Correio de Carajás

Legado: Obra de João Brasil merece amplo estudo, diz professora

“Eu tenho certeza que a obra dele, agora, vai ser alvo de outras tantas pesquisas”. A frase diz respeito à produção literária regional de João Brasil Monteiro, escritor paraense que faleceu em Marabá no último dia 13 de março, aos 95 anos. A avaliação é da professora doutora Eliane Pereira Machado Soares, da Faculdade de Estudos da Linguagem (FAEL) da Unifesspa. Ela tem pesquisas escritas analisando a obra do escritor e já a apresentou, inclusive, fora do Brasil. “Onde eu apresentava o trabalho dele, as pessoas se encantavam”.

O trabalho como escritor retrata as experiências de muitos marabaenses na história da cidade, e resultou em 11 obras publicadas, por meios próprios. “Como autor, pode ser considerado um escritor memorialista, pois para a produção de seu texto traz o testemunho amoroso de quem viveu ou presenciou os fatos narrados, a partir de sua memória individual, mas há também outras fontes, como o uso da memória de outros seus contemporâneos e até mesmo a pesquisa de livros históricos, para construir sua narrativa, na qual ele mistura elementos autobiográficos e fatos registrados pela memória coletiva própria da tradição oral. A partir disso, sua obra, como um todo, registra a memória local, coletiva, de modo que sua narrativa se aproxima do conhecimento partilhado pelos demais habitantes locais, especialmente os mais antigos”, avalia Eliane, a pedido do CORREIO. 

Eliane em um dos encontros que teve com o mestre, na residência dele

João Brasil, com sua obra, enaltece o passado histórico da região, a sua natureza e a sua população; o fato de ser ele mesmo uma proeminente personalidade local, que conheceu parte das pessoas citadas e viveu muitas situações relatadas, valoriza e dá veracidade às narrativas criadas por ele, muitas vezes nos provocando o riso, a incredulidade, a simpatia e a empatia. Sua obra dá voz não apenas a personagens consagradas na história do município, mas também ao castanheiro, ao garimpeiro, ao barqueiro, à prostituta. Sua obra nos leva a conhecer uma representação da identidade cultural dessa região da Amazônia, atravessada por muitas identidades, incluindo primeiramente a indígena e as demais, resultantes dos fluxos migratórios constantes, bem como nos leva a conhecer, pelo olhar de um observador do povo,  muitos acontecimentos grandiosos e seus impactos na história local, tais como os ciclos econômicos da  borracha, do ouro e da castanha; a Guerrilha do Araguaia; a construção da Transamazônica e Hidrelétrica de Tucuruí; a descoberta do Garimpo de Serra Pelada, a chegada da Cia. Vale.

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Assim, o escritor João Brasil retrata em seus livros aspectos marcantes referentes à cidade de Marabá, constituindo-se um importante documento para compreensão e preservação da memória. Com isso, nos permite conhecer grande parte da história da região, por exemplo, como os ciclos econômicos e projetos governamentais impulsionaram grandes realizações e transformações sociais, expressas em uma linguagem que recorta as realidades vividas.

“A extensa obra de João Brasil pode ser vista como como manifestação literária marabaense mas também como uma fonte de estudos para produção de conhecimento em diferentes campos, como a Literatura, a Linguística, a História, a Geografia, a Sociologia, cabendo aos estudiosos dessas áreas se lançarem sobre esse manancial, esse patrimônio inconteste de nossa história e cultura. Viva João Brasil!!!”, completa Eliane Soares, que também era amiga pessoal e colega de Academia de Letras, do agora saudoso JB.

Outro acadêmico que lamenta a partida do escritor é o poeta Airton Souza, para quem a perda de João Brasil abre uma imensa lacuna na produção literária do sul e sudeste do Pará. “João, além de ser um ser humano incrível, foi o mentor dos projetos pioneiros ligados ao livro, entre os quais o café com letras, que nos ensinou a disseminar os livros em praças públicas da cidade, além disso, idealizou e fundou a mais importante instituição literária da região, que é a Academia de Letras do Sul e Sudeste do Pará. À frente de seu tempo, João Brasil nos mostrou que era possível escrever e, principalmente publicar livros sem esperar por iniciativas públicas”, disse ao CORREIO.

João Brasil ao lado de seus livros: um contador de histórias

LITERATURA

Na literatura, escreveu 11 livros. Em 2009 foi reconhecido nacionalmente como Mestre da Cultura Popular Brasileira (Ministério da Cultura), no projeto Ação Griô, desenvolvido pelo GAM.

Era membro fundador da Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense (2008) e da Academia de Letras de Marabá (2014), ocupando em ambas a cadeira número 1.

Em 2019 teve o seu livro “Mair-Abá – Coração de mãe” editado e impresso pela Imprensa Oficial do Estado, a partir da escolha dos produtores literários da região sudeste e de Marabá, após reuniões com integrantes da Ioepa. O lançamento contou com escritores, escritoras, autoridades e professores.

“A Academia de Letras de Marabá (ALMA) lamenta pela partida de seu imortal confrade João Brasil Monteiro, que deixou o plano terrestre deixando grande legado”, escreveu o colega Manoel Rodrigues.

Entenda

João Brasil era um memorialista. Sua obra é conhecida por promover o resgate de boa parte da história de Marabá, falando da atuação de autoridades e também registrando a vida de pessoas simples, mas que contribuíram para o desenvolvimento da cidade.

João Brasil foi sepultado ao lado da amada Dona Izabel

A despedida a João Brasil Monteiro ocorreu no final da tarde de domingo (15), no Cemitério São Miguel, na Marabá Pioneira, no mesmo túmulo da sua companheira de vida, Dona Izabel – falecida em 2018, aos 89 anos. Vultos históricos da cidade também têm seus túmulos naquele campo santo.

Ele havia falecido na véspera (13/3), em leito do Hospital Unimed, para onde foi levado com quadro de infecção urinária. Mais tarde, não resistiu a três paradas cardíacas e faleceu por volta das 4 horas da manhã de sábado.

João Brasil Monteiro nasceu em Altamira, também no Pará, em 25 de maio de 1926. Em 1931, veio com sua mãe e avós, João da Costa Brasil e Júlia Benício Brasil, para a cidade de Marabá.

Com o tempo de trabalho e a experiência adquirida nas viagens pelos rios da região, por 15 anos, João Brasil se tornou um piloto de barco profissional, de sucesso, conseguindo ser dono de sua própria embarcação, realizando assim incontáveis viagens e vivendo inúmeras aventuras, dignas de registro. Já aposentado, nos anos 1990, dedicou-se às letras, como escritor memorialista, relatando fatos históricos, suas vivências e observações sobre pessoas e acontecimentos desde os primórdios da existência da cidade de Marabá até os anos 1980. O trabalho como escritor retrata as experiências de muitos marabaenses na história da cidade.

Era pai de: Vera Lúcia Macedo Monteiro, Regina Célia Morais, Nilza Macedo Monteiro, Cléa Maria Sidão, Elizabete Macedo Monteiro, João Brasil Monteiro Filho, Wilde Araújo e Wilma.

Também era o mais ilustre morador Trav. Santa Terezinha, na Marabá Pioneira, onde vivia até hoje.

Com os colegas de Academia de Letras, onde ele tinha a cadeira nº 1

OFICIAL

Em Itupiranga, onde João Brasil foi prefeito de 1964 a 1968 e de 1976 a 1982, o atual gestor, Benjamin Tasca, decretou luto oficial de três dias, enaltecendo os inestimáveis serviços prestados por ele aquele Município. A Prefeitura de Marabá também emitiu nota de pesar pela sua perda e apoio à família.

“Quero deixar em meu nome e da minha família os nossos profundos sentimentos pela partida do grande amigo que hoje com certeza se reencontra no céu com sua amada D. Izabel”, escreveu o amigo João Chamon Neto, secretário regional do Governo do Estado. (Da Redação)

JOÃO, UM BRASILEIRO DA AMAZÕNIA

Aqui tem poeta que traz o Brasil

antes de seu singelo nome, João

que já navegou com sua nau

pelos rios dessa imensa região

e transformou tudo em histórias

e as contou para a multidão

Viu tanto coisa, Seu João

mas não se deixa intimidar

por quem diga ser tudo lenda 

e logo com sua voz de trovão

diz “é tudo fato! É verdade!”

e silencia qualquer contenda

Quem já o leu e ouviu, sabe

que suas histórias contadas

são as histórias ditas e não ditas

mas o que ninguém sabe dizer:

qual é a forma mais engraçada

qual é a forma mais bonita

Quem nunca ouviu ou leu Seu João,

não ouviu a música da memória

não sabe dessa Amazônia em riste

não conhece essa verdade manuscrita

pelo contador de histórias, o demiurgo

Esse Senhor de letras benditas.

  Eliane Pereira Machado Soares

(Patrick Roberto)