Correio de Carajás

Marabá: Acadêmica de Direito consegue prisão de estuprador 21 anos após o crime

Após vinte e um anos convivendo com a impunidade de um crime do qual foi vítima junto da irmã, Sara Regina, de 32 anos, enxerga agora uma luz no fim do túnel com o cumprimento de mandado de prisão expedido contra Herriberto Silvio Rodrigues de Andrade, após a mãe das duas meninas o ter denunciado, em 1.998, quando elas tinham com 11 e 14 anos. Ele era companheiro da mulher, com quem foi casada durante oito anos.

Silvio, como era conhecido em Marabá, foi preso no último dia 15, em uma chácara, na zona rural de Altamira, distante 487 quilômetros de onde foi denunciado. A Polícia Civil chegou até ele após a próprio vítima monitorá-lo.

Ao Portal Correio de Carajás, Sara relatou que aos 11 anos a família dela vivia em Morada Nova e que Herriberto administrava o medicamento Dormonid nela, para sedá-la e, então, praticar abusos sexuais.

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A substância é utilizada para tratamento de insônia apenas quando o transtorno submete o indivíduo a extremo desconforto, é grave ou incapacitante, além de ser sedativo utilizado antes de procedimentos cirúrgicos. Dentre as contraindicações está justamente administrá-la em crianças.

“Eu era abusada através do medicamento chamado Dormonid e minha irmã (de 14 anos) já vinha sofrendo abusos há mais de um ano, sofrendo calada com medo das ameaças que ele fazia de que mataria a nossa família”. O homem passou a viver com a mãe das vítimas quando Sara tinha apenas três anos e chegou a registrá-la como filha, além dela chamá-lo de pai.

Numa noite, a mãe das vítimas acordou e estranhou a ausência de Silvio na cama. Levantou-se e encontrou ele vestindo apenas roupas íntimas e segurando Sara desacordada. O homem inventou uma desculpa qualquer e naquele momento soou o alerta na companheira. No dia seguinte, ao serem questionadas, a mais nova informou que não lembrava do que tinha ocorrido e a mais velha contou que vinha sofrendo abusos.

Silvio, percebendo que havia sido descoberto, fugiu de Marabá. A mãe das meninas o denunciou. “Quando minha mãe descobriu ele fugiu e fizemos todos os procedimentos na delegacia, inclusive exames. Consegui achar a medicação que ela dava dizendo que era remédio para vermes, mas nunca foi localizado”.

JUSTIÇA

Atualmente, Sara cursa o 6ª Período de Direito e até então acreditava que o crime já havia prescrito. “No semestre passado vi uma postagem no Instagram de uma moça, que quando tinha 11 anos tinha sido abusada pelo padrasto e após 20 anos ela tinha formado em Direito e era delegada, então conseguiu prender o abusador. Foi como se tivesse sido pra min aquilo”, relata.

À noite, na disciplina de Direito Penal, a aula era justamente sobre prescrição. “Foi quando descobri que quando você é menor de idade a prescrição só começa a contar a partir de 18 anos. Comecei então a investigar na Internet tudo sobre o nome dele e achei vários processos trabalhistas em Altamira”.

Com a informação do possível paradeiro do abusador em mãos, Sara procurou a delegada Ana Paula Fernandes, à época titular da Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). “Pedi ajuda, dei a ela tudo que tinha da época, jornal da época que saiu a matéria, e fomos ao Fórum (Marabá). Lá descobrimos que tinha mandado de prisão contra ele expedido há mais de 20 anos. Ela pediu pra eu espera que ia achar ele”. Sara continuou fazendo buscas pelo nome do acusado e um tempo depois, no último dia 9 de março, encontrou nova pista. “Um processo dele informando que ele tinha sido intimado por um oficial e assinado a intimação por invasão de propriedade rural. Ele compareceu na audiência”, relatou.

A vítima se diz impressionada que o homem, mesmo com mandado de prisão aberto desde 2016, comparecia em audiências judiciais e continuava livre. Ela então comunicou esse fato à delegada Ana Paula que conduziu a diligência e pediu apoio à equipe da Polícia Civil de Altamira, o que resultou na prisão de Silvio. Sara ainda se revolta com a demora para que um caso tão grave seja punido, mas hoje está mais tranquila de que há chance de alcançar justiça.

“Na hora (da prisão) senti todos os sentimentos possíveis de um ser humano, alívio, desespero, enfim, tudo, mas fiquei indignada também porque no sistema judiciário as informações não são comunicadas. A pessoa com mandado de prisão ia em audiência normalmente e nada era feito porque o sistema nosso é falho. Agora estou aliviada e espero que a Justiça seja feita, sim”.

O processo judicial, desde a comunicação da prisão, corre em segredo de justiça, por envolver duas vítimas menores de idade à época. Por fim, Sara diz esperar que a história dela e da irmã sirva de incentivo para que outras mulheres vítimas de crimes dessa natureza também façam denúncias e busquem por justiça. “Quero que tudo isso que aconteceu com minha família sirva para que outras pessoas não se calem, que vão atrás”.

Silvio está recolhido, atualmente, no município de Altamira, mas a Justiça de Marabá poderá requerer a transferência dele para o sistema prisional da cidade. (Luciana Marschall)