Correio de Carajás

O que a boca diz sem falar?

Consultas frequentes ao dentista identificam e evitam problemas graves de saúde

Uma simples visita ao dentista pode ter salvado a vida do geógrafo Juliano Corrêa, de 25 anos. Ele era adolescente, em 2012, quando sentiu um incômodo na gengiva e procurou o especialista em periodontia e implantodontia Marcos Soares, que atua em Parauapebas, no sudeste do Pará. No consultório, descobriu uma hiperplasia, que consiste em um aumento de tecido na gengiva.

“O dentista falou que precisava fazer uma cirurgia pequena pra remover. Fizemos e os pontos e não cicatrizavam. A partir disso, ele solicitou que eu fizesse exames de sangue e as plaquetas estavam muito abaixo do normal”, relembra o paciente.

O dentista conta ter percebido que algo não estava bem e pedido urgência na entrega dos exames laboratoriais. Em seguida, foi procurado pela bioquímica responsável, que o alertou sobre as alterações e solicitou fazer um exame mais avançado.

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“Eu autorizei e então detectamos que o resultado indicava um processo de leucemia. Não posso estabelecer o diagnóstico, por isso o encaminhei para um médico que pudesse prestar assistência o mais rápido possível, tanto para o diagnóstico, quanto para o tratamento. Assim foi descoberto que ele tinha um tipo de leucemia”.

No dia seguinte o geógrafo já havia embarcado para a capital do estado, Belém, onde passou por um mielograma, que avaliou a medula óssea e que confirmou o câncer. No final da mesma semana ele e a mãe viajaram para o estado de São Paulo, onde o tratamento foi iniciado.

Foram três meses de quimioterapia até a cura, mas no ano seguinte ele sofreu uma recaída e passou por um transplante autólogo, no qual as células-tronco do próprio paciente são removidas e armazenadas até o momento do transplante. “Fiz o acompanhamento durante cinco anos. De seis em seis meses eu fazia todos os exames de medula óssea, mas nada foi detectado durante esse período. Agora, passados sete anos, estou bem”, comemora.

Juliano Corrêa descobriu a leucemia durante um procedimento com o dentista Marcos Soares/ Foto: Luciana Marschall

Conforme o paciente, a equipe que tratou o câncer deixou claro que o diagnóstico aconteceu no limite de tempo necessário antes que o caso ficasse ainda mais sério. “Se demorasse um pouquinho, talvez eu não estivesse aqui para contar a história. Eu estava vivendo normalmente, tranquilo, e tive esse incômodo gengival. Já vinha me sentindo um pouco mais fraco, mas não tinha me preocupado. Passar pelo dentista foi fundamental”, destaca.

SINAIS

Marcos Soares explica que a boca pode apresentar diversos sinais de que há algo errado no corpo. “Existem bactérias da boca que estão associadas a tipos de câncer. Existem condições bucais que sinalizam o HIV ou outras infecções sexualmente transmissíveis. São várias situações que a gente pode perceber através de um diagnóstico bucal”, diz.

Ele ressalta que nem toda lesão na boca está associada a um problema sistêmico e na maioria das vezes trata-se de problema bucal que pode ser diagnosticado pelo cirurgião-dentista e tratado por um odontólogo especialista. Há a possibilidade, contudo, de estas questões causarem transtornos em outras partes do corpo. “Se você tem uma doença periodontal, por exemplo, pode desenvolver outras patologias e isso pode estar associado à potencialização de condições sistêmicas”.

Ele explica que uma dessas condições é a possibilidade de uma doença cardiovascular associada a um problema periodontal causar um infarto. “A bactéria que está na gengiva pode se alojar na artéria do coração e uma placa aterosclerótica ir colonizando. Assim, ela agrega mais gordura e em face disso pode obstruir a artéria e provocar um infarto. Essa placa também pode se desprender e provocar um derrame”.

O especialista lembra que a patologia gengival é inflamatória e pode potencializar problemas renais crônicos ou estar associada a partos prematuros e baixo peso recém-nascidos. Também há a potencialização de questões ligadas à diabetes. “A repercussão da saúde bucal é muito grande sobre a condição sistêmica”, define.

COVID-19

Com a pandemia do novo coronavírus outras situações passaram a preocupar os profissionais de saúde bucal. Marcos afirma existirem alterações na própria cavidade oral em face da covid-19. “No caso do paciente que avançou para uma condição grave, na qual ele vai ser entubado, se ele tiver um problema periodontal há risco maior de desenvolver uma pneumonia ou uma infecção hospitalar e acabar falecendo”, alerta.

Além disso, o isolamento social, as incertezas e preocupações decorrentes deste período aumentaram casos de estresse e ansiedade e estes desaguaram nos consultórios dentários, onde pacientes reclamam de bruxismo e de apertamento dentário.

A engenheira e ilustradora Amanda Gil, de 31 anos, é uma dessas pessoas. Ela conta que no ano passado ouviu do companheiro que ele acordou assustado de madrugada escutando “um barulho de porco do mato” em meio à zona urbana de Parauapebas.

Amanda foi avisada do bruxismo pelo marido: “som de porco do mato”

Pouco depois, percebeu que o som não vinha de nenhum animal selvagem, mas de Amanda. “Era um barulho de dente batendo muito alto e era eu rangendo os dentes. Aí eu marquei o dentista, né? Eu fui e ele viu que havia os desgastes e que provavelmente era bruxismo”.

O profissional que a atendeu informou ser possível confeccionar uma placa para evitar que os dentes se estragassem, mas indicou que a ilustradora procurasse um psicólogo para diagnosticar a causa do problema. “Eu comecei a fazer terapia e diminuiu bastante. Nem cheguei a fazer a plaquinha porque tenho muita agonia de dormir com alguma coisa na boca. Me incomoda muito. Então, fui direto para a terapia”.

Soares explica que o bruxismo é uma condição bucal que aparece quando há um processo de ansiedade e de estresse. “Nesses casos, a gente tem que fazer um tratamento associado com os profissionais de saúde mental. Dentro do consultório odontológico a gente pode fazer uma terapia que vai prevenir o desgaste da coroa dentária, mas ao mesmo tempo tem que ser resolvido o problema da ansiedade”

RECOMENDAÇÕES

O especialista recomenda ser feito o autoexame constante da boca e o acompanhamento profissional de seis em seis meses. No caso de haver dor, sangramento ou inflamação, o dentista deve ser procurado imediatamente. A mudança de hálito também pode ser sinal de uma desordem periodontal que pode evoluir para uma situação mais complexa e sistêmica. (Luciana Marschall)