Correio de Carajás

“O papel do magistrado ainda é pouco compreendido”, diz juiz

Um dos temas mais controversos deste início de ano no Brasil, é a entrada em vigor da nova Lei nº 13.869, de 5/9/2019, que define os crimes de abuso de autoridade. Ela começou a vigorar e tem o poder de enquadrar juízes, promotores e policiais que sejam acusados de conduta excessiva. Candidato à Presidência da Associação dos Magistrados do Estado do Pará (Amepa), o juiz Líbio Moura considera que os efeitos da lei ainda serão percebidos ao longo de anos, e que certamente podem tornar mais tímidas a atuação de agentes públicos. Para ele, o papel de entidades como a Amepa, na defesa dos seus membros, será ainda mais importante de agora em diante, no novo cenário.

Líbio, que ficou na Comarca de Marabá entre 2004 e 2008, também foi titular em Parauapebas, de 2010 a 2016, onde se destacou na Vara Criminal e também na direção do Fórum. Ele hoje está respondendo pela 2ª Vara Criminal de Castanhal e como auxiliar da Vara de Organização Criminosa da Comarca de Belém. O magistrado também já foi vice-presidente da Amepa, e tem na sua chapa outros três ex-presidentes da entidade: Heyder Tavares, desembargadora Raimunda Noronha e o atual, Sílvio César Maria.

Leia mais:

Candidato à Presidência da prestigiada associação, que existe desde 1970, Líbio Moura esteve em Marabá esta semana e falou ao Jornal CORREIO. Fora a dele, existem outras duas chapas concorrendo à liderança da entidade e que são capitaneadas pelos juízes Roberto Rodrigues, da Santa Luzia do Pará e Adriano Gustavo Seduvim, de uma das varas da Capital. A eleição será nos dias 23 e 24 de janeiro.

Leia o resultado da entrevista:

CORREIO: Quais são os principais objetivos colocados pela sua chapa para a entidade e como isso tem sido recebido pelos magistrados?

Líbio Moura: A eleição da Associação envolve dois aspectos: um que é mais interno — uma questão entre os próprios juízes e, portanto, mais classista — e outro que é o ponto de vista social, de como a magistratura se mostrará para a sociedade. A nossa chapa tem essa proposta. Queremos fazer uma defesa mais contundente da magistratura, sobretudo diante dos dilemas que estão se apresentando atualmente, sendo o principal deles — o qual deve persistir pelos próximos três anos, que é o mandato da AMEPA — a entrada em vigor da chamada Lei de Abuso de Autoridade. Esta Lei, de fato, criará uma dificuldade para o exercício da magistratura — em especial a estadual, que é mais próxima da criminalidade —, porque alguns pontos da Lei cria o chamado “crime de interpretação”, ou “crime de hermenêutica”, como nós chamamos, punindo a interpretação do juiz no caso concreto.

Isso é perigoso para a magistratura, porque é da natureza do processo e da natureza do ser humano no processo: o inconformismo com a decisão. Então, cada vez que ele recebe uma decisão contrária, o direito dele é recorrer. Pela Lei de Abuso, uma eventual decisão que caia lá na frente pode vir a se tornar crime. Então, nesse primeiro aspecto da nossa campanha, nós estamos preocupados com isso. Além disso, do ponto de vista endógeno, isto é, dentro da nossa carreira, faremos a defesa da recomposição salarial e outros assuntos.

CORREIO: O senhor acredita que o próprio advento da Lei de Abuso de Autoridade aumenta a importância de representações como a da AMEPA?

Líbio: Aumenta o papel das associações locais e, nacionalmente falando, da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Nós acabamos, inclusive, de ser eleitos para a chapa nacional, que tem um fato bastante interessante a ser comemorado: a eleição da primeira mulher para a Presidência da Associação, Renata Gil, juíza do Rio de Janeiro.

CORREIO: Dr. Líbio, outra situação que surgiu agora foi a figura do juiz de garantias. Como o senhor está vendo este tema controverso?

Líbio: O que é, didaticamente, o juiz de garantias? Nós, a partir da Constituição de 88, adotamos um modelo de processo penal chamado “sistema acusatório”. Nesse modelo, o juiz não participa de coleta de provas, de ofícios, ou seja, ele não pode impulsionar sozinho o processo. O juiz de garantias, nessa visão, serve para produzir uma prova cautelar — que ainda não é durante o processo — e outro juiz julga esse processo para haver imparcialidade. Nessa visão, a figura do juiz de garantias é interessante, porque ele deixa imune o juiz que julgará.

Agora, o que está representando o entrave momentâneo? Como algumas mudanças legislativas, o assunto não foi trabalhado com quem deveria. No nosso caso, como estamos falando de magistratura, precisavam ter conversado com os tribunais, em especial com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nós temos, na atualidade, como juízes estaduais, aproximadamente 17 mil. Nesse meio, há muito o que se discutir. Acredito que uma alternativa seja suspender o prazo para a entrada em vigor, que seria agora dia 23 de janeiro. O que deveria ter sido feito antes da aprovação terá de ser feito agora para discutir.

CORREIO: O senhor já tem 15 anos como magistrado, a primeira lotação foi aqui em Marabá e depois se destacou como juiz em Parauapebas, participando, inclusive, do desenvolvimento do Fórum, que era bem acanhado. Como o senhor está vendo hoje o exercício da magistratura no interior?

Líbio: Engraçado que para quem está chegando agora por aqui fica a percepção de que falta estrutura. Nas conversas que eu venho ouvido pelo interior, é natural gente dizendo que falta isso e aquilo, mas eu me recordo que, quando cheguei aqui em junho de 2004, o Fórum ficava na Folha 30. Era bem pequeno, com uma sala que abria direto no juiz, pois não havia secretaria adequada, e, por exemplo, Marabá cresceu muito de lá para cá. Hoje a estrutura da Comarca é excelente em comparação com aquele tempo, mas, claro, os que estão aqui sempre cobrarão melhorias, assim como quem está em Fórum pequeno o fará. Sempre haverá reclamação quanto à estrutura.

A minha história na magistratura está toda sediada no sul e sudeste do Pará, e isso é motivo de orgulho para mim. Fiquei até 2008 em Marabá, como substituto, depois fui titularizado em Santana do Araguaia, mas voltei para Jacundá em 2009, respondendo aqui também em 2010, saindo depois para Redenção e, ainda em 2010, fui para Parauapebas, onde fiquei até 2016 respondendo pela Vara Criminal e pela direção do Fórum em um período que terminou no fim da primeira expansão. Estou há três anos em Castanhal, desde janeiro de 2017, e auxilio a Vara do Crime Organizado na Capital, que abrange todo o estado.

CORREIO: Quantos são os juízes no estado do Pará, qual é o universo de votantes?

Líbio: São 460 magistrados na AMEPA, esse é o universo, envolvendo desembargadores. No caso, desses 460, 111 são aposentados. Então, 351 juízes em exercício no Estado do Pará atualmente, que abriga 108 Comarcas para cuidar de 145 municípios.

CORREIO: Quais são os principais desafios que o senhor vê tanto para o futuro da magistratura quanto para o exercício profissional e também para o Judiciário paraense nos próximos anos?

Líbio: Os nossos olhos estão voltados para a sociedade, eu sempre digo isso. Essa é, por sinal, uma diretriz pedagógica que nós estamos trabalhando atualmente na Escola Nacional da Magistratura: promover a formação do juiz em dois patamares, sendo eles Ética e Humanidade. O Judiciário só se encontrará, e a sociedade passará a compreendê-lo, quando ele começar a se mostrar mais presente. É muito comum a crítica das pessoas aos juízes, porque elas veem, nas garantias, privilégios. A exibição da Justiça é importante, portanto, para que o público entenda a atuação do magistrado. O Judiciário é muito importante, volto a insistir, para pacificar esse mundo em conflito. (Patrick Roberto)