Correio de Carajás

O encanto de olhar para frente e para trás na vida

Entrarei em maio um pouco mais “antigo”. Chegarei aos 53, mas faz tempo que já me considero com essa idade. Os médicos teimam que meu joelho esquerdo já tem 65. Ninguém quando tem 10, 17 ou 25 anos de idade, se imagina lá na frente. E é esquisito uma criatura, perto ou um pouco mais além dos 50, passar a ser tratada por senhor ou senhora. Na maioria do tempo, o espírito de menino me veste num calção “véi” sem cueca, nu da cintura pra cima, nas ruas da Velha Marabá. Ou cubando a rua a partir da calçada alta do número 444 da Travessa Lauro Sodré.

Ali, esperando por chuva e pelo Natal. Cansado da temporada esticada de quentura. Doido pra traquinar com o forte chiado dos pingos nas telhas e a invasão do cheiro de terra-molhada subindo do chão. Chega um tempo na vida que a gente olha para trás com saudosismo e para frente com o temor do que virá, de como vai ser…

Parece que ainda vejo meu pai esbaforido de cachaça vindo do Cabelo Duro, melado, tranquilo e disposto apenas a deitar em uma cama e ficar chamado o nome “Minha Velha”. Minha mãe bonita, baixinha, dona de pensão, mulher de sorrisos e de cozinha. E Leriano Pé de Bode a chegar em casa duas vezes por dia com cambos de água, carregando latas pesadas, indo parar lá na cozinha.

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A memória é, ao mesmo tempo, uma desgraça e um bom lugar para se revisitar. Visitá-la, abraçá-la quando for, resolver-se com ela e até chorar. Depois, ir embora sem apegos. Sem redemoinhos, sem fantasmas que não carecem mais ficar por aqui.

Ver passar o tempo, não querê-lo trancado na água furtada ou falsamente aprisionado nas fotografias, talvez seja a janela.

Aos 50 e poucos já se experimentou um bocado. Entramos e saímos de uma centena de crises íntimas e clandestinas. Os amores contrariados, o casamento, os filhos ou as crias que nunca vieram…

As tias envelhecidas, a mãe que já não pode mais preparar a comida gostosa de antes, o pai que tombou depois de um AVC quase fulminante. Os irmãos que deram certo e os que ainda não encontraram um rumo cartesiano de ir vivendo… Os estorvos que vamos criando amarrados no pé da cama.

Noutro dia (temos a ilusão que foi ontem), minha mãe se preocupava com um tédio que não queria se desgrudar de mim. Do medo de eu virar gente, do entra e sai nas salas de aula do ensino médio, as aulas que eu ia enjoando a cada semestre.

 Da falta de vontade de ser funcionário público e garantir a aposentadoria… Pois bem, aos 53, ainda fico pra lá e pra cá. Duvido, muitas vezes, até do que ando fazendo e ruminando.

Penso noutras portas, corro a outras janelas. Talvez isso seja uma grande frescura de rabo como dizia minha tia Maria Pompeu em sua psicologia da vida prática.

Pode ser. Tenho de ir indo, subindo e descendo dos cavalos que forem aparecendo. Sem culpa de achar que perdi o cavalo selado e encantado que iria me levar à fada madrinha. E ela ao rei. O rei a um banquete. E lá, à filha dele. Uma princesa que me tiraria para seu par…

Confesso, de um tempo pra cá, ando idiotamente calculando como será minha vida daqui a dez anos, como será minha vitalidade para o trabalho, onde estarão os filhos, como estará minha neta que ainda não tem um ano de idade. E por qual motivo ainda não fui para o mestrado, o doutorado e outras coisas….

Ora, ora, uma colega dos tempos da faculdade me deu uma lição. Escreveu no Instagram que estava feliz porque resolveu ser cabeleireira, maquiadora e designer de sobrancelha.

Depois de ter feito jornalismo na UFPA, ter cursado sete semestres de Direito e falar inglês fluente, decidiu ir para o Senac… Foi ter prazer por agora. Depois é depois.

* O autor é jornalista do CORREIO há 27 anos e escreve crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.