Cá com os meus diálogos vãos, estava ruminando por que mentimos tanto às crianças para que gostem da escola formal. Falo da rede entranhada no sistema capitalista (ou outra porcaria semelhante) sem rotas alternativas nem becos de chances.
E terminamos adulterando a maioria dos pequenos seres vivos humanos e os empurrando para um infinito de reproduções cartesianas, formando mulheres e homens do senso comum. A maioria de nós.
É ruim para a convivência e uma atrofia na perspectiva por uma Terra menos violenta. São “fábricas” de gerações e gerações de pais e filhos desertificados.
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Levei anos para admitir que não gostava da minha escola, O Pequeno Príncipe. Na verdade, me apetecia uma trinca de professores sulistas, alguns e pouquíssimos amigos e amigas feitos no planeta escolar.
Talvez a rudeza dos bullyings, o retrato e a reprodução do ambiente hostil e preconceituoso levado da família para a sala de aula, para hora do recreio e para os espaços estimulados de disputas escrotas.
Nunca entendi por que tínhamos de disputar quase tudo e, consequentemente, amargamos frustrações evitáveis.
Mesmo assim, não poderia desestimular nenhum de meus filhos. Quando descobriram que a escola era uma esteira de enquadrar gente, eu inventava as melhores mentiras para estimulá-los.
Dizia que gostava tanto da escola que, quando chegavam as férias, eu chorava para não deixar de ir para o colégio todos os dias. Sustentava que levava minha rede e atava-a na sala de aula, tamanha saudade em mim…
Sim, claro, eu sei! Não é fácil fazer “escola”. Reunir ali, os mais diversos comportamentos, as autoestimas variáveis e as cópias do pai, da mãe, do avô e da avó. Ainda mais agora, em tempos de discussão sobre hétero ou homossexuais.
Infelizmente, vi gente muita gente machista ainda no reencontro. Homofóbicas ao extremo e misóginas em disfarce mal camuflado. E o pior, contaminados por um conservadorismo bolsonarista ou do outro extremo, lulista.
Tinham outras escolas subjetivas dentro do Pequeno Príncipe que me fascinavam. Mais do que a formal que me levava a sentir menos em relação à menina ou ao menino do dez em matemática, em física, em trigonometria.
A escola das análises e das manifestações de vários pensadores ou de religiosos que, nas décadas da ditadura militar (1964-1985), estavam na nossa própria comunidade lutando contra militares armados… Estas me interessavam.
Do pouco que eu tentava compreender, queria saber mais sobre o sentimento IRA deles do que da “tradição” onerosa de Elizabeth II. Se bem que viraram uma Disneylândia, um atrativo turístico. Pelo menos!
Escrevi no começo que nunca gostei da escola, mas me projetava em professores que resistiam no sistema e não se prendiam na homogeneização de meninas e meninos. Um punhado de grandes conversadores sobre a vida.
Fabuladores de outros mundos possíveis além do sucesso dos primeiros lugares no “vestibular”. Insurgentes por saídas coletivas e solidárias para a existência mundana, incluindo bicho, floresta, gente, rio e mar.
Por agora, ando investigando conceber, com a comunidade escolar, a gestação de uma “sala permanente de conversa” para se antecipar ao bullying, à morte na escola e em casa, ao dano na autoestima e ao suicídio.
Não é simplório, mas vivo sonhando com bandos de pássaros-livros sobrevoando as árvores na escola (e nas casas). Ah, não existem árvores em sua escola? Pois ainda é tempo de plantar oxigênio e rebrotar.
Talvez seja preciso desformatar o modelo escolar que finge ensinar enquanto silencia. Fomentar o erro como etapa natural da aprendizagem, não como sentença de fracasso. Que se escute mais o que as crianças têm a dizer, porque dali brotam verdades desarmadas e urgentes.
Imagino rodas de conversa abertas, onde a matemática se mistura com a história de vida de cada um, e a literatura resgata memórias esquecidas no silêncio da sala de aula. Que o aprendizado seja uma travessia, não um cerco. E que as escolas sejam pontes — nunca prisões.
* O autor é jornalista há 29 anos e publica crônica às quintas-feiras
Observação: As opiniões contidas nesta coluna não refletem, necessariamente, a opinião do CORREIO DE CARAJÁS.