Poucos meses após o início da pandemia do novo coronavírus no Brasil, o administrador Julio Rissa, 41 anos, acompanhou a filha de 15 anos sentindo de forma intensa os efeitos de viver em isolamento social e do fechamento de escolas. A adolescente se isolou cada vez mais e começou a apresentar mudança de comportamento.
“Vínhamos percebendo uma mudança desde antes da metade do ano passado (2020), quando tinha se passado pouco mais de dois meses do início da pandemia. Ela se afastou de todas as colegas de turma, com algumas já tinha alguns problemas, inclusive por bullying, mas com outras foi somente por conta do isolamento social. Isso foi deixando ela cada vez mais triste e ansiosa. Ela chorava várias vezes durante a semana”, conta o pai.
No início deste ano, a família encaminhou a adolescente para um profissional de psicologia, logo após ter uma conversa franca com a estudante. “Ela sempre comentava que cada vez tinha menos vontade de interagir com outros colegas. Ela acabava ficando cada vez mais tempo na internet e se abalou bastante com a enxurrada de notícias sobre a pandemia”, relembra.
Leia mais:Além do afastamento social, pesou para a estudante passar a cursar o Ensino Médio pelo método remoto. “Ela é muito consciente das coisas e madura para a idade dela, talvez por isso se preocupe tanto com situações que a maioria dos adolescentes não se preocuparia. Uma delas é a auto cobrança com o desempenho na escola. Ela tem plena consciência de que não aprendeu quase nada neste último ano e que isso terá implicações no futuro, o que a deixa mais ansiosa e preocupada”, afirma Rissa.
Por conta desse incômodo, além de procurar ajuda profissional, os pais também mudaram a estudante de escola. “A gente imaginava que ela não fosse aceitar tão bem a ideia de procurar ajuda externa, mas, para nossa surpresa, ela até agradeceu por isso. Ela tem sessão toda semana e, apesar de tímidos, já sentimos os primeiros resultados. Sabemos que isso é um trabalho de longo prazo”, afirma, acrescentando que são analisadas as hipóteses de ansiedade e de traços de depressão no caso da filha.
De acordo como a especialista em comportamento Anny Pontes, que atua com abordagem cognitivo-comportamental nas redes privada e pública de Parauapebas, no sudeste do Pará, é crescente o número de crianças e adolescentes que chegam aos consultórios apresentando sintomas relacionados ao humor, principalmente depressão, ansiedade e transtorno bipolar.
“A ciência comprova que estas questões têm raiz de três pontas: fator genético, fator biológico e fator ambiental. O fator ambiental é extremamente relevante e nossa condição em saúde está associada às nossas relações sociais. Se você recorta um momento da história do homem e diz para ele ficar em casa, o retira do contexto social, ele está fazendo a manutenção da saúde para o corpo, mas não da saúde para a mente”, explica.
A psicóloga destaca que é importante os responsáveis estarem atentos à condição geral de disposição das crianças e dos adolescentes, principalmente em relação às mudanças bruscas de comportamento. Se o filho ficar mais recuado ou exaltado, principalmente se era uma criança que tinha bastante convívio social fora de casa, é sinal de alerta.
“Se a criança ia para a casa da amiguinha, para a natação, para o balé, para a escola e agora está passando mais tempo no quarto, quer ficar só no celular e assistir desenho, tem que ficar atento”, exemplifica, destacando ser importante, ainda, observar os graus de irritabilidade e de preocupação com a autoimagem.
“Se eles querem assistir a aula online de pijama, ficar de pijama o dia todo, pode parecer nada, mas é muita coisa essa questão do auto zelo, inclusive para adultos, esse comprometimento com a própria imagem. Se a criança não quer tomar banho, não quer pentear o cabelo e quer se fixar em uma só atividade, ou seja, está apelando para o celular ou para o computador, ficando grande parte do dia nesses dispositivos, é necessária atenção”.
Os equipamentos eletrônicos em excesso, acrescenta, podem afetar o desenvolvimento social. “Por mais que a criança ou o adolescente fique em casa, é necessário tentar estabelecer janelas de tempo para ficar no celular, de tal a tal hora. Depois é hora de ir brincar com o cachorro, sair um pouco no quintal, estar com o irmão, montar um lego, ler um livro… tem que dar diversidade para a criança”.
A especialista destaca ser importante fazer da casa um ambiente promotor das relações, principalmente nesse momento de isolamento. Os responsáveis, destaca, são espelho para crianças e adolescentes, portanto não basta reclamar do filho que passa o dia inteiro ao celular se o pai faz o mesmo. “Se todos estão nos celulares com quem essa criança vai interagir? Quem está disponível? Para prevenir, os adultos também precisam adotar uma atitude nova e ter interação com as crianças”.
Anny Pontes destaca que um dia ou outro de tristeza é comum e inerente a qualquer ser humano, mas a condição deve despertar atenção se for permanente. “Passou de uma semana e está beirando duas semanas que a criança está dessa forma? Oscilando de humor? Este é o sinal para buscar apoio. É necessário ficar de olho na frequência e na permanência deste estado”.
A partir disso, há duas possibilidades: buscar atendimento em uma clínica privada ou junto ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para a segunda opção é necessário procurar uma Unidade Básica de Saúde onde o paciente vai passar por uma avaliação geral e o médico deverá fazer o encaminhamento para a especialidade.
Dependendo da idade deste paciente, o terapeuta faz uma entrevista com os pais, no momento da apresentação da queixa, e após isso começa a avaliação do paciente, na qual uma hipótese será levantada e trabalhada.
Em relação ao isolamento, a dica da psicóloga é que as famílias fortaleçam laços e que não utilizem a residência apenas como dormitório. “A moradia tem outras funções, o ideal é a gente tirar ela do estágio básico e botar no avançado, para que seja um lugar legal de se estar. Dando essa cara para a casa, você consegue interagir melhor com ela e com as pessoas que estão nela”, diz.
Sobre crianças e adolescentes, especificamente, a ideia é ser criativo e incentivar atividades diferentes. “Dá para fazer a hora ou o dia da família, contar histórias, a hora da brincadeira, variar um dia com a mãe, o outro o pai… mantendo um ritmo. Não adianta ficar todo mundo dentro de casa e se isolar lá também, cada um no próprio quarto”, finaliza. (Luciana Marschall)