o etarismo aumenta a cada ano que a pessoa envelhece, tendo consequências até mesmo psicológicas.
“O preconceito afeta a saúde mental da pessoa, porque ela tende a ficar em isolamento, não se sente confortável no ambiente onde ela é basicamente rejeitada por de ter mais de 60 anos. Isso pode levar à depressão, porque a cada vez que a pessoa pensa em fazer algo, ela interioriza isso”.
Além do impacto na saúde mental da população idosa, o etarismo também afeta o cotidiano. Em entrevista, Ivete explicou que atividades de lazer e locais para prática de atividade física, por exemplo, não contam com acessibilidade. Para a especialista, promover acesso apenas à área da saúde é uma forma de resumir os idosos às doenças, negligenciando a realização de seus prazeres.
Ainda assim, a saúde da pessoa idosa também é algo a se orgulhar: “O aumento da longevidade é a maior conquista coletiva da humanidade nos últimos tempos. Isso é um privilégio e mostra o quanto nós já fomos capazes de vencer doenças infecciosas, de passar por guerras e fenômenos climáticos, de vencer doenças”, afirmou Ivete.
Conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 a expectativa de vida no Brasil era de 76,6 anos.
Dando força para essa perspectiva positiva sobre o envelhecimento, a modelo Rosa Saito afirma aos 71 anos que vive realizações e lembra a importância de pessoas jovens combaterem o etarismo.
“Mesmo que esteja na flor da juventude, é o momento de a pessoa realmente parar, pensar, pôr a mão na cabeça, porque são pessoas que já vivenciaram, que têm experiência. Então seja no trabalho ou dentro de casa, são pessoas que têm uma carga tão grande de sabedoria, de vivência, que têm que ser respeitados. As pessoas têm que se pôr no lugar”, diz.
Além de desfilar nas passarelas, Rosa se mostra como um modelo a ser seguido por quem não quer se limitar aos estereótipos sobre quem tanto assiste o tempo passar.
“Enquanto tiver alegria de viver, não tem essa de ‘ai eu estou com x idade’. O que é x idade? É um mero tempo? A idade está na sua cabeça. Eu acho que não existe. Enquanto você estiver viva, tem que tentar ser feliz, correndo atrás daquilo que você um dia teve vontade de fazer. Dê motivação para você viver, motivação para você se sentir feliz”, afirma.
Impactos no mercado de trabalho
A gerente de projetos da Maturi Fabiana Granzotti explica a origem do termo. “O etarismo ou ageísmo, que é derivado do termo aging, do inglês, é o preconceito por idade”, disse.
Segundo ela, o preconceito contra pessoas mais velhas interfere em todas as idades – como uma pessoa vista como jovem demais para ocupar um cargo de liderança, por exemplo.
“No entanto, ele é mais acentuado para os mais velhos, devido a estereótipos, de que eles são desatualizados, desconectados da tecnologia e não acompanharam as mudanças. Mas isso não está ligado à idade, mas às oportunidades de cada um”, completou.
Fabiana, que comanda uma empresa especializada no tema, afirma que o Brasil já tem 37,7 milhões de idosos, que estão aptos a contribuir de diversas formas para o mercado de trabalho, incluindo a mentoria.
“Ela é muito positiva, uma pessoa com mais experiência passou inclusive por situações mais difíceis, pode contribuir para aqueles que estão começando agora no mercado de trabalho, que não conseguem ter visão mais sistêmica, e os jovens, por outro lado, que já nasceram conectados, conseguem dar o suporte tecnológico”.
Esta parceria é positiva, segundo ela, para a criação de novos produtos, resiliência e ambientes mais produtivos e felizes. “Hoje em dia se fala da necessidade da saúde mental e se observa bastante como a troca é positiva, cada qual tem sua vivência, esse aporte é superimportante”.
As mudanças, no entanto, não devem partir apenas do profissional. “As corporações olham de forma estereotipada, de custo maior, mas tem um outro ponto que o mercado vem oferecendo, os dois lados chegam a um comum acordo, o que as pessoas maduras esperam e como as corporações podem ser remanejadas para absorver as pessoas mais experientes, com programas de consultores, por exemplo”.
“O mercado de trabalho não é mais o que era há dois anos, a pandemia acelerou todo esse processo. A população 50+ deve se manter atualizada, buscar carreiras transversais e as corporações devem ter essa visão de novas formas de contratações, com aporte de conhecimento, sem sofrer com altos salários”, avaliou.
A especialista afirma acreditar que é necessária a “queda de paradigmas dos dois lados” para absorver a população que daqui a pouco será maioria no Brasil.
(Fonte: CNN/Amanda Garcia, Talita Amaral e Carol Raciunas)