Correio de Carajás

Mistério do sumiço do “ouro bovino” na JBS de Marabá

Há quem diga que em Marabá, nas madrugadas silenciosas dos frigoríficos do gado abatido, circulam segredos tão densos quanto o sangue dos animais. Segredos em forma de pedra. Pedras que, embora nasçam dentro do corpo dos bois, brilham no mercado clandestino como objetos de alto valor, com o nome de: “ouro bovino”.

Dizem que são raras. Dizem que valem uma fortuna: cerca de R$ 300 mil por quilo. Alguns chegam a afirmar cifras até maiores. (Para se ter ideia, há reportagens que apontam que pedras biliares bovinas podem atingir valores astronômicos, em alguns casos mais de R$ 1,3 milhão por quilo, em função da demanda da medicina tradicional asiática).

Foi nesse cenário de cobiça velada que surgiram os casos – tantos que mais parecem lendas do frigorífico da JBS em Marabá. Eles se revelam nos corredores, no zumbido das máquinas, nos olhares desconfiados. Pedra que some. Pedras que se esvaem. E suspeitas que se acumulam.

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Conta-se que um jovem funcionário, até então de rotina discreta, teve o destino selado ao tocar uma dessas pedras. Dizem que ela passou por suas mãos – talvez no momento de manipular vísceras, no instante em que ocorre a extração da vesícula. Em seguida: desapareceu.

Pouco depois, ele foi demitido. Oficiosamente, ouviram-se rumores: “foi porque segurou a pedra e esta sumiu”. Alguns acreditam que ele tenha sido acusado de desvio; outros, que tenha sido apenas o bode expiatório. Mas ninguém confirma com segurança. O frigorífico, envolto em sigilo, não comentou oficialmente.

Mais emblemático ainda é o episódio que envolve uma colaboradora do Departamento de Recursos Humanos. Dizem que, em dia qualquer, ela saiu da empresa com uma dessas pedras. Não como objeto de estudo; nem como item de arquivo, mas como objeto “seu”.

A direção da JBS percebeu. Mandou que ela devolvesse. Ela, recusa. Mandaram reter o carro: uma Fiat Toro ficou presa no pátio da empresa. Até hoje. A pedra nunca foi encontrada, pelo menos em registro público.

Relatos afirmam que os chefes esperavam que ela apresentasse o “tesouro” para liberar o veículo. Mas eis o fecho da trama: o carro permanece sob guarda, e o destino da pedra, envolto em névoa.

Não é só a pedra que some. Picanha também se esvai e o rastro de furtos contra cortes nobres desemboca em muito mais do que prejuízo no balanço. Já houve trabalhadores punidos, suspensos, até demitidos por furtos de carne. Alguns afirmam ver concentração de casos em seções próximas à vesícula: coincidência perigosa ou conexão intencional?

É sabido que a JBS em Marabá abate cerca de 1.600 bois por dia. Em meio a esse volume, surge a pedra. Surge a tentação. Surge o espaço para falhas de vigilância ou para comunicações enviesadas. A cada boi abatido, a veia que guarda o “ouro bovino” pode estar ali, pronta para ser retirada, levada, contada no silêncio.

Oficialmente, nenhum documento público detalha essas ocorrências. A empresa, como é de praxe, não confirma. Trabalhadores falam em sussurros, sob temor de retaliação. Há quem diga que câmeras internas, câmeras nas esteiras, controles rigorosos de vesículas deveriam desfazer o mistério, mas o ouro bovino some do âmago do sistema.

O que se sabe é que o mercado clandestino não dorme. Que a medicina chinesa paga caro por essas pedras, as trata como elixir ou medicação valiosa. Que pastagens ricas em sais alcalinos, alimentação e tempo de vida do animal influenciam a formação desses cálculos nas vesículas.

E, entre boi e boi, alguém sussurra: “lá dentro, sob os jalecos brancos, corre ouro silencioso”.

A crônica termina sem solução definitiva, como mistério que segue corroendo a carne das instituições. Quem levou? Por quê? Será que existe cumplicidade interna? Ou apenas a audácia dos que sabem que o silêncio favorece o crime?

No entanto, o desaparecimento reiterado dessas pedras não é apenas um episódio pitoresco: é alerta. É sinal de que onde há valor extremo, há sombra. E que o “ouro bovino” pode ser mais que metáfora, pode ser enigma, pode ser crime dissimulado, pode ser o sussurro mais valioso do frigorífico.

Quem desvendará esse entrelaçado de vesícula e furtos? Até lá, a “pedra de fel” permanece como um fantasma que ronda a linha de corte, escondida nas entranhas da carne, invisível à vista, mas pulsante de desejo.

* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica às quintas-feiras

 

Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.



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