Correio de Carajás

Hospital realizará 1ª cirurgia em paciente transgênero no Pará

O Hospital Estadual Jean Bitar vai realizar, no segundo semestre, a primeira cirurgia em um paciente transgênero no Pará. O Ambulatório de Transgêneros da unidade aguarda apenas a chegada de uma prótese mamária para ser colocada numa mulher trans. É um grande avanço não apenas para o Pará, mas também para a região Norte, já que os pacientes completavam os dois anos de acompanhamento e preparação na Unidade de Referência Especializada (Uredipe) mas não tinham perspectiva de realizar os procedimentos cirúrgicos.

“Com esse avanço possibilitamos que esses pacientes façam o procedimento aqui, na sua terra, perto da sua família, amigos e do seu trabalho”, destaca a médica endocrinologista Flávia Cunha, coordenadora do Ambulatório de Transgêneros do Hospital Jean Bitar, que é gerido por uma Organização Social, mas atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O ambulatório foi criado em outubro de 2017 para complementar o serviço da Uredipe e atender pessoas que apresentam disforia ou incongruência de gênero (veja mais no box). Ela explica que o Jean Bitar iniciou o serviço ambulatorial para dar suporte para a Uredipe que é a porta de entrada dos indivíduos transgêneros, onde o paciente inicia um acompanhamento com tempo mínimo de 2 anos com uma equipe multidisciplinar que inclui serviço social, psicologia, endocrinologia, fonoaudiologia e nutrição. “Após esses dois anos de acompanhamento o paciente é encaminhado ao laboratório do Jean Bitar para iniciar uma preparação mais específica para a cirurgia, juntamente com atendimento psiquiátrico”, destaca.

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SERVIÇO

Além de prótese mamária na mulher trans, o serviço vai oferecer a retirada de mama (mastectomia), útero, ovários e trompas do homem trans. “Atualmente o hospital acompanha cerca de 30 pacientes”, conta Flávia, doutora em Distúrbios do Desenvolvimento Sexual (DDS) e Disforia de Gênero pela Universidade de São Paulo (USP). Os pacientes são acolhidos na Uredipe pelos assistentes sociais e psicólogos e iniciam uma psicoterapia. Se a pessoa for diagnosticada com disforia de gênero, inicia o tratamento do processo transexualizador, que se baseia em psicoterapia, hormonioterapia e as cirurgias.

Para que seja indicada a hormonioterapia tem que ser feita uma avaliação psicológica prévia. Se a pessoa for diagnosticada com disforia de gênero é encaminhada para o endocrinologista, que fará a avaliação hormonal para a adequação ao gênero de identidade. Somente após o mínimo de dois anos de tratamento a pessoa pode ser indicada para as cirurgias do processo transexualizador.

Para as mulheres trans a cirurgia de redesignação sexual envolve a reconstrução dos genitais (embora outros procedimentos possam ocorrer e, em muitos casos, algumas mulheres decidem não se submeter à cirurgia), enquanto que nos homens trans ela compreende um conjunto de cirurgias, incluindo remoção dos seios, reconstrução dos genitais e lipoaspiração.

Murilo Oliveira, 29, é paciente do ambulatório do Jean Bitar. Descobriu sua incongruência de gênero por volta dos 14 anos. Quando interagia com as outras crianças ele não conseguia se identificar com o gênero com o qual veio ao mundo. “Eu brincava com as outras crianças e sofria muito preconceito porque as crianças não têm filtro com relação a questão e gênero. Não achava que algo estava errado comigo, mas eu percebia que algo era diferente em mim, já que eu gostava muito de brincar com meninos e repudiava qualquer brincadeira que se relacionasse ao gênero feminino”.

A mãe de Murilo era professora e sempre assinava revistas de cunho científico. “Certo dia eu abri uma dessas revistas e me deparei com um artigo denominado ‘Mamãe quero ser menina’ que contava a história de uma menina trans dos Estados Unidos que me abriu uma espécie de porta. Me identifiquei com aquela história. Era aquilo que eu sentia. Foi a partir daí que eu me entendi como uma pessoa trans no mundo”, relembra.

Murilo foi durante 26 anos socializado como uma mulher. “Você não deixa de ser a pessoa que você é … A alma continua a mesma. O que muda é a sua essência, o seu corpo. Para mim e para a minha família não foi nada fácil porque eu me preocupava muito com o que a sociedade iria pensar”, diz.

“Chegou um momento que eu bati o pé e decidi que não dava mais para continuar vivendo daquela forma. Foi aí que conversei com a minha família e informei que eu assumiria a minha identidade de gênero. No começo foi muito difícil, mas é um processo necessário”. Ele já faz tratamento hormonal há 3 anos e pretende fazer a retirada de suas mamas após cumprir os requisitos médicos. “Já estou na fila aguardando. A ansiedade é grande”.

“Aos 12 anos me aceitei enquanto trans”

Danilo Pietro, 21 anos, conta que desde os 3 anos de idade já tinha plena certeza que era um menino. A disforia de Danilo só aumentava na medida em que crescia, já que se sentia um garoto, mas a sociedade o obrigava a se vestir e a se comportar como uma menina.

Danilo Pietro
Danilo Pietro Octavio Cardoso

“Isso me causava muito sofrimento… As pessoas ao redor percebiam que eu não tinha feminilidade, mas fingiam que não viam nada”. Aos 7 anos tentou abolir o uso de saias e vestido. “Passei a usar só short e calça e me sentia muito bem com isso, mas me chamavam de apelidos pejorativos que me irritavam como machinho, maria macho… Ele foi descobrindo sua sexualidade e se envolveu com algumas meninas virtualmente e depois pessoalmente. “Aos 12 anos me aceitei enquanto trans e, a partir dos 15, comecei minha transição, cortando o cabelo, mudando as roupas aos poucos, escolhendo nome”.

Aos 19 anos tirou a carteira social e iniciou o processo de alteração de nome e gênero e o tratamento hormonal. “Não somos influenciados a sermos assim… A gente nasce assim e não tem como mudar, mas você pode escolher em se aceitar e ser feliz ou agradar a sociedade cisnormativa e sofrer”, afirma. (DOL)