Correio de Carajás

O desabafo de Monalisa que calou vozes no Outubro Rosa em Marabá

Além de emocionar, o desabafo, feito na Câmara Municipal de Marabá, trouxe à tona os graves problemas enfrentados na saúde do município

Monalisa foi uma voz solitária que escancarou o descaso com suporte para pacientes com câncer em Marabá

A maior parte da sessão do Outubro Rosa, na Câmara Municipal de Marabá, na última quarta-feira, dia 4, foi marcada por falas de autoridades, que passaram a imagem de que o serviço que o poder público está oferecendo no combate ao câncer é satisfatório. Mas a voz de uma mulher, ao final do evento, desmontou todos os discursos anteriores, provocou lágrimas e mostrou que Marabá ainda está longe de oferecer dignidade aos pacientes com câncer.

Aos 39 anos, a técnica de enfermagem, assistente social e conselheira municipal de saúde de Marabá, Monalisa Miranda, está tratando pela segunda vez um câncer de mama.

Monalisa fez um longo e emocionante desabafo sobre as dificuldades enfrentadas por todos – principalmente as mulheres de Marabá – que precisam realizar um tratamento oncológico.

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Monalisa trouxe à tona os problemas enfrentados na saúde pública de Marabá, que não possui uma rede de apoio para que mulheres possam realizar seus tratamentos na cidade, perto da família.

Daqui para frente, o texto será em primeira pessoa para que o leitor consiga entender com mais propriedade o relato da paciente:

“Nem sempre pode haver a necessidade de se esperar até os 40 anos para poder receber um diagnóstico. Recebi o meu (diagnóstico) em 2019, quando estava em Caxias do Sul, para participar de uma palestra da Associação Paraense das Pessoas com Hemofilia. Lá, teve um momento do autoexame e eu descobri. Aquilo me causou muita estranheza, porque sou técnica de enfermagem e assistente social e, de repente, me vi numa palestra, longe de tudo e de todos, e me aparece esse nódulo. Acho muito forte a palavra câncer. Ainda não consigo me aceitar assim.

E aí, a médica que estava nessa palestra foi acolhedora comigo. “Naquele momento foi um anjo que Deus colocou na minha vida e me ajudou durante todo o meu processo e fiz o primeiro tratamento. Para a minha tristeza, dois meses atrás apareceu novamente o nódulo.

“A gente não tem recurso nenhum em Marabá para isso. Lembro que não tinha um mastologista para fazer a punção que eu precisava naquele momento. Conversei com a médica do Rio Grande do Sul novamente e ela disse: ‘vem pra cá. Tem como vir amanhã?’. Eu disse ‘não, mas depois de amanhã retorno’.

Fui, fiquei um mês e pouco lá, e mais ou menos uns vinte dias sob observação médica, sem poder me ausentar. E o que me deixa triste, e falei para as colegas quando cheguei aqui, infelizmente a gente não tem motivo para comemorar Outubro Rosa em Marabá. Porque até hoje não temos uma política de prevenção de saúde por parte do nosso município. Infelizmente, tenho muitas colegas e que integram o setor de saúde, que respeito e que fazem um trabalho maravilhoso, mas que infelizmente elas não têm como fazer muita coisa porque não tem recurso para isso.

E vocês não imaginam o que é, no pior momento da sua vida, ter que sair de perto da sua família, ter que ir para outra cidade, sozinha, sem ninguém. Na primeira vez que cheguei lá e o médico me perguntou “cadê teu acompanhante?” e eu não tinha. Ninguém da minha família pôde, naquele momento, me acompanhar. Mas, se eu dissesse pra ele que estava sem acompanhante ele não fazia o meu processo naquele momento.

Eu fiz. Chamei um uber, entrei nesse carro e, sob o efeito da medicação, apaguei no banco. E mais uma vez Deus cuidou de mim naquele momento, porque aquele motorista do uber foi bacana comigo e me levou para o destino que eu tinha solicitado na corrida e me entregou. E depois ele virou um parceiro, toda vez que estou lá ele que me carrega para fazer os exames que preciso. Ele disse pra mim: “como que a senhora sai e entra num carro onde a senhora não conhece, e apaga? Eu lhe tirei desmaiada de dentro do carro”. Eu nem vi.

Hoje, Marabá não te oferece nada. Não oferece um oncologista. Não te oferece uma terapia, porque você fica totalmente fragilizada, principalmente eu que sou mãe de criança com deficiência. Olho todo dia para o meu filho e me pergunto até quando vou estar aqui pra cuidar dele? Até quando vou poder cuidar do meu filho? Ele é autista e tem deficiência visual e motora. Fico me perguntando “até quando?”.

Hoje vim aqui, e disse para as outras mulheres que não era pra gente estar aqui de rosa. Estou com esse turbante rosa em consideração a dona Rosalina, em consideração ao movimento que ela coordena.

Mas, não tenho motivo nenhum para colocar uma roupa rosa e vir para cá e dizer que está tudo bonito, porque não está. Infelizmente estou tendo que ir embora de Marabá porque não consigo ficar nessas idas e vindas. Tenho que ficar pedindo pra os outros ficarem com meu filho e não tenho suporte fora daqui para ficar me mantendo.

Fico triste também porque quem preside a Comissão da Mulher na Câmara é um homem, e não uma mulher. Com todo respeito ao Frank do Jardim União, mas no mínimo a gente tinha que ter uma mulher nos representando. Elas conhecem a nossa dificuldade. Mas, uma Câmara com 21 vereadores e apenas duas mulheres é uma vergonha para nós enquanto movimento. Na época das eleições cada um vai para um canto. Não é capaz de se juntar e fazer com que essa Câmara tenha uma bancada forte que possa nos defender.

CONSELHEIRA DE SAÚDE

Hoje, tenho vergonha de ser conselheira de saúde porque não posso fazer nada. Infelizmente é vergonhosa a situação que a gente vem vivendo. Sou filha dessa cidade. Minha família foi uma das primeiras dessa cidade. Aqui perdi meu marido, tive meus filhos, um deles não pude ter aqui por falta de recursos mais uma vez. Tive que ter ele no Maranhão porque aqui me disseram que tinha que fazer aborto e que não tinha jeito, porque estava com má formação na minha barriga.

Todas as vezes que precisei da minha cidade, não tive recurso da saúde. Isso me revolta muito. Estou indo embora em dezembro com o coração apertado e muito triste, por ter que abandonar o lugar onde criei raiz, onde sempre defendi os movimentos e sempre lutei de graça. Me dediquei aos movimentos sociais, lutei, briguei. Quantas caminhadas que nunca serviram de nada. Há quanto tempo nós estamos esperando a ala de oncologia do Hospital Regional, que nunca chegou? Quantas mulheres já morreram esperando essa ala? Talvez em 2050 ela chegue, porque me nego a acreditar que no segundo semestre de 2024 isso aconteça, infelizmente.

Amo Marabá. Minha família toda vive aqui. Mas, não tenho mais condições de ficar aqui por falta de estrutura, falta de saúde e de recursos.

A gente fica triste de ver nossas colegas mendigando. É muito triste ver uma colega que serviu tanto, que brigou por esse município, pedindo nas redes sociais que alguém ajude com R$ 5 ou R$ 10 porque não tem condições de se manter fora daqui ao tratar um câncer.

Um TFD (Tratamento Fora de Domicílio) vergonhoso de R$ 24,90. Pelo amor de Deus, isso não dá pra comprar nem um prato de comida, vocês sabem disso. A gente ter que se humilhar por causa disso é muito triste. Estou aqui fazendo esse desabafo porque estou extremamente triste.

Se Marabá quer ajudar as mulheres, que comece fazendo a prevenção na atenção básica. Não espere chegar num procedimento avançado para poder dizer Outubro Rosa.

Talvez ano que vem eu não esteja aqui entre vocês, como muitas que já passaram por aqui, fizeram desabafos nessa tribuna e no ano seguinte elas não estavam entre nós. Mas, quero que vocês se lembrem desse dia, que eu, Monalisa Miranda, fiz esse desabafo de tristeza pela cidade que nasci, me criei e hoje tenho que sair porque não tenho recurso na área da saúde”.

(Ana Mangas)