Correio de Carajás

O medo de eu precisar de um coach para seguir

Tenho a impressão, desde menino na Travessa Lauro Sodré, sofrer de uma ansiedade crônica. Esperar, toda semana, por uma mudança às segundas-feiras. E mais aperreante que as manhãs de segunda são os começos de ano. Um atrás do outro e a sensação de ser engolido por propósitos de manada e a idade se indo.

Sempre na expectativa de uma virada no enredo da vidinha real. É muito chato fazer listas ou se obrigar a ter “foco”, tipo planilha de Excel. Essa organizaçãozinha capital, positivista, traduzida em ganhos de dinheiro, sucesso, metas e, agora, a necessidade de um “coach”.

Puxa vida! Não diferente das outras trocentas pessoas, quero arrumar as gavetas; doar as roupas que comprei e pouco usei; mandar trocar o piso da garagem; subir o muro no fundo do quintal; chamar o homem para consertar o forno do fogão; limpar o ar condicionado… Coisas que vão virando os anos e parece que vou adiando.

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Também resolver, aos 51 anos, se vou voltar para universidade e me decidir por um mestrado (como se isso fosse a coisa mais importante da terra). Mas quero, ainda, fotografar todos os pássaros e bichos do mundo; viajar por aí; dar mais atenção a minha mãe; encontrar mais minhas irmãs, curtir mais meus filhos e alguns amigos. Ser um companheiro mais amoroso.

Engraçado, quando se é mais menino, colocam na cabeça da gente que o futuro só presta se conseguirmos nadar em dinheiro. Daí a jumentice, durante boa parte dos anos, de tentar enriquecer. Trabalhar aqui, ali, levar trabalho para casa, ficar até meia noite na frente e do computador e acordar cedo no dia seguinte para fazer atividade física.

Ora, ora, como se isso estivesse condicionado somente a bestice da meritocracia e à ilusão do trabalho de sol a sol. Fosse assim, eu seria um Tio Patinhas, pois fui continuo aos 14 anos de idade em um dos bancos que engoliam a Avenida Antônio Maia.

Entendam, não sou contra as metas, mas essa palavra poderia ser menos autoritária. Nem sou contra alguém se organizar, obstinadamente, para viver em Dubai. Não. Do contrário, eu já estaria morto. A falta de frivolidade nesse modo de atravessar a vida é que me incomoda.

Sofro de uma inquietação de estar sempre no meio de uma encruzilhada. E gosto das encruzilhadas, mas é humanamente cruel acordar os dias (muitas vezes feito iPhone pra repetir tarefas) e estar insatisfeito com a ordem das coisas.

Sonho morar numa rua em que a poeira não invada minha casa, como hoje. Há 17 anos vivo num local que não tem previsão de receber asfalto nos próximos 15 anos. Comprei um terreno bem ali, num lugar bacana, mas falta grana para construir. Mas não vou morrer para alcançar esse objetivo.

Tenho grandes prazeres, cara leitora e leitor. Não sou apenas incômodo, mas estou de saco cheio dessas regras para alcançar o prana. Esse impositivo nos degraus do triunfo particular…

Desejo feliz ano novo porque preciso acreditar, de verdade, que será melhor. Nada dessa história de ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro. Neco treco.

Juro, queria ser mais cartesiano, mais produtivo, mais senhor dos objetivos, ser mil e uma utilidades, empreendedor; ser o funcionário padrão, dar conta de tudo, ser toda hora potente, performático, criativo, ser o mais curtido no Insta ou ter uma carrada de “amigos” no Face… Mas, não estou nesse patamar!

Não dou conta dessas loucuras do tempo presente. Talvez, devesse ir para uma terapia ou ir me constelar. Ou não. Fotografar besteira de ‘passarins’ e encontrar mestre Wilson Barros e remar Tocantins acima já me desengasgam a espinha.

* O autor é jornalista há 25 anos e escreve crônica na edição de quinta-feira