Correio de Carajás

Índice de estupro de vulnerável é alto em Marabá

Marabá instaura aproximadamente 10 inquéritos policiais para investigação de crimes relacionados a estupro de crianças e adolescentes mensalmente. A informação é da delegada Ana Paula Fernandes, a frente da Delegacia Especializada no Atendimento à Criança e ao Adolescente (Deaca) de Marabá.

“Chegam muitas denúncias, não quer dizer que todas sejam fatos. A gente instaura quando tem indício concreto”, informou, explicando que é definido como estupro de vulnerável quando ocorre o ato conjugal, ou seja, há penetração, mas também se tratar-se de ato libidinoso, como beijos e carícias, por exemplo.

De acordo com o Art. 217-A, do Código Penal, praticar o crime contra menores de 14 anos pode ser punido com até 15 anos de prisão. “A punição em relação ao estupro de vulnerável, que é crime hediondo, é de regime fechado, não cabe fiança, a pena é alta”, diz a delegada.

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Ela destaca que os crimes desta natureza ocorrem frequentemente tanto na zona urbana quanto na rural e que o perigo na maioria das vezes está mais perto do que se imagina. Para ela, 90% dos casos atendidos na delegacia têm como abusadores membros da família das crianças.

“Os casos mais comuns ocorrem dentro do âmbito familiar e normalmente o abusador é alguém que tem acesso à vítima, algum parente, alguém da família que tem acesso à criança, poucos casos envolvem estupradores são desconhecidos, alguém da rua. Normalmente o abusador vai ganhando a confiança da criança ou do adolescente, oferece alguma coisa e depois de um tempo vai pedindo que em troca daquilo que tá oferecendo, dos presentes, que elas cometam ato sexual com eles”, explica.

Conforme Ana Paula, há muitos casos envolvendo padrastos e, inclusive, pais biológicos, além de tios e primos. “Os mais graves pra mim ainda são aqueles envolvendo pai biológico porque é muito traumatizante pra vítima saber que o pai, que deveria proteger, está cometendo o abuso sexual. Alguns casos são culturais, há pais que cometem esses atos por acreditar que a menina tem que ter a primeira vez com o pai, que faz questão de ‘tirar a virgindade’ dela”, afirma.

No momento em que concedia entrevista ao Jornal CORREIO, a delegada tinha sobre a mesa um inquérito que investiga justamente o caso de acusação contra um pai biológico que estupro uma criança de seis anos. “Normalmente é antes dos 12 anos”. Sobre os casos de estupros praticados por padrastos, ela ressalta que é importante as mães e outros familiares estarem atentos à pessoa estranha inserida na convivência.

“É importante que as mães tenham cuidado com quem colocam dentro de casa, às vezes sai pra trabalhar e deixa a criança sozinha com esse homem. Perceba o comportamento dos filhos, há muitas mães que as filhas contam e elas não acreditam porque estão apaixonadas pelo companheiro. É importante que, ao primeiro sinal, traga à delegacia, para a psicóloga acompanhar, fazer o atendimento para verificar se procede ou não e apure porque a omissão é crime e gera punição também”, orienta. Conforme a autoridade policial, responsáveis podem responder pelo mesmo crime, mas na modalidade omissiva.

Outro alerta é para frequência de crianças em locais que costumam ser procurados por pedófilos. “Temos casos em escolinha de futebol, grupos de igrejas, onde eles têm acesso eles procuram, escolas. Os pais precisam sempre acompanhar porque existem muitos casos desta natureza”.

Ana Paula Fernandes destaca para a importância das pessoas denunciarem os casos quando tiverem suspeita. “A Constituição prevê que é dever de todos agir quando perceberem que uma criança está sofrendo algum tipo de violência sexual, pode até ser uma denúncia anônima, porque é uma ação incondicionada. Eu preciso apurar assim que eu tomar conhecimento”.

O promotor Samuel Furtado Sobral, que responde pela Promotoria de Infância e Juventude, diz haver índice considerável de abuso sexual contra criança e adolescente nesta região. “É algo comum, os números demonstram que não são casos esporádicos, são frequentes e temos que trabalhar com a população para que ela possa se informar sobre essas situações e possam trazer informações para os órgãos que investigam”.

Observa, por exemplo, que na área rural é comum inclusive homens adultos viverem maritalmente com menores de 13 anos. Ele também afirma que a maior parte dos casos de estupro de vulnerável tem como envolvidos homens próximos das vítimas. “A gente indica que às pessoas sempre prestem atenção às reclamações das crianças, às vezes passam por uma mudança radical de comportamento, é fácil para uma mãe verificar se o comportamento modificou de forma brusca. Há situações em que a criança passa a se mutilar, qualquer mudança drástica no comportamento é indício que algo possa estar acontecendo, não necessariamente abuso sexual, mas algo está acontecendo e é bom buscar apoio”.

Após os procedimentos serem apurados pela Polícia Civil, eles são remetidos ao Ministério Público do Estado do Pará que observa se há algum elemento a ser acrescentado e, caso não, deflagra a ação penal. “Dependendo das provas produzidas, se está bem evidenciado, a prisão preventiva pode se fazer necessária”. Furtado afirma que, atualmente, todo o processo é desenrolado de forma que as vítimas sejam o mínimo possível expostas.

“A criança não pode apresentar vários depoimentos sobre a questão, não pode ser revitimizada. Na delegacia determinou-se que agora seja feita uma escuta especializada dessas crianças para que sejam ouvidas apenas uma vez, para não serem novamente expostas à situação que vivenciaram”, diz, explicando, ainda, que a pedofilia em si não é criminalmente tipificada, mas um conceito.

“O Código Penal diz que manter qualquer tipo de contato com criança ou adolescente abaixo de 14 anos incompletos é considerado estupro. A pedofilia é um termo utilizado principalmente em situações em que há troca de mensagens entre adultos e crianças, fotos de crianças em poses eróticas… é considerado pedofilia e as situação podem se confundir com o estupro, mas na maior parte das vezes é uma exposição da figura da criança. A depender do caso as pessoas podem responder pelos crimes previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), como divulgar a foto ou vídeo de criança ou expor ela nas redes sociais”.

Por fim, o promotor recorda a importância de se fazer a denúncia com responsabilidade, devido à gravidade da acusação. “Há quem faça denúncias infundadas e expõe uma família a uma situação vexatória porque, muitas vezes, só por a pessoa ser investigada por uma situação causa constrangimento e pode levar até a algo mais grave. Imagine se alguém for acusado infundadamente de praticar algo dessa natureza e sofrer um dano físico por revolta de populares, quem irá reparar isso?”, finaliza. (Luciana Marschall com informações de Josseli Carvalho)

SAIBA MAIS

Em Marabá, uma forma segura e eficaz de realizar denúncia é utilizando o serviço Disque Denúncia do Sudeste do Pará, por meio do aplicativo – disponível nas lojas virtuais Google Play e Apple Store –, pelo telefone (94) 3312-3350 ou através do WhatsApp, no número (94) 98198-3350.