Correio de Carajás

Lava Jato completa cinco anos com novo juiz, mudanças nas equipes de investigação e polêmica sobre fundo

A Operação Lava Jato completa cinco anos neste domingo (17) com novo juiz, mudanças na composição das equipes de investigação da Polícia Federal (PF) e a polêmica sobre a criação de um fundo com R$ 2,567 bilhões devolvido pela Petrobras devido a um acordo fechado com as autoridades norte-americanas.

Da deflagração da primeira fase, em uma segunda-feira de 2014, decorreram outras 59 etapas, 49 sentenças e mais de 150 condenados. Ao todo, R$ 13 bilhões são alvo de recuperação por meio de leniências, acordos e Termos de Ajustamento de Conduta (TAC).

  • Delações, perseguição e críticas: Procurador avalia a Operação Lava Jato, que completa 5 anos
  • Superintendente da PF do Paraná espera ter até 50 servidores atuando exclusivamente na Lava Jato em 2019

Mudanças na Justiça

Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal de Curitiba para assumir Ministério e foi substitudo por Luiz Antônio Bonat — Foto: Valter Campanato/Agência Brasil e Nathan D'Ornelas/Divulgação
Sérgio Moro deixou a 13ª Vara Federal de Curitiba para assumir Ministério e foi substitudo por Luiz Antônio Bonat — Foto: Valter Campanato/Agência Brasil e Nathan D’Ornelas/Divulgação

Depois de mais de quatro anos e meio como o juiz frente às ações penais da Lava Jato do Paraná, na primeira instância, Sérgio Moro pediu exoneração do cargo ao aceitar o convite do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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Desde a deflagração da operação, a 13ª Vara Criminal de Curitiba passou a julgar exclusivamente processos decorrentes da operação, mas permaneceu com aqueles que já tramitavam antes da Lava Jato.

De 2014 até deixar o cargo, Moro sentenciou 45 processos da operação. Entre os condenados pelo juiz federal, que teve sua imagem retratada em bonecos infláveis gigantes durante manifestações contra a corrupção, estão doleiros, ex-diretores da Petrobras, empresários ligados a grandes empreiteiras do país, ex-deputados federais e um ex-presidente da República.

Foi Moro quem condenou Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, no caso do triplex em Guarujá. A sentença foi confirmada na segunda instância e levou o ex-presidente à prisão, em abril de 2018. Lula nega as acusações.

A juíza substituta Grabriela Hardt assumiu os processos da Lava Jato interinamente após o pedido de afastamento de Moro. A primeira sentença dela foi publicada três dias após o pedido de exoneração de Moro.

Entre as quatro sentenças de Hardt no período em que esteve frente à 13ª Vara Federal de Curitiba, está a que condenou Lula pela segunda vez na Lava Jato, no caso do sítio de Atibaia. O ex-presidente disse que é inocente e que vai recorrer.

Em resposta à sentença, as defesas, o MPF e a assistência de acusação pediram algumas alterações no texto. Um dos erros apontados foi o fato de a magistrada ter colocado, em um trecho do documento, o termo “apartamento” no lugar de “sítio”.

Em documento publicado 22 dias após a sentença, Hardt atribuiu o erro ao fato de ter usado, como “modelo” para a redação daquele trecho específico, o texto referente ao triplex do Guarujá.

“Acato apontamentos feitos pelas partes, corrigindo omissões e erros materiais, justificando-os pelo excesso de volume de trabalho durante o período de elaboração da sentença, boa parte do qual exigindo urgência desta magistrada em razão do número de investigados/réus presos em inquéritos e ações penais em tramitação, com a concomitante redução momentânea do número de servidores na unidade”, diz o documento.

Em 6 de março, o juiz federal Luiz Antônio Bonat assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba. Entre os 25 candidatos inscritos para o lugar de Moro frente aos processos da Lava Jato, Bonat, de 64 anos, era o que tinha mais tempo de magistratura – ingressou em 1993. Ele deixou a 21ª Vara Federal, também em Curitiba, especializada em casos da área previdenciária.

O magistrado herdou 41 processos criminais em andamento, 12 dos quais já passaram pela fase de instrução e aguardam a sentença.

Na primeira audiência da Lava Jato, um dia após ter assumido, Bonat ouviu os depoimentos do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Odebrecht Fernando Migliaccio e da auditora fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB) Ana Paula Souza da Silva, na ação que apura superfaturamento na construção de uma sede da Petrobras em Salvador.

Outro nome que deixou Curitiba com Moro foi Flávia Maceno Blanco, que durante a Lava Jato o assessorou. Ela foi diretora de secretaria na 13ª Vara da Justiça Federal e, atualmente, é chefe de gabinete do ministro.

Mudanças na PF

A PF em Curitiba, onde três equipes atuam exclusivamente na Lava Jato, teve alterações significativas de pessoal neste ano. Ao menos cinco nomes deixaram a capital paranaense, a maioria rumo a Brasília:

  • Igor Romário de Paula, que coordenava a Lava Jato, deixou a Delegacia Regional de Combate ao Crime Organizado para ser diretor de Combate ao Crime Organizado da PF.
  • Roberval Ré Vicalci deixou o cargo de diretor-executivo da PF no Paraná para assumir o cargo de diretor de Administração e Logística Policial da PF.
  • O chefe da perícia em Curitiba, Fábio Salvador, foi nomeado diretor Técnico-Científico da PF em Brasília.
  • Já o delegado Felipe Hayashi assumiu um cargo do Governo do Paraná.
  • Maurício Valeixo deixou a superintendência da PF no Paraná e assumiu como diretor-geral da PF.

No lugar de Valeixo, assumiu Luciano Flores, que já tinha atuado em fases importantes da Lava Jato e avalia como positivas as mudanças ocorridas na equipe. Em entrevista ao G1, Flores disse que espera chegar, em 2019, a 50 profissionais trabalhando exclusivamente na operação.

Luciano Flores de Lima assumiu a Superintendência da PF em Curitiba — Foto: Alana Fonseca/G1
Luciano Flores de Lima assumiu a Superintendência da PF em Curitiba — Foto: Alana Fonseca/G1

“Então, se nós conseguirmos atingir esse objetivo, de pessoas que têm perfil para isso, de formar entre oito a dez equipes policiais, nós chegaríamos a um número de 50 profissionais dedicados exclusivamente à Lava Jato em Curitiba. Esse seria um número ideal para que a gente pudesse dar vazão às nossas necessidades”, declarou.

Flores falou sobre a necessidade de realização de concursos públicos para a contratação de policiais e de agentes administrativos para atender a demanda da PF. Ele disse acreditar que o ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro, que atuou por mais de quatros anos como juiz da operação, tem conhecimento das carências da corporação.

O G1 entrou em contato com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para saber se há previsão de realização de concurso público para contratação de policiais e agentes administrativos e aguarda retorno.

A polêmica do fundo privado da Lava Jato

A força-tarefa da Lava Jato do MPF do Paraná se envolveu, recentemente, em uma polêmica sobre a criação de um fundo privado bilionário para gerir recursos recuperados na operação.

O projeto previa a constituição de uma fundação de direito privado para destinar parte dos recursos a iniciativas sociais, em áreas como saúde, educação e meio ambiente.

O primeiro passo foi dado em 25 de janeiro, quando a Justiça Federal homologou acordo entre MPF e Petrobras na qual a estatal se comprometeu a depositar US$ 682,56 milhões como restituição dos crimes identificados na Lava Jato. Em 30 de janeiro, a Petrobras depositou o equivalente em reais (R$ 2,567 bilhões) em conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba, que julga os casos da operação.

Desse valor, cerca de R$ 1,25 bilhão seria aplicado em um fundo patrimonial gerido por uma fundação independente e distribuídos os rendimentos para projetos de combate à corrupção e promoção da cidadania e da integridade.

Sede do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba — Foto: Reprodução/ RPC Curitiba
Sede do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba — Foto: Reprodução/ RPC Curitiba

Porém, na terça-feira (12), o MPF pediu a suspensão da criação do fundo. No mesmo dia, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação de todo o acordo. Na quarta-feira (13), o juiz Luiz Antônio Bonat decidiu suspender, por 90 dias, os procedimentos para a criação do fundo privado.

Na sexta-feira (15), o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu o acordo de criação do fundo e determinou ainda o bloqueio dos valores já depositados pela Petrobras em uma conta ligada à 13ª Vara Federal de Curitiba.

Moraes também deu prazo de dez dias aos envolvidos no acordo para prestarem informações.

A Receita Federal

A Lava Jato também tem uma operação especial instaurada na Receita Federal, que participa das investigações desde o início, fazendo o cruzamento e análise de dados de pessoas e empresas alvos.

No decorrer dos cinco anos da Lava Jato, a Receita Federal teve um papel importante e fez descobertas como as divergências nas declarações de Imposto de Renda do marqueteiro João Santana e da mulher dele, Monica Moura. De acordo com o levantamento, o patrimônio de Santana aumentou de R$ 1 milhão em 2004, para R$ 59 milhões em 2014, em valores não corrigidos.

G1 tentou contato com a defesa de João Santana e Monica Moura mas não obteve retorno.

Também foi a Receita que identificou o recebimento de R$ 1,4 milhão pela empresa JD Consultoria, do ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu. Segundo o órgão, o valor foi recebido de uma empresa que pertence a um dos operadores do esquema de corrupção na Petrobras.

Dirceu foi condenado por corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro em ação penal da Lava Jato que tratou dessas transações financeiras.

De acordo com o advogado Roberto Podval, que defende José Dirceu, não foi encontrado nenhum valor significativo nas contas do ex-ministro.

“O que ficou claro no final desse episódio é de que não foi encontrada nenhuma conta ou movimentação financeira no Brasil ou no exterior com qualquer valor significativo, diferentemente do que foi encontrado do Milton Pascowitch”, afirmou Podval.

Mudança

Roberto Leonel, que era chefe do Escritório de Pesquisa e Investigação da Receita Federal no Paraná e sempre participou da Lava Jato, neste ano assumiu o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). No lugar dele, assumiu o auditor-fiscal Edson Shinia Suzuki.

Estrutura

No órgão, a atuação se divide basicamente em duas partes:

  • inteligência, responsável pela parte de levantamento de dados durante a investigação;
  • e a fiscalização, que tem uma Equipe Especial de Fiscalização (EEF), que faz as diligências posteriores, a partir do acesso às denúncias e ações penais.

Uma estrutura foi criada na Receita para identificar contribuintes citados e apurar eventuais crimes tributárias e fiscais a partir de crimes como a lavagem de dinheiro, investigados pela Lava Jato.

A EEF tem uma estrutura que permite chegar aos diferentes núcleos do esquema de corrupção, com o objetivo de que os envolvidos sejam cobrados pelos crimes tributários. Até o início de dezembro de 2018, últimos dados disponíveis no site da Receita Federal, a EEF tinha instaurado 2.971 procedimentos, sendo 610 fiscalizações e mais de 2,3 mil diligências e perícias.

De 2014 a dezembro de 2018, as fiscalizações da EEF da Lava Jato na Receita Federal geraram autuações que somam R$ 17,8 bilhões.

Ações por improbidade administrativa

Além das 91 denúncias criminais, o Ministério Público Federal ajuizou outras dez ações por improbidade administrativa, que têm como alvos 18 empresas, três partidos (PP, PSB e MDB) e 63 pessoas físicas – incluindo o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e ex-diretores da Petrobras.

Nessas ações, são cobrados – entre danos materiais, danos morais coletivos e multa civil – R$ 18.393.206.732,57 dos envolvidos.

Dos dez processos por improbidade administrativa, nenhum tinha sido sentenciado até a tarde de sexta-feira (15). Um deles está com a tramitação suspensa desde julho de 2018.

No entanto, em alguns casos já houve a determinação de bloqueio de bens para garantir o ressarcimento aos cofres públicos em caso de condenação.

A última ação do tipo apresentada à Justiça, em dezembro de 2018, pede a responsabilização por atos de improbidade administrativa contra o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e cinco políticos.

A força-tarefa pede o pagamento de mais de R$ 3 bilhões, perda dos cargos, suspensão de direitos políticos por dez anos e perda dos direitos de contagem e fruição da aposentadoria pelo regime especial.

À época do pedido, o MDB disse em nota que todos os recursos recebidos como doação pelo partido foram contabilizados e todas as contas foram aprovadas.

Em nota, o PSB informou que sempre foi favorável a toda investigação, “sobre quem quer que seja, desde que respeitado o amplo direito de defesa e o devido processo legal, conforme estabelece a Constituição Federal”.

O G1 não conseguiu contato com o PP.

O advogado Diego Campos, coordenador da pós-graduação na Academia Brasileira de Direito Constitucional, explica que a ação de improbidade administrativa tramita independentemente da existência de uma ação penal, com tiro processual diferente e com punições previstas na Constituição Federal.

“Em especial, a finalidade dela é a punição, a aplicação de algumas penas (…) para aqueles que causam prejuízos à administração pública, que pode ser tanto um agente público, como eventualmente pessoas [físicas] e entidades privadas que de alguma forma participem de atos que venha a prejudicar a administração pública”, detalha Campos.

Entre as penas previstas, estão a perda da função pública e bloqueio de bens e valores antes da sentença, para garantir o ressarcimento ao poder público em caso de condenação e suspensão dos direitos políticos.

Nos casos de ações de improbidade, a apresentação pode ser pelo MPF e os entes prejudicados pelo ato de improbidades, como a Advocacia Geral da União (AGU), nos casos de danos à União. De acordo com o advogado, não pode haver duplicidade no valor do ressarcimento de danos entre ações penais e ações de improbidade.

“A reparação tem que ser na exata medida do dano, quando eu falo de reparação, de ressarcimento. Então eu estabeleço um valor do dano e não pode haver condenação além do dano efetivo. Mas quando eu falo de penalidades, aí sim pode ser acumulado multa civil e assim por diante”, afirma Campos.

Ele explica ainda que o dano ao erário não prescreve.

“Já atuei em casos em que, no âmbito da ação penal, o crime prescreveu. E lá eles também têm uma medida cautelar de bloqueio de bens, para garantir um eventual ressarcimento e multa lá na frente. O que acontece? A ação penal prescreve e no âmbito da ação de improbidade o Ministério Público pede a indisponibilidade para garantir um possível ressarcimento no âmbito da ação de improbidade.” (Fonte:G1)