Correio de Carajás

“HIV é uma doença social”, afirma casal homoafetivo de Marabá

Geraldo e Thiago, de Marabá, vivem com HIV e afirmam que o preconceito das pessoas é a maior barreira que enfrentam

Geraldo e Thiago estão casados há um ano, celebram o amor e ignoram o preconceito contra pessoas que vivem com HIV/ Fotos: Evangelista Rocha

“Eu falo que o HIV é uma doença social porque eu vivo melhor do que uma pessoa que tem diabetes. Quem tem diabetes precisa tomar insulina, não pode ingerir açúcar, não pode isso, não pode aquilo. Eu faço tudo, eu bebo, fumo, me divirto, viajo, não tenho nenhuma limitação física ou fisiológica por causa do HIV. As limitações que tenho são em relação a outras pessoas. Então, para mim é uma doença social. A carga pesada do HIV é em relação ao preconceito que você sofre de outras pessoas”, desabafa Geraldo Rogério, 28 anos, que vive com HIV (siga em inglês do vírus da imunodeficiência humana).

Casado há pouco mais de um ano com Thiago Ferreira, 22 anos, que também vive com o vírus, os dois falam abertamente sobre suas vivências, descobertas, preconceito e amor em uma entrevista exclusiva à Reportagem do CORREIO por ocasião do Dia Internacional da Luta contra a Aids, que transcorre hoje, 1º de dezembro.

Geraldo revela que descobriu o HIV em dezembro de 2017, quando morava em Salvador-BA. Ele conta que realizava a testagem de forma constante, a cada seis meses, até que um dia começou a se sentir mal.

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Ele explica que o HIV tem uma fase que se repete duas vezes, que é a infecção aguda, que acontece assim que a pessoa é contaminada e quando ela está virando AIDS (doença causada pelo HIV, que vai danificando o sistema imunológico e a capacidade do organismo de se defender de outras infecções).

“Me senti mal, fui para o hospital e um amigo que vivia com HIV me acompanhou e disse pra eu fazer a testagem. Falei ‘ah, mas testei há três meses’. Ele insistiu, eu testei e descobri que estava positivo. Foi um choque! Mesmo tendo pessoas vivendo com HIV no meu convívio, no momento que descobri, surtei. Cheguei em casa e lavei todas as minhas roupas com álcool. Me senti uma bomba ambulante que a qualquer momento ia explodir na vida de alguém”, relembra Geraldo.

Já Thiago descobriu que vivia com HIV um mês antes de conhecer o atual companheiro. Diferentemente de Geraldo, Thiago descobriu um pouco mais tarde e já estava começando a ficar doente.

“Estava com um pressentimento de ir fazer o teste, mas não queria ter a confirmação de imediato. Esperei ter os sintomas para poder procurar um local de atendimento, o que foi um erro da minha parte”, reconhece Thiago.

Ao Correio, ele conta que quando decidiu ir ao Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) e teve a confirmação, a quantidade de vírus em seu organismo estava alta. “Fiz o exame seis meses depois e ainda não estava indetectável. Pra mim, foi um período difícil. Desestabilizador. Não tinha pessoas ao meu redor que viviam com HIV ou pelo menos não falavam abertamente. Não tive esse suporte de imediato. Foi mais delicada a situação”, relembra.

E foi nesse período que conheceu Geraldo e conseguiu, através da aproximação, conversar e conviver com alguém com quem poderia falar abertamente sobre o assunto e ter informações sobre o tratamento.

“Eu que puxei o assunto com ele. Foi algo incomum que vi, porque ele já havia exposto na rede social dele, e quis puxar assunto. Ainda nem namorávamos”.

Thiago (esquerda) revela que vive com HIV por meio de entrevista à Reportagem do CORREIO

Família

Durante a entrevista, realizada na casa recém adquirida pelo casal, no Bairro Liberdade, eles contam que a sorologia de Thiago nunca foi aberta nem para a família e nem para os amigos.

“Na hora que ele sentir vontade, ele vai falar”, afirma Geraldo, abrindo um sorriso logo em seguida, lembrando que a partir de agora todo mundo vai saber por causa da reportagem.

Questionado sobre a forma como irá tratar o assunto, Thiago sorri, meio nervoso, e diz que não terá problemas caso as pessoas o questionem. “Minha família e meus amigos ainda não sabem que vivo com HIV. Mas, isso também aconteceu em relação a minha sexualidade. Não me assumi, fui assumido para as pessoas. Elas vinham me perguntar e eu falava. Acredito que com o HIV vai ser da mesma forma. Vou tentar lidar com isso com o máximo de serenidade possível”, diz Thiago.

Para Geraldo falar e expor o HIV também aconteceu de uma forma diferente. À família ele contou três meses depois da descoberta durante uma visita ao Estado de Minas Gerais, onde os parentes residem.

“Quis fazer um exame de carga viral antes da viagem, para que quando chegasse lá eu mostrasse que estava indetectável. Foi um choque, mas depois que sentei e conversei, expliquei o que era o vírus, como era o tratamento e como eu já estava, foi mais tranquilo”.

Preconceito

Geraldo conta que depois que descobriu o HIV, várias pessoas com quem ele iniciou – ou tentou – iniciar um relacionamento sumiam quando ele falava sobre o assunto.

Cansado e frustrado com a situação, ele decidiu abrir sua sorologia e adotou a seguinte estratégia: fez uma sequência de vídeos nos stories do Instagram falando sobre HIV, sobre ser indetectável e deixou nos destaques. Assim, todo mundo que conhecia, ele já perguntava logo se a pessoa já tinha visto sua rede social.

 

“Essa foi a forma que encontrei de as pessoas só chegarem na minha vida depois de saber dessa informação, para eu não sofrer com o preconceito”, conta Geraldo.

 

Nota da Redação

Geraldo e Thiago são considerados soroconcordantes, quando ambos os parceiros têm a mesma sorologia ou o mesmo sorotipo para o HIV.

Pesquisas têm mostrado que o estigma e a discriminação prejudicam os esforços no enfrentamento ao HIV, ao fazer com que as pessoas tenham medo de procurar por informações, serviços e métodos que reduzam o risco de infecção e de adotar comportamentos mais seguros com receio de que sejam levantadas suspeitas em relação ao seu estado sorológico.

A discriminação – ou sorofobia – é crime previsto em lei. Negar emprego, demitir sem uma justa causa, segregar o ambiente de trabalho ou escolar, divulgar a condição do portador de HIV com o intuito de ofender, recusar ou retardar atendimento de saúde é crime punível com reclusão de 1 a 4 anos.

 

Uma casa com um toque de macramê

 

Geraldo divide seu trabalho de servidor público federal com o macramê, uma técnica de tecelagem muito antiga que consiste em fios trançados e atados em nós.

As amarrações são feitas apenas com as mãos e os nós criam a trama e até mesmo desenhos geométricos. Um dos pontos mais interessantes é a infinidade de peças que podem ser originadas do macramê. Desde peças de home decor como: colchas, painéis e luminárias, até acessórios como brincos e colares e peças de roupas como vestidos e saias. Tudo depende da habilidade e prática de quem pratica, e da criatividade.

Uma das peça em macramê produzida pelo casal Thiago e Geraldo

O passo a passo da técnica foi ensinada ao companheiro, Thiago, que hoje também produz peças lindas.

O talento e o sucesso das peças que compõem toda a decoração da residência do casal viraram empreendimento. O “Macragê”, mistura de macramê com a inicial do nome de Geraldo, ganhou uma página no Instagram, onde a dupla expõe todas as peças e criações. Vale a pena conferir e adquirir. (Ana Mangas)

 

ONDE ENCONTRAR AJUDA

SAE/CTA – Marabá

Funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 17h.

Endereço: Travessa Santa Terezinha s/n – Próximo ao Hospital Materno Infantil – Marabá Pioneira

Telefone: (94) 3321-2195