Segundo a Constituição Federal, “a educação é um direito de todos e é dever do Estado e da família”. E, dentro de um conjunto de direito sociais que buscam a igualdade entre as pessoas, está incluso o atendimento educacional especializado aos deficientes.
Contudo, a ausência de monitores na rede municipal de ensino de Marabá tem sido um dos principais problemas impostos à comunidade que necessita de atendimento especial. A sensação atribuída aos estudantes – e aos familiares – é de total descaso e abandono.
O CORREIO DE CARAJÁS conversou com quatro mães que lutam diariamente por uma educação digna e de qualidade para seus filhos com síndrome de down.
Leia mais:Adriana de Araújo, Lucilene Ferreira, Ronilda Costa e Sineia Nascimento querem quebrar barreiras impostas pelo município e fazer valer o direito para que seus filhos possam entrar no ensino fundamental e conviver com outras crianças, recebendo, assim, estímulos que irão auxiliar no desenvolvimento de cada um deles.
As mães afirmam que o assunto já passou pelo Ministério Público do Estado do Pará, Defensoria Pública, Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, mas trava na Secretaria Municipal de Educação (Semed).
Para elas, a inclusão escolar – seja de uma criança com síndrome de down ou qualquer outra deficiência intelectual – nos primeiros anos de vida costuma ter resultados muito positivos.
“Ela tem os direitos garantidos por lei”
Mãe de três filhos, Lucilene Ferreira, de 46 anos, luta desde o nascimento da filha caçula para que os direitos dela sejam garantidos. Evelin Ferreira, hoje com 6 anos, tem síndrome de down, autismo e é hiperativa. Além disso, a menina possui luxações nos joelhos e não anda.
“Nossa maior batalha está sendo por uma pessoa para auxiliar ela em sala de aula. Minha filha nunca pisou na escola até hoje”, lamenta a mãe.
Questionada sobre o sentimento de ver a filha fora da sala de aula, Lucilene afirma, categoricamente, que esse é um direito dela e está sendo tirado. “Não é porque a minha filha tem todas essas comorbidades que ela não tem o direito de ficar fora da escola. A lei garante, mas a prefeitura não cumpre. Mas, até então, pra gente aqui não é conseguido nada. Pra gente conseguir alguma coisa nessa cidade tem de entrar na justiça e lutar. É muita negligência”, fala, já com a voz embargada pelo choro.
Como todas as outras mães, Lucilene já recorreu ao Ministério Público do Estado do Pará, Defensoria Pública, Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência e com a própria Secretaria Municipal de Educação.
Ela conta que a filha possui todos os laudos sobre a necessidade de se ter uma pessoa exclusiva para acompanhar Evelin no âmbito escolar. “Minha filha não precisa somente de um cuidador, ela precisa de alguém para auxiliar na escola, pra alimentar, pra ir ao banheiro, porque ela não anda, é cadeirante. É muito difícil tudo isso, por isso estou atrás. Minha filha necessita. Já li todas as leis e sei que ela tem direito. Não vou desistir”, afirma.
Evelin precisa fazer duas cirurgias para poder andar. Lucilene conta que a menina tem frouxidão de desligamento dos joelhos, e que eles vivem saindo do lugar. “Ela não tem a patela, e a perna direita já está comprometida, o osso está na lateral e o da coxa pro outro lado. Ela não consegue nem ficar em pé. Então, essa é uma das minhas lutas também, para que essa cirurgia saia o mais rápido possível. Sonho ver minha filha andar. Ela é tudo. Tenho outros dois filhos, um de 26 e uma de 16, mas hoje minha batalha é por ela”, narra, entre lágrimas.
Escola para Guilherme só 3 vezes na semana
“Ele precisa interagir na sociedade. Mas, como que faz se o município não respeita a lei que está aí pra ser cumprida?”
Mãe de João Guilherme da Silva, de 3 anos e 11 meses, Ronilda Costa da Silva, 44 anos, tem travado uma batalha com a saúde e a educação municipal para que seu filho tenha seus atendimentos garantidos.
“Meu maior problema nos últimos tempos é em relação à aceitação dele na escola. Só consegui a matrícula por causa do Conselho Tutelar, mas as escolas do meu bairro não queriam me dar a vaga. Nenhuma das creches queria meu filho. Mas, o Conselho me ajudou e conseguimos”, começa falando.
Ela relembra que depois da vaga garantida, no mês de março, a matrícula na escola foi feita. Contudo, nunca chamaram Guilherme. No mês de agosto, a mãe voltou à escola para saber por que o filho ainda não havia sido chamado, e recebeu como resposta que não havia cuidador na escola e que ela deveria ir atrás na Semed.
“A diretora e a coordenadora da escola falaram que como ele tinha só síndrome de down, não tinha direito a cuidador. Então, questionei por que nunca chamaram ele, e elas me disseram que eu tinha que ir na Semed”.
Ronilda foi, e afirma que percebeu um desencontro de informações. “Queriam mesmo me tirar dali pra eu desistir de colocar ele na escola”.
Chegando à Secretaria de Educação, a mãe conta que uma funcionária ligou para a escola e falou para a diretora aceitar a criança por meio período, das 8h às 10h, e somente três dias na semana, de quarta à sexta.
Sobre o cuidador? Mandaram aguardar que iriam enviar um profissional pra lá.
“Dei entrada na Defensoria Pública e estou aguardando. Ele está indo pra escola. Mas, fico frustrada com o município por não mandar o cuidador. Ele não teve melhora nenhuma. A professora não dá conta dele e das outras crianças. Meu filho não está tendo o apoio que merece por direito. A gente tem de brigar, lutar pelo direito deles. Isso é uma coisa que a gente não deveria discutir. Ele precisa interagir na sociedade. Mas, como que faz se o município não respeita a lei que está aí pra ser cumprida. É um descaso”, desabafa a mãe.
“Existe um sistema na Semed que tenta te coagir“
As lutas de Adriana de Araújo, 36 anos, em relação à filha Maria Cecília, 4 anos e 10 meses, sempre foram enormes. Além da síndrome de down, a menina foi diagnosticada com espectro autista.
Porém, uma das maiores batalhas está sendo em relação à educação da menina. Ela conta que teve dificuldade desde o primeiro momento. “Visitei algumas escolas próximas e foi negada totalmente a matrícula. Diziam que não tinha vaga, que não tinha cuidador e estagiário, que a escola não estava preparada para receber ela”, detalha Adriana.
Dentre as várias idas à Semed, ela conseguiu uma vaga para filha, contudo, na escola a diretora confessou que só liberou a vaga porque a funcionária da Semed mandou. “Ela estava me cedendo a vaga por pressão. Me apresentou a escola e mandou eu decidir se a minha filha ia estudar lá ou não. Decidi que não. Fiquei com medo da estrutura da escola e do tabu que já teve logo de primeira”, conta.
Ao ir em outra escola, ela conseguiu que Maria Cecília ficasse em uma fila de espera para o ano de 2023. Sem se conformar, Adriana saiu da escola direto para o prédio da Defensoria Pública, onde conseguiu, por determinação do juiz, a matrícula para filha.
“Agora estou correndo atrás de um cuidador ou estagiário, porque ela é totalmente dependente e não tenho preparo psicológico pra deixá-la na escola sozinha. Mesmo com concurso público, ainda não foi direcionado nenhum cuidador pra lá e, dos que estão chamando, eles colocam um cuidador para atender a escola toda. O cuidador fica no corredor”, conta, indignada.
Adriana ressalta que existe uma barreira enorme na rede municipal de ensino, principalmente na Semed. Para ela, há um sistema que tenta coagir as mães a desistirem. “Tem um sistema que barra. É uma exclusão total. E a fala da inclusão, onde que fica? A palavra que define tudo isso é exclusão. A gente tem que lutar por algo que está na lei. A gente briga com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, com o Conselho Municipal e no fim das contas fica tudo no mesmo lugar, na Semed. É uma sensação de negligência, descaso, falta de respeito com as mães, com as crianças, com a nossa luta”, finaliza.
As batalhas de Sineia pelos direitos de Cecília
“Esse ano iniciamos com ela na escola. Só que começou aquela correria porque não tinha um monitor para auxiliar minha filha nas atividades. Ela tem um foco limitado, não tem o mesmo ritmo que as outras crianças e não consegue acompanhar o restante dos alunos”. É assim que Sineia Nascimento começa seu depoimento sobre a filha Cecília Jardim, de 5 anos, que possui síndrome de down.
Na batalha para conseguir um professor auxiliar para a filha, Sineia se reuniu com outras mães, juntou toda a documentação e foi atrás. Conta que insistiu com a Semed e nada conseguiu. Com isso, elas entraram com um processo junto ao Ministério Público no mês de abril deste ano. “Quando íamos lá (no MP) eles falaram ‘a gente deu tantos dias pra eles resolverem’ e nada da Semed e do Ministério Público se manifestarem. Fomos então ao Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, expomos nossa situação, que as crianças estavam sem cuidador e não frequentavam a escola, e as que estavam não conseguiam acompanhar a turma ou não podiam ficar o período todo”, detalha.
Como nada foi resolvido, as mães procuraram a Defensoria Pública e algumas crianças foram atendidas e outras não. Com isso, até hoje algumas delas ainda não foram para a escola por falta de cuidador.
“Temos uma lei que nos ampara, que diz que nosso filho tem o direito a um professor auxiliar. Eles dizem que os pais precisam estimular e ajudar. Sim, nós temos. Mas, a Secretaria de Educação é o órgão que tem que garantir isso para os nossos filhos. Eles têm estrutura e profissionais e não estão disponibilizando. Como que a gente, enquanto família, vamos conseguir dar esse amparo para os nossos filhos? Por que a gente tem que brigar tanto?”, questiona.
Sineia afirma que depois de muita luta da própria direção da escola que a filha frequenta conseguiu um cuidador para acompanhar Cecília na sala de aula. “Ela é um indivíduo da nossa sociedade e tem direito como qualquer outra criança. Por que ela não poderia estudar e ter o acompanhamento que precisa? Eu vou lutar pelos outros direitos dela! Se não der certo hoje, vou tentar amanhã. Eu vou continuar lutando pelos direitos das outras mães também, para que consigam cuidadores para seus filhos”, finaliza.
NOTA DA PREFEITURA
A Redação do CORREIO entrou em contato com a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Marabá, pedindo explicações sobre as queixas das mães. A Secom enviou uma nota curta sobre o assunto: “A Semed já está ciente deste assunto e o projeto de monitoramento já foi implantado em algumas escolas. As demais estão em processo de concurso público para a admissão das demais vagas a serem supridas”.
(Da Redação)